Entrevista

FORA DA POLÍTICA: camisa da seleção não pertence a partido, diz Tite

 

Adenor Bachi, o Tite, não se reinventa. O técnico da seleção brasileira considera que se molda, se adapta e se ajusta de acordo com as circunstâncias. Mas há um posicionamento imutável do treinador de 61 anos prestes a disputar a sua segunda Copa do Mundo consecutiva: a decisão de evitar detalhar a sua posição política enquanto estiver no cargo da seleção mais campeã da história do futebol mundial e a certeza de que não irá a Brasília depois das eleições para presidente, seja quem for o novo comandante da nação, e do torneio no Catar caso o Brasil conquiste o hexa. “O direito que eu me dou é dar o melhor no trabalho e a seleção brasileira é um patrimônio cultural e educacional, não é partidário”, afirma.

O Estadão conversou com Tite e o membro mais importante de seu núcleo duro, o auxiliar Cléber Xavier, durante uma hora em São Paulo nesta semana. Eles estão juntos há 21 anos e dividem tudo, inclusive as respostas. Tite tem sempre a última palavra, mas ouve seu parceiro com muita atenção. Cléber é persuasivo. Tite é sedutor. A dupla corre o Brasil para suas últimas entrevistas. Eles falaram sobre bola e campo, mas também sobre política, família, Neymar e futuro. O treinador reafirmou que vai usar o próximo ano – ou parte dele, que seja – para descansar, namorar a mulher e se aprofundar nos estudos.

Disse ainda crer que o torcedor não está distante da seleção, pelo menos os mais jovens, contou que Neymar está mais motivado e preparado para liderar o Brasil no Catar e revelou o momento mais complicado de sua trajetória à frente da seleção desde que assumiu o cargo na metade de 2016. “Foi o momento em que foi feito o convite para eu permanecer no cargo após o Mundial da Rússia porque eu sabia, enquanto trajetória, que ser campeão é legal, mas se não for ‘a carne vai cortar'”. Tite disputou a Copa de 2018 e perdeu nas quartas de final para a Bélgica.

O treinador também respondeu sobre a lista final para o Mundial do Catar e reforçou que duas das três vagas a mais liberadas pela Fifa serão ocupadas por jogadores do ataque, o setor mais concorrido. Hoje, segundo Tite, o grupo está “80 ou 85%” definido, mas essa porcentagem pode e deve mudar. Por isso, ele tem um leque ampliado de atletas observados. São 45 jogadores no radar. Destes, 26 serão convocados no dia 7 de novembro. A lista enviada à Fifa pode ser alterada até o dia 14. Serão apenas dez dias de preparação antes da estreia contra a Sérvia, dia 24. Parte desse trabalho será na Itália, a primeira parada de Tite antes de chegar ao Catar.

Você já disse que não vai continuar na seleção após a Copa, independentemente do que acontecer no Catar. Onde você estará no ano que vem?

Tite: Em 2023, a dona Rosmari, minha mulher, vai ter toda a preferência. Tem um momento que ele é familiar, tem um momento em que a gente tem de dar uma pausa porque a trajetória profissional é extraordinária, mas também absorve bastante. Vou dar um tempo para a família e vou dar um tempo para estudos. Eu vou dar um tempo para a reorganização, mas segundo o meu filho, não vai passar de dois meses. Minha mulher vai me jogar para fora do apartamento (risos). E eu não vou me aposentar.

Você vai continuar sendo treinador de futebol e vai escolher a melhor proposta depois desse descanso. Essa é a ideia?

Tite: Sim. Essa é a ideia já preestabelecida e maturada. Eu externei isso para comissão técnica um ano e meio atrás, depois externei para as pessoas de forma pública que não sabiam, os atletas já são sabedores. São aqueles ciclos normais e naturais da vida de qualquer profissional. Eles acontecem e isso vai acontecer também.

Mas pelo nível que alcançou, pelos títulos que têm, não está nos seus planos voltar ao Brasil no ano que vem? A ideia é continuar em alguma seleção ou assumir algum clube na Europa?

Tite: Para o futebol brasileiro, não. O ano de 2023 será de estudo. Será o momento de reciclagem, de observação e de readaptação. Eu não gosto de usar o termo reinventar porque eu não me reinvento, eu me modelo, me moldo e me ajusto. Agora meu foco é voltado para a Copa.

Quando surgem propostas para o Tite, vocês decidem juntos para onde vão? Como funciona isso?

Cléber: É uma decisão dele, em primeiro lugar. Sempre foi assim. Em alguns momentos, ele me pede opinião porque estamos há 21 anos juntos. Para nós, o mais importante agora é focar na seleção e na Copa. Depois, vamos descansar como a gente fez em 2014, quando estava no Corinthians. O futuro fica para depois. A decisão tomada e já comunicada é não continuar na seleção.

Vivemos em um País no qual a política está em efervescência, sobretudo agora, às vésperas da eleição para presidente. Por que a comunidade do futebol não se envolve em política?

Tite: Democraticamente, a gente deve respeitar as posições de cada um. E, democraticamente, a gente tem de respeitar as opiniões de não emitir opiniões. O que eu entendo de futebol? Que cada pessoa, individualmente, tem todo o direito de se manifestar no seu particular. Se eu externar as minhas preferências ou aquilo que eu entendo no aspecto político, vou estar expondo o meu cargo ainda estando técnico da seleção brasileira e daqui a pouco ele reverbera mais e eu não me dou esse direito. O direito que me dou é dar o melhor no trabalho e a seleção brasileira é um patrimônio cultural e educacional, não é partidário. Então, devo ter essas percepções educacionais de que forma ética o técnico se comporta e de que forma que nós, enquanto comissão técnica, nos conduzimos. E não fazer do cargo que ocupo alguma coisa que possa ecoar mais. Eu tenho noção exata de que o técnico da seleção ecoa mais do que o Adenor. O Adenor tem a sua voz e o seu voto, mas na seleção ele vai ter de ter a grandeza de fazer o melhor trabalho possível em cima da responsabilidade de trazer uma Copa de volta. Essa é a essência. Faço das minhas as palavras do Marquinhos (zagueiro): que cada um se manifeste. Essa é a minha opinião. Manifeste-se no seu particular e vamos colocar na seleção a vontade, o ânimo, a dedicação, a competência e o amor para chegar na final como o primeiro objetivo e para sermos campeão depois. Talvez o nosso comportamental fale mais do que qualquer palavra.

Cléber: Eu não sei por que os atletas de futebol não se manifestam, não posso falar pelos outros. Eu posso falar por mim, tenho as minhas posições e elas sempre foram claras. Quem é meu amigo e me acompanha, sabe como me posiciono. Mas a partir do momento em que a gente chega à seleção, parei porque a gente chega num momento muito difícil e o foco foi essa busca pelo trabalho. O Brasil entra numa turbulência política e a gente resolve ficar trabalhando em cima do nosso objetivo, fazendo futebol, esse grande caminho para a educação, que é o que a gente entende, mas não nos manifestamos para não criar mais burburinho e uma saída de foco. Continuo me posicionando no meu íntimo, dando o meu voto àquelas pessoas que acredito que vão me representar no quesito político, mas não me posiciono abertamente.

Vocês ficariam desconfortáveis de desfilar em Brasília, caso o Brasil ganhe o hexa após as eleições para presidente, como aconteceu em 2002, depois do penta?

Tite: Eu dei uma resposta em 2017 e ela continua a mesma. Quando o presidente era o (Michel) Temer, disse que não iria nem na ida nem na volta, se perdesse ou ganhasse. Às vezes, com o tempo, a gente a gente modifica, reformata algumas posições, mas essa resposta continua a mesma.

Um dos maiores símbolos da seleção sempre foi a camisa amarelinha. Hoje, existe a impressão de que ela foi apropriada por um grupo político (do presidente Jair Bolsonaro). É comum ver nas ruas pessoas falando que não vão usar a camisa do Brasil. Não te incomoda ver um símbolo tão importante da seleção ser politizado dessa maneira?

Tite: Eu tenho visto que, por parte de uma geração mais jovem, de crianças e adolescentes, essa situação não vinga. Ela é do amor pela seleção, verdadeiramente da torcida. Quando o cara está mais cascudo, já com a cabeça feita, ele está com os seus caminhos, está preestabelecido e fica de boa. Eu quero ficar voltado a esse simbolismo da criança de ser um exemplo educacional, de ser exemplo do esporte como uma ferramenta em que tu possas ser melhor que o adversário, mais competente, como uma série de valores porque fui educado no esporte dessa forma, de ter essas percepções e entender que para essa garotada mais jovem esse simbolismo não existe.

Cléber: A camisa da seleção tem uma representatividade no mundo inteiro. A camisa da seleção é da seleção e é de todos os brasileiros. Ela não representa um grupo A ou B. Eu penso dessa maneira.

A Copa do Catar, ao contrário de todas as outras anteriores, começa em novembro. O fato de a seleção não ser usada politicamente porque a Copa só vai acontecer depois da eleição te tranquiliza?

Tite: Esse assunto não me pertence, enquanto o foco é o Mundial. Eu tenho duas coisas paralelas extraordinárias. Então imagina se eu vou gastar energia, se eu vou gastar o meu foco de atenção a não acompanhar devidamente os atletas, a não falar sobre o esporte? Eu sei, sim, da responsabilidade social, sei o quanto politicamente é importante, tenho noção exata, não sou alienado do quanto nós podemos ter um Brasil com oportunidades e uma equidade maior. Tenho consciência exata, mas sei colocar isso no seu plano e sei da responsabilidade em cima do foco no futebol que é a minha essência.

O que fez a seleção se afastar do torcedor e como trazer esse torcedor de volta?

Tite: Será que está mesmo distante? Eu, enquanto jovem, tinha esse envolvimento com a seleção e continuo sentindo o envolvimento do jovem. Não sinto em outro segmento. Fui em dois jogos no Allianz Parque e fiquei extremamente feliz de ver que todas as pessoas com quem tive contato estavam falando da seleção e da Copa e o quanto estavam engajadas. Há, sim, uma faixa etária que continua ligada à seleção. Nós é que crescemos e nos afastamos. Eu aprendi que o torcedor torce primeiro para o seu clube e quer ter um jogador do time dele na seleção. Eu era assim. Queria um gaúcho na seleção. E te confesso que quando jogaram seleção gaúcha contra a seleção nacional, torci para a gaúcha. Conto essas histórias não para me tornar herói, mas para gerar conexões com as pessoas. E um detalhe: quando chega perto da Copa, há uma atmosfera diferente, tal qual senti do torcedor palmeirense no Allianz. Talvez porque é o melhor momento da seleção dentro desse ciclo de preparação.

Fonte: notícias ao minuto
Créditos: Polêmica paraíba