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Desembargador do TJ-PB tenta censurar documentário sobre a Calvário por meio de ações idênticas

Foto: Reprodução

O desembargador Ricardo Vital de Almeida, do Tribunal de Justiça da Paraíba, busca na Justiça a censura definitiva de um documentário sobre uma investigação ocorrida no estado com ares de lavajatismo. O magistrado questiona a produção por meio de dois processos com argumentações idênticas.

O documentário “Justiça Contaminada — O Teatro Lavajatista da Operação Calvário na Paraíba” foi produzido pelos jornalistas Eduardo Reina, hoje repórter especial da ConJur, e Camilo Toscano. A obra conta os abusos da chamada operação “calvário”, que investigava supostas fraudes e desvios nas secretarias estaduais de Saúde e Educação.

A produção jornalística mostra os métodos lavajatistas da operação e o uso das investigações de corrupção como arma de destruição na política — fenômeno chamado de lawfare. A partir de 2019, as medidas da “calvário” atingiram especialmente o grupo político do ex-governador paraibano Ricardo Coutinho.

Vital foi relator dos processos da operação no TJ-PB. Nas ações contra os jornalistas, ele pediu a suspensão da veiculação do documentário. Uma delas se refere ao vídeo completo, enquanto a outra se volta a apenas dois dos nove episódios de “Justiça Contaminada”.

Ações e decisões

Na primeira delas, o desembargador alega que o documentário trouxe palavras ofensivas à sua imagem e à sua honra, pois o acusou de agir emocional e passionalmente, sob suspeição.

Vital argumenta que os jornalistas construíram ataques pessoais “absolutamente descabidos”, com o único intuito de atingir a sua “esfera extrapatrimonial”. De acordo com ele, as perguntas formuladas aos entrevistados no documentário montaram um ambiente destinado especificamente a macular a sua imagem.

Além da censura, o desembargador pediu indenização por ter sido mencionado na obra. Em julho do último ano, o 2º Juizado Especial Cível de João Pessoa determinou, em liminar, a retirada dos vídeos do YouTube até o julgamento de mérito do processo.

O juiz Adhemar de Paula Leite Ferreira Néto constatou indícios de que o documentário não buscou divulgar os fatos ocorridos na operação “calvário”, mas sim “desqualificar o autor” na sua condição de relator dos processos.

Como exemplo, o magistrado citou um trecho do vídeo no qual se afirma que houve abusos de autoridade na operação. Segundo ele, não foram especificados os tipos de abusos cometidos.

“O conteúdo, caracteristicamente publicitário e pouquíssimo documental, termina sem registrar nenhum ato praticado pelo autor que indique alguma conduta sua geradora de impedimento ou suspeição”, disse Ferreira Néto. Na sua visão, o documentário ofendeu a honra de Vital, sem apresentar “ao menos um fato que corrobore a narrativa”.

A segunda ação repete a mesma demanda, mas foca em dois episódios específicos de “Justiça Contaminada”. Em dezembro do último ano, o 8º Juizado Especial Cível da Capital negou a suspensão imediata da veiculação dos vídeos. A juíza Daniela Rolim Bezerra observou que eles já não estavam mais disponíveis no YouTube.

Vital obteve assistência jurídica gratuita a partir da Associação dos Magistrados da Paraíba (AMPB). O desembargador ainda move uma ação criminal por calúnia contra Reina e Toscano. Ele é o único dos personagens citados no documentário que acionou a Justiça para impedir a veiculação do conteúdo e responsabilizar os jornalistas. “Justiça Contaminada” foi lançado pela TV ConJur em maio do último ano.

Histórico

Devido às suas atitudes na operação “calvário”, o desembargador era chamado de “Sergio Moro da Paraíba” pela imprensa local, em referência ao ex-juiz da “lava jato”, declarado parcial pelo Supremo Tribunal Federal. Já o promotor Octávio Paulo Neto era comparado ao ex-procurador Deltan Dallagnol, que comandou a força-tarefa de Curitiba.

Em 2019, a investigação prendeu 17 pessoas e impôs diversas medidas cautelares aos envolvidos. Desde então, a ação enfrenta um conflito de competência.

O próprio Vital já perguntou ao Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba se o caso deveria ser julgado pela Justiça Eleitoral ou comum — ele defende a segunda opção.

O TRE-PB fez o processo retornar à Justiça comum sem ouvir a defesa dos acusados. Em seguida, o STF encaminhou a denúncia para a Justiça Eleitoral. Mais tarde, o processo foi enviado ao Tribunal Superior Eleitoral, para que este decida a instância no qual deveria tramitar.

A ação está parada há quatro anos, pois nove juízes da Paraíba já alegaram incompatibilidade ou outros problemas para prosseguir o julgamento.

Teatro lavajatista

O documentário é uma produção independente. Reina e Toscano informaram à ConJur que obtiveram toda a documentação da operação “calvário” apresentada na obra, fizeram entrevistas com os envolvidos e checaram dados e informações da imprensa paraibana e nacional.

Entre o final de 2021 e o início de 2022, os responsáveis pela obra tentaram contato com Vital por diversas vezes, inclusive por meio da assessoria de imprensa do TJ-PB e pela chefia de seu gabinete.

Os jornalistas ofereceram diversas alternativas para manifestação do desembargador: entrevista pessoal, respostas por escrito a questionamentos formulados pelos jornalistas ou envio de nota escrita pelo próprio magistrado ou pela assessoria de imprensa. No entanto, não houve retorno.

“A tendência de tentar silenciar a imprensa dessa forma, através de múltiplas ações judiciais que percorrem indenizações milionárias, não é compatível com o estado democrático de direito, com a liberdade de imprensa e nem mesmo com o exercício do cargo público, do qual o desembargador demonstra se orgulhar tanto em suas petições”, diz Jonatas Moreth Mariano, advogado de defesa dos jornalistas.

Para ele, a atuação do magistrado “exige a constante vigilância social, o que, consequentemente, pode incorrer na recepção de críticas numa frequência muito acima do que há de tolerar quem não se dispõe a atuar servindo, de maneira literal, ao público”.

 

Fonte: Assessoria
Créditos: Assessoria