Opinião

Prisão de deputado extremista pode abrir precedente histórico no Brasil - Por Samuel de Brito

"Discurso de ódio não pode jamais ser confundido com liberdade de expressão. Se expressar significa opinar, debater, argumentar, convencer. Não significa agredir, ferir, despejar ódio"

Numa sociedade que se acostumou a normalizar absurdos e num país em que o discurso de ódio se tornou moda, travestido da prerrogativa de defender a “liberdade de expressão”, a prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) pode abrir precedente histórico no Brasil. Um país que não pune os ataques à honra, à democracia e as instituições é um país fadado ao desrespeito as suas próprias leis e, portanto, ao fracasso.

Em vídeo divulgado nas redes sociais, Daniel Silveira, aquele que destruiu a placa com o nome de Marielle Franco, ataca os ministros do STF, em uma reação após Edson Fachin dizer ser intolerável as pressões do general Villas Boas ao Supremo. O deputado tem como alvos principais, o próprio Fachin, além de Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello e Gimar Mendes. Ele xinga o ministro Fachin de “moleque, menino mimado, mal caráter, marginal da lei”. E continua: “vagabundos e bandidos”.

Acusações de venda de sentenças também são feitas no vídeo, no qual ele ainda ‘convoca’, criminosamente, os ministros Fachin e Moraes a prenderem o general Villas Boas, como se ele estivesse acima da lei. No mais, o discurso que não vale a pena ser reproduzido aqui é repleto de falas ofensivas, conspiracionistas e mentirosas, típicas da extrema-direita. Silveira foi preso no âmbito do inquérito que investiga ameaças e ofensas contra ministros do STF.

Discurso de ódio não pode jamais ser confundido com liberdade de expressão. Se expressar significa opinar, debater, argumentar, convencer. Não significa agredir, ferir, despejar ódio baseado em opiniões infundadas e conspirações. “Do ponto de vista jurídico, o ódio pode ser considerado como opinião. Mas a sociedade não pode aceitá-lo, pois ele destrói o consenso fundamental democrático”, já afirmou Matthias Quent. Aliás, isso os tribunais internacionais com uma visão coerente já promulgam.

A corte europeia prevê que negar o holocausto não é liberdade de expressão, por exemplo. Em outubro de 2019, numa resposta à queixa do ex-deputado Udo Pastörs, do partido ultranacionalista de direita alemão, NPD, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos decidiu que negar o extermínio de judeus não está contemplado pelo direto à liberdade de expressão.

Durante o seu mandato como deputado estadual, Pastörs mentiu com a intenção de difamar vítimas judias e negar o Holocausto. Ele criticou, no parlamento estadual, um evento em memória do Holocausto, ocorrido no dia anterior. O então deputado disse que o “chamado Holocausto” estaria sendo usado para fins políticos e comerciais, e falou de um “teatro de consternação” e “projeções de Auschwitz”.

Os juízes decidiram por unanimidade em Estrasburgo que o fato de Pastörs ter sido condenado por suas declarações sobre o Holocausto não viola seu direito à liberdade de expressão. A sentença europeia confirmou decisões anteriores de cortes alemãs.

Casos diferente, é verdade, mas com semelhanças. Silveira, em seu vídeo, faz apologia ao AI-5, ato mais terrível e mortal da Ditadura Militar no Brasil. Além disso, um sentimento em comum: o negacionismo, a tentativa de deturpar a história. Daniel Silveira, além das ofensas aos ministros e apologia à Ditadura, cita o ataque ao Capitólio, nos EUA, início de janeiro, e afirma que, ao seu ver, as confusões foram orquestradas por integrantes do movimento Black Lives Matter, um discurso incorporado pela extrema-direita com o objetivo de desqualificar a luta anti-racista.

Durante a prisão, Daniel Silveira ainda proferiu tudo que pode haver de pior. Se recusou a utilizar máscara, discutiu com uma policial, tentou dar carteirada com a frase: “eu sou deputado federal” (que não impediu a prisão por ter sido em flagrante e ser crime inafiançável), e proferiu mais xingamentos. Ele representa o momento em que a moda é ser valente e ser gentil é apenas a condição para aqueles que tem o dever de servir. A sociedade ainda funciona como uma máquina de proliferar bárbaros.

No caso do Brasil, o deputado Daniel Silveira vai a julgamento na Câmara Federal (que pode tentar reverter a decisão da prisão e julgá-lo apenas no Conselho de Ética) e no STF. Na Suprema Corte, o ministro Luiz Fux deve se posicionar em defesa do STF na tarde desta quarta (17). Os demais ministros vão julgar se mantém ou anulam a prisão do deputado. É necessária uma decisão contra o extremismo, e essencial que os ministros entendam que o respeito deve ser princípio central de uma sociedade e que, enfim, o Brasil não tolere a intolerância, para citar Karl Popper.

Aguardamos com expectativa uma posição firme do Supremo, em defesa da democracia e do Estado de Direito. A prisão de Daniel Silveira pode abrir um precedente histórico no país para decisões futuras contra o discurso de ódio e a favor da liberdade de expressão.

Fonte: Samuel de Brito
Créditos: Samuel de Brito/Polêmica Paraíba