opinião

OPERAÇÃO BOLSONARO: como fazer de um ultradiretista um liberal respeitável

Mercado não se importa com ofensas a homossexuais, mulheres ou vítimas da ditadura e cogita o deputado carioca como possível alternativa ao "extremista" Lula

O jogo já começou e, se ninguém impedir, parece que irá mais longe. Jair Bolsonaro, o defensor dos torturadores, o homem que nega que o Brasil tenha tido uma ditadura, o tipo que se deixa fotografar com uma camiseta com o texto: “direitos humanos, esterco da vagabundagem”, o que preferiria um filho morto a ser homossexual, aquele que disse de uma parlamentar que nem sequer merecia ser estuprada, o que defende o fuzilamento de bandidos, artistas e adversários políticos, está no caminho de se tornar um candidato “normal”. Seu problema, ao que parece, não é ter defendido todas essas coisas. O grande problema de Jair Messias Bolsonaro é ter defendido um Estado intervencionista. Mas, como ele agora frequenta os gurus do mercado e, finalmente, abjura esse erro criminoso de se opor ao credo econômico liberal, Bolsonaro pode ter abertas as portas que o transformarão em uma figura respeitável. Ele já começou a retificação: escreveu sua própria Carta ao povo brasileiro e prometeu que não aplicará nenhuma política econômica “heterodoxa”. Logo o veremos com um sorriso angelical abraçando crianças e idosos, conversando com empresários, mostrando sua face mais humana, um senhor sério e responsável, prestes a livrar o Brasil de todos os males.

Talvez Bolsonaro seja um radical, dizem, mas, no pior dos casos, seu radicalismo pode funcionar como vacina contra um radicalismo pior, o dessa grande ameaça que representa o retorno do infame lulopetismo. De acordo com essa mirabolante interpretação do momento político do Brasil, as eleições de 2018 poderiam trazer um confronto entre dois extremistas, Jair Messias Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva. Colocados nesse dilema, o apologista da tortura, do assassinato extrajudicial e da homofobia seria, garantem, o mal menor.

De Lula é possível dizer muitas coisas que comprometem sua solidez como candidato. Sem dúvida, sobre ele e seu partido recaem fortes suspeitas de corrupção. É muito plausível criticar seus governos e os de sua sucessora, Dilma Rousseff, pelos graves erros de política econômica. Inclusive é possível entender que desagrade o estilo populista de sua liderança e sua conivência com os piores aspectos do fisiologismo que caracterizam a política brasileira. Mas Lula nunca insultou os homossexuais, nunca lamentou que a ditadura não tivesse fuzilado o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, jamais ridicularizou os direitos humanos. Durante seu governo, como todos os dados demonstram de maneira avassaladora, os setores mais pobres da população conseguiram aumentar seu nível de renda, enquanto o patrimônio dos mais ricos não deixou de crescer. Lula pode ser acusado de muitas coisas. Menos de ser um extremista.

No delírio sectário que tomou o ambiente político brasileiro, tornou-se frequente classificar Lula e o PT de bolivarianos. Mas ninguém é capaz de citar um adversário político preso durante seus governos, um veículo de comunicação fechado, uma empresa expropriada arbitrariamente. Se Lula e Dilma fossem realmente bolivarianos, alguém acredita que teriam aceitado as regras do jogo e entregado o poder pacificamente depois do impeachment, por mais que tenham protestado chamando-o de golpe?

É legítimo que muitos considerem nefasto um retorno de Lula, como outros se oponham a que Geraldo Alckmin ou João Doria –para citar dois nomes que estão na boca de todos– cheguem a dirigir o país. Também é perfeitamente compreensível que quase todos os brasileiros rejeitem Michel Temer como presidente. Mas nenhum desses líderes políticos –ao menos que se saiba– exaltou as figuras mais nojentas da ditadura ou banalizou as violações. Entre as críticas enormes que –em uma medida muito diferente– podem ser feitas a eles ou até dos crimes de corrupção que alguns deles podem ter cometido, nenhum chegou ao extremo de ultrapassar os limites mais básicos da civilização democrática.

Jair Messias Bolsonaro é uma coisa muito diferente. Jair Messias Bolsonaro não é um candidato “normal”. Por mais que alguns gurus econômicos queiram nos fazer acreditar no contrário, Lula não representa o outro lado da moeda de Bolsonaro. E quem não quiser ver –com todo o direito– o veterano líder do PT presidindo o país deveria ser capaz de apresentar uma alternativa mais decente. A não ser que alguns senhores das finanças tenham chegado à conclusão de que o mercado está acima de tudo, inclusive dos princípios mais elementares da democracia.

Fonte: El País
Créditos: XOSÉ HERMIDA