Opinião

PARAHYBA E SUAS HISTÓRIAS: As velhas mercearias - Por Sérgio Botelho

Ainda hoje elas resistem em bairros afastados e nas grandes cidades e vilarejos do Interior. Ou em feiras livres. Porém, sem o mesmo significado econômico e social de antigamente. Falo das mercearias, também conhecidas como 'vendas', que paulatinamente foram sendo substituídas por mercadinhos e supermercados.

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Ainda hoje elas resistem em bairros afastados e nas grandes cidades e vilarejos do Interior. Ou em feiras livres. Porém, sem o mesmo significado econômico e social de antigamente. Falo das mercearias, também conhecidas como ‘vendas’, que paulatinamente foram sendo substituídas por mercadinhos e supermercados.

Até as décadas de 1950, 1960 e início da de 1970, no entanto, elas cumpriam papel de grande relevo no dia a dia da vida pessoense. Nas mercearias era onde as famílias supriam suas necessidades diárias, apesar de frequentemente se constituírem em espaços apertados e abarrotados, com produtos expostos em prateleiras até o teto. Geralmente, era o próprio dono quem buscava os itens para os clientes.

Do meu tempo de criança e adolescente, no centro da cidade, lembro perfeitamente de três: uma delas, a de “seu” Dutra, ficava em frente ao prédio do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano, na esquina da Barão do Abiahy; quase vizinha, havia a de “seu” Raimundo, que passava o dia todo cantarolando “humhumhumhumhum”, sem que ninguém conseguisse compreender direito a melodia; a outra, a de “seu” Lucena – das três, a mais apetrechada -, funcionava na esquina da Visconde de Pelotas com a Praça Rio Branco, onde hoje existe um pequeno shopping.

Mas havia muitas outras mercearias importantes em bairros da capital paraibana. Os donos frequentemente conheciam seus clientes pelo nome e pelas suas preferências. Ao invés do quilo de feijão, a depender das necessidades e do poder aquisitivo do consumidor, você podia se restringir a um meio-quilo. Ou até a um pouco menos. Havia ainda o charque, a farinha, os condimentos. (As verduras e legumes, a dona de casa comprava mesmo na porta, com os verdureiros, outra figura diária da vida pessoense de épocas pretéritas, ou nas feiras livres). “Vou fazer a mercearia”, assim se expressava a dona de casa ou seu marido, mais especialmente aos sábados.

Referia-se à feira da semana. Não era incomum que os donos fossem meio que irascíveis, brabos. “Seu” Raimundo, por exemplo, ficava “uma arara” com reclamações sobre mercadorias. Pior ainda com os pinguços, figuras inseparáveis das mercearias. Eles viviam a basicamente e mendigar por uma dose de cachaça, para alimentar o vício. Em troca, prestavam alguns favores aos donos daqueles pequenos negócios. E, até, serviam de eventuais seguranças.

Não é possível esquecer uma das maiores características das mercearias: a indefectível cadernetinha, que anotava o tão comum fiado. No interior do estado, por exemplo, existia o costume de políticos ajuntarem votos arrematando o fiado de clientes. Dizem que até hoje! É preciso assinalar, ainda, que nesse tipo de comércio acontecia um certo escambo. Você trocava mercadorias. Por exemplo: ferro velho, garrafa etc. Qualquer coisa que fosse possível ao merceeiro comercializar depois.

Devagar, elas foram cedendo espaço, sem muito ruído, apesar de ruínas particulares, à sofisticada ditadura do marketing largamente exercida pelos supermercados. Fruto, evidentemente, da evolução dos tempos, inaugurando uma nova fase do consumo, onde você entra no estabelecimento para adquirir mercadoria x ou y, e termina levando quase o alfabeto inteiro.

Sobretudo, as velhas mercearias deixaram um legado cultural significativo, simbolizando uma época de simplicidade, proximidade comunitária e comércio local.

Fonte: Sergio Botelho
Créditos: Polêmica Paraíba