Prata da Casa

Trabalho escrito por magistrado paraibano é citado por Rodrigo Janot como fundamento em ADI

 

O trabalho de autoria do juiz Fabrício Meira Macêdo (juiz auxiliar do 3º Juizado Auxiliar Criminal da 2ª Circunscrição), publicado na Revista Jurídica Luso Brasileira da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, sob o tema ‘Vaquejadas e o Dever de Proteção Ambiental’, foi citado na petição inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 5772, distribuída no dia 12/09/2017, que tem por relator o ministro Luís Roberto Barroso.

A referida ação objetiva a declaração de inconstitucionalidade da Emenda Constitucional n. 96/2017, que admite não serem consideradas cruéis práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam ‘manifestações culturais’; da Lei 13.364, de 29 de novembro de 2016, que eleva a prática de vaquejada à condição de patrimônio cultural imaterial; bem como da Lei 10.220, de 11 de abril de 2001, que considera atleta profissional o peão que atue em vaquejadas.

Rodrigo Janot cita, na inicial da ADI como fundamento, trecho do trabalho do juiz Fabrício Meira Macêdo, que, ao analisar as regras que reconhecem a cada dupla a possibilidade de até três desinserções de cauda durante a competição de vaquejadas realizadas em Campina Grande, Estado da Paraíba, concluiu que a mutilação de animais em decorrência da torção do órgão ocorre com frequência.

“Calcula que, ao fim de um evento de vaquejada, possam ser utilizados cerca de 3.600 bois, os quais sofrem tratamento cruel inadmissível. Além dos traumas físicos decorrentes da atividade, o confinamento prévio e a provocação dos animais para que corram nas pistas enquanto são perseguidos pelos vaqueiros geram neles estresse intenso, apenas em nome do prazer de alguns de assistir à competição e da ambição econômica de outros, que exploram a prática”, citação do trabalho do magistrado, na peça inicial do procurador-geral da República.

Outro trecho do trabalho do magistrado que é citado na ADI por Janot reforça as regras durante a competição: “Consoante referido por THOMAS SILVA, o regulamento do IV Potro do Futuro & Campeonato Nacional ABQM (Associação Brasileira de Criadores de Cavalo Quarto de Milha)- Vaquejada, realizado na cidade de Campina Grande, Estado da Paraíba, no Brasil, traria a previsão da possibilidade de até três desinserções de cauda. Na primeira quebra, a dupla de vaqueiros teria direito a um boi extra. Havendo a segunda quebra de cauda, a pontuação seria aferida, caindo o boi ou não, contudo a dupla de vaqueiros não teria direito a um boi extra. Por fim, havendo uma terceira quebra, a dupla competidora não teria direito a boi extra e a deixaria de pontuar, independente da queda ou não do animal.”

Ainda no trecho o magistrado arremata: “Assim, [é] inegável a frequência com que ocorre a mutilação do animal durante a realização da vaquejada e dentro das regras estabelecidas para o evento, não se podendo falar em crueldades eventuais a serem pontualmente combatidas. Considerando que cada evento envolve a participação aproximada de quatrocentas duplas de vaqueiros, sendo que cada uma delas persegue três bois por dia, em três dias de eventos, chega-se ao cálculo de que, em cada vaquejada, há a derrubada de aproximadamente três mil e seiscentos bois, que são confinados e estimulados, mediante espancamentos, choques, açoites para, em seguida, assustados, saírem em desabalada carreira, sendo emparelhados por vaqueiros a cavalo e puxados com toda a força pela cauda e, finalmente, desequilibrados, possam tombar, permanecendo com as quatro patas para o alto, por alguns instantes, para o deleite dos participantes.”

O Doutor em Recursos Naturais pela Universidade Federal de Campina Grande e autor de diversas obras na área do Direito Ambiental, Talden Farias, também faz referência  ao trabalho de Fabrício Meira. Ressalta que o magistrado analisa, com estilo e profundidade, o conflito entre o dever fundamental de proteger o meio ambiente e a prática cultural da vaquejada.

“Sua conclusão é pela absoluta desnecessidade de submeter os animais à tortura somente para garantir o deleite da plateia e os lucros dos empresários do entretenimento, e que a atividade é inconstitucional em face da afronta ao inciso VI do artigo 225 da Constituição Federal. O tema é muito pouco estudado no Direito Ambiental brasileiro, de forma que se trata de uma relevante contribuição”, destaca Talden Farias.

O mesmo trabalho já havia sido referido pelo procurador-geral da República na inicial da Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra Lei Estadual 900, de 6 abril de 2013, do Estado de Roraima.

De acordo com Fabrício Meira, que é Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa, a declaração de inconstitucionalidade, pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, da Lei 15.299/2013, do Estado do Ceará, que regulamenta a vaquejada como prática desportiva e cultural no Estado, no curso da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.° 4983, gerou forte reação dos setores conservadores da sociedade, que, pressionando o Parlamento, obtiveram a aprovação de alterações legislativas, inclusive uma emenda à Constituição Federal, com o objetivo anular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, o que gera retrocesso.

“É o que denomina a doutrina de ‘efeito backlast’. Por tal razão, foi ajuizada a nova ADI, visando declarar a inconstitucionalidade, inclusive, da Emenda à Constituição de n. 96/2017”, explicou o magistrado.

Para Fabrício Meira, cabe agora ao STF resgatar a autoridade da decisão proferida no curso da ADI 4983, declarando a inconstitucionalidade da vaquejada, o que possibilitará a reafirmação dos valores do ambiente e a sua consolidação como direito fundamental, cristalizado em cláusula pétrea da Constituição Federal.

A íntegra do trabalho pode ser acessada através do link: http://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/rjlb/2015/1/2015_01_0749_0792.pdf 

Créditos: Assessoria