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Por que mortes de idosos por quedas quase dobraram em 10 anos no Brasil

Foi um tropeço dentro de casa que tirou a vida do marido de Georgina Coutinho dos Santos. "Ele foi passar pano na casa, escorregou, bateu a cabeça no chão e nunca mais voltou. No dia do acidente, um domingo, chegou a ser internado, mas não resistiu", diz Georgina.

Foi um tropeço dentro de casa que tirou a vida do marido de Georgina Coutinho dos Santos.

“Ele foi passar pano na casa, escorregou, bateu a cabeça no chão e nunca mais voltou. No dia do acidente, um domingo, chegou a ser internado, mas não resistiu”, diz Georgina.

O que ela não imaginava é que 22 anos depois, aos 71 anos, ela também seria vítima do mesmo acidente.
“É uma situação que a gente nunca imagina que vai acontecer com a gente”, diz ela.

“Recentemente, pisei em um cobre-leito do quarto, escorreguei, bati a cabeça na parede e fiquei quase um mês com o olho roxo. Minha sorte é que não foi tão grave como a situação dele.”

Assim como Georgina, 63 idosos todos os dias procuram atendimento hospitalar no Brasil após serem vítimas de queda da própria altura. Desse total, 19 não resistem e vêm a óbito.

Os dados do Ministério da Saúde também revelam que esse tipo de acidente tem crescido de forma acelerada no país.

Em 2013, 4.816 idosos morreram vítimas de queda da própria altura. Já em 2022, esse número saltou para 9.592 óbitos.

Considerada a terceira causa de mortalidade entre as pessoas com mais de 65 anos, as quedas mataram 70.516 idosos, entre 2013 e 2022, no país.

Especialistas ouvidos pela BBC News Brasil apontam três fatores para a alta incidência desses acidentes:

  • Maior expectativa de vida da população brasileira, que faz o número de idosos ser cada vez maior e consequentemente deste tipo de acidente;
  • Menor subnotificação da rede hospitalar de casos de queda da própria altura, o que facilita os registros deste tipo de acidente e, por consequência, aumenta o número de casos;
  • Falta de políticas públicas para a população idosa se locomover, favorecendo a ocorrência de quedas.

Por que caímos mais ao envelhecer?

Apesar de tombos serem frequentes durante a vida, é após os 60 anos que eles podem se tornar mais comuns.

João Antonio Matheus Guimarães, presidente da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), explica que, com o envelhecimento natural, o corpo humano vai perdendo massa e força muscular, a chamada sarcopenia.

“Essa perda de massa muscular faz com que os idosos tenham uma tendência maior de desequilíbrio, o que acaba gerando a maior parte dos acidentes”, aponta.

Contudo, não é apenas a perda de massa muscular que gera os acidentes.

“Ao mesmo tempo, quem tem mais de 60 anos, possui maior tendência de ter comorbidades, como alterações neurológicas, que podem, por exemplo, gerar uma tontura e uma consequente queda”, diz Guimarães.

Foi o que aconteceu com Irene Alves dos Santos, de 66 anos, que, após um desmaio dentro de casa, sofreu uma queda que a obrigou a ficar semanas fazendo fisioterapia.

“Só me lembro que, como de costume, naquele dia, acordei e fui no quintal de casa. Foi quando do nada desmaiei”, diz ela.

“Ao acordar, me vi toda ensanguentada no chão. Até hoje, não sei quanto tempo fiquei lá.”

Socorrida pelo filho, Irene passou por uma bateria de exames que não apontaram gravidade nos ferimentos, mas acenderam o alerta na família.

“Depois do susto, a gente muda a rotina”, conta a aposentada.

“Por ter diabete e fibromialgia (doença crônica caracterizada por dores fortes nas articulações, músculos e tendões), sei que não posso levantar da cama correndo ao acordar, como antes. Então, hoje, levanto, sento um pouco e só depois começo o meu dia.”

Também entra na lista de motivos que nos fazem cair mais ao envelhecer outras comorbidades corriqueiras do avanço da idade.

É o caso de doenças nas articulações, que tendem a ficar mais frágeis.

Por isso, por exemplo, situações de artrose — causada pelo desgaste progressivo da cartilagem e inflamação da articulação — são corriqueiras após os 60 anos, sendo capazes de causar tropeços fatais e consequentes quedas.

“Outra causa que gera muitos acidentes por queda é a osteoporose — doença que se caracteriza pela perda progressiva de massa óssea, tornando os ossos enfraquecidos”, ressalta Lourenço Peixoto, médico ortopedista e chefe do Centro de Cirurgia do Quadril do Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia (Into).

“Hoje, já temos vários medicamentos que ajudam na fortificação óssea. Por isso, a importância de sempre ficar de olho nos sinais que seu corpo dá.”

Problemas para enxergar de perto ou de longe e o próprio sistema nervoso mais debilitado com o acentuado índice de cabelos brancos também podem ser um indicativo de risco para ocorrência desse tipo de acidente.

“O paciente mais idoso tende a levantar mais vezes à noite, por conta de urgência urinária e, muitas vezes, ele está sonolento”, ressalta Guimarães.

“Nesse levantar, muitas vezes ele sofre a queda.”

Dados do Into apontam que quanto maior a idade, maior o risco de queda. Isso porque, entre os idosos com 80 anos ou mais, em média, 40% deles sofrem ao menos algum tipo de queda todos os anos.

O levantamento vai ao encontro da pesquisa liderada pela nutricionista Ilana Carla Gonçalves da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucurí (UFVJM) sobre a tendência de mortalidade por quedas em idosos no Brasil.

Ao analisar os óbitos de idosos brasileiros por queda, entre 2000 e 2019, a pesquisadora constatou que mais da metade das mortes foram de idosos com 80 anos ou mais.

No respectivo período, das 135.209 mortes de idosos por queda:

  • 17,57% foram de idosos de 60 a 69 anos;
  • 26,31% foram de idosos com 70 a 79 anos;
  • 56,12% foram de idosos com 80 anos ou mais.

“Esse número de mortes já é um indicativo de alerta, a pergunta que fica é o que estamos fazendo para evitar esse tipo de acidente”, ressalta a pesquisadora.

“Isso porque quando o idoso não morre, ele fica acamado e tem todo um processo de recuperação que é mais lento.”

Na opinião de Gonçalves, é preciso que o Brasil repense seu modelo de organização das cidades para uma população que tende a ser cada vez mais idosa.

O Censo Demográfico 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que 10,9% do total de habitantes do país têm 65 anos ou mais – o maior percentual de idosos em relação ao total de habitantes desde que o primeiro recenseamento, de 1872.

“O envelhecimento populacional, não acompanhado dos devidos ajustes na infraestrutura e outras medidas que facilitem a mobilidade e promovam a qualidade de vida dessa população, pode contribuir para o aumento do número de óbitos em decorrência de queda da própria altura”, diz Gonçalves.

“Vias públicas precárias, com calçadas quebradas e irregulares e iluminação insuficiente, aliadas aos fatores intrínsecos originados do processo de envelhecimento, compõem um cenário que conduz a mais episódios de quedas, aumentando as taxas de mortalidade por essa causa, o que merece atenção especial dos gestores e dos profissionais da saúde.”

Fonte: BBC
Créditos: Polêmica Paraíba