fala equivocada

"Tropeçou na própria língua": fala de Lula comparando situação em Gaza ao Holocausto provoca reações globais: cientista político paraibano avalia as consequências

A declaração do presidente Luís Inácio Lula da Silva em que comparou a morte de palestinos por Israel ao genocídio de judeus pelo regime nazista de Adolph Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial, provocou grande repercussão em todo o mundo, nos últimos dias. Muitos avaliam como uma fala "infeliz", e outros como até mesmo um "pedido de socorro".

Arte: Marcelo Júnior Polêmica Paraíba

A declaração do presidente Luís Inácio Lula da Silva em que comparou a morte de palestinos por Israel ao genocídio de judeus pelo regime nazista de Adolph Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial, provocou grande repercussão em todo o mundo, nos últimos dias. Muitos avaliam como uma fala “infeliz”, e outros como até mesmo um “pedido de socorro”.

Em conversa com o professor e cientista político paraibano, Augusto Teixeira, ele avaliou a fala do presidente como “equivocada e um erro”, que prejudica os interesses nacionais do Brasil e a credibilidade de Lula como um potencial mediador global. Ele destacou que ao equiparar a situação em Gaza ao Holocausto, Lula realizou uma comparação descabida que feriu suscetibilidades não apenas do governo israelense, mas de judeus ao redor do mundo, incluindo aqueles que apoiaram Lula na eleição de 2022 e a própria esquerda israelense.

O cientista político enfatizou ainda que a fala de Lula pode ter consequências tanto políticas quanto econômicas. A crise diplomática entre Brasil e Israel já resultou em uma resposta agressiva por parte do governo israelense, utilizando a crise para criar um inimigo externo para o público interno. Além disso, a cooperação econômica, especialmente na área agrícola e tecnológica, pode ser prejudicada.

“A fala do presidente Lula, na qual compara a situação de Gaza com o holocausto, é uma fala equivocada, um erro. É uma fala que joga contra os interesses nacionais do Brasil, a sua credibilidade como um potencial mediador de conflito e, de certa do presidente, que é percebido como uma importante liderança, inclusive no palco global. É óbvio que aquilo que ocorre em Gaza em virtude da guerra processada após os ataques terroristas contra Israel em 7 de outubro último é uma guerra caracterizada por uma quantidade de vítimas civis extremamente elevada, um nível de sofrimento alarmante, com a dificuldade de questões humanitárias no tocante a apoio médico, medicamentos e a proteção de civis, ou seja, é plenamente possível fazer a crítica a forma com que Israel realiza a guerra ao debate relacionado a potencial desproporcionalidade do uso da força e potencial ocorrência de crimes de guerra que possivelmente serão investigados por órgãos competentes no ambiente internacional. É de se considerar os riscos, os problemas, os aspectos de caráter humanitário do direito internacional em virtude da guerra, algo que a própria, os próprios setores internos em Israel criticam e cobram a atual administração israelense em relação a essas questões. Outra muito diferente é o debate relacionado a genocídio que envolve. Intencionalidade na matança de um determinado grupo étnico-religioso, e ao equiparar a guerra e seu estado destrutivo com o holocausto, que é uma forma específica de genocídio atrelado ao povo judeu no contexto da Segunda Guerra Mundial. Lula realiza uma comparação descabida que acaba por ferir suscetibilidades não apenas do governo israelense mas de judeus no mundo inteiro, inclusive judeus ou grupo judaicos que apoiaram Lula na eleição de 2022 e de certa forma a própria esquerda israelense”, disse o professor.

Segundo Augusto Teixeira, entre as consequências esperadas, tem aquelas que já aconteceram e aquelas que possivelmente irão ocorrer. “Entre aquelas que já aconteceram, tem-se agora uma crise política e diplomática entre Brasil e Israel, no qual o governo israelense e a sua chancelaria vêm se utilizando da crise como uma forma de tentar criar para o público interno um inimigo externo. No caso, a pessoa figura do governo Lula colocando como negador do holocausto algo que o Lula não fez e como antissemita algo que Lula não é. Por sua vez, podem ocorrer consequências também no campo econômico. Israel é importante fornecedor para o Brasil de insumos para o agronegócio, especialmente tipos específicos especiais de fertilizantes e é um importante ator na área de terrenos. Tecnologias, seja ela de componentes, mas também na coprodução e seção de direitos para a produção tecnológica avançada no Brasil, especialmente na área do setor aeroespacial, como a Embraer. Nesse sentido, podem ocorrer problemas na cooperação dessa área, fora o fato de que existe um acordo de cooperação Brasil-Israel na área de cooperação em defesa e tecnologias que podem ser prejudicados em virtude da atual crise diplomática. Entretanto, a vinda do secretário do Estado americano para o Brasil, Antony Blinken, e obviamente a tentativa de mediar a crise, ou de tentar mediar de forma diplomática entre as chancelarias do Brasil e Israel, poderão trazer panos quentes para o conflito no momento posterior”, afirmou.

Augusto Teixeira também destacou a utilização política interna da crise por grupos bolsonaristas, oportunizando um momento de reversão da maré desfavorável para esses grupos. A crise diplomática torna-se um instrumento político, contribuindo para afastar Lula do eleitorado evangélico e mobilizar apoiadores.

Segundo ele, no âmbito do parlamento, deputados, senadores de oposição, majoritariamente do Partido Liberal, apresentaram um pedido de impeachment do presidente Lula e outros deputados ligados à direita bolsonarista também defendem uma posição de impeachment do presidente ou colocá-lo, levá-lo a âmbitos e cortes jurídicos internacionais por crimes, por exemplo.

“Uma das melhores formas de reverter a atual situação é parar de falar nela, seja a postura da diplomacia oficial brasileira, que teve um declaração num tom bastante diplomático mais duro em relação a ações protagonizadas pelas chancelarias israelenses muito pouco profissionais, mas a tentativa de reforçar os laços de cooperação e amizade entre Israel e Brasil como algo muito relevante e tal como tentar afastar esse debate, porque ele só é interessante para o governo do Benjamin Netanyahu, que se utiliza disso para robustecer sua posição no âmbito doméstico, mas também para o bolsonarismo, que utiliza essa crise como elemento de galvanização de apoio, em particular do eleitorado evangélico e do agro, por exemplo”, destacou.

Para o professor, o fato é que a fala do presidente Lula, que foi correta no tocante a atuação diplomática quando o Brasil liderou o Conselho de Segurança da ONU em outubro, porque propôs uma tentativa de acordo de cessar fogo que teve a maioria dos votos e foi vetada pelos Estados Unidos, colocou uma postura equilibrada de condenação dos ataques do Hamas, mas de solicitação de apoio humanitário para Gaza e com cessar fogo, essa postura, essa perspectiva de relativo equilíbrio foi imaculada por completo pela declaração de Lula que tocou em um tema muito caro, não apenas para Israel, mas para o povo judeu. Então nesse sentido o presidente acabou por tropeçar sobre a própria língua.

 

Fonte: Adriany Santos
Créditos: Polêmica Paraíba