Análise fria

Haddad teve empurrão de Lula, mas esbarrou em dilema do velho PT

Em seu primeiro discurso como candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad relatou a "dor" pela proibição da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva --figura à qual ele se associou fortemente durante o primeiro turno.

Crise de identidade

Em seu primeiro discurso como candidato do PT à Presidência da República, Fernando Haddad relatou a “dor” pela proibição da candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva –figura à qual ele se associou fortemente durante o primeiro turno.

A partir do segundo turno –após ter somado 29,28% dos votos válidos contra 46,03% de Jair Bolsonaro (PSL)–, a estratégia mudou. O advogado, ex-prefeito e ex-ministro deixou de visitar Lula semanalmente na prisão em Curitiba (PR) e o nome do ex-presidente saiu do logotipo da candidatura. Mas, mesmo com essa mudança e o apoio de outros partidos, o avanço do petista não foi tão expressivo quanto o desejado, como mostram as pesquisas.

O problema do PT é que se tornou uma máquina eleitoral. Não é mais um partido de massa, naquele sentido moderno de que, no período entre uma eleição e outra, continua sendo uma plataforma. Ele está totalmente focado em eleições. A máquina estava toda estruturada em cima do Lula e, quando ele é impedido de concorrer, a máquina desestrutura”, afirma o cientista político Rudá Ricci.

O partido segurou ao máximo a oficialização de Haddad, mantendo Lula como principal nome quando outros candidatos já estavam com as campanhas em pleno vapor. A estratégia pode ser questionável, mas o doutor em ciência política Malco Camargos considera o Partido dos Trabalhadores um grande vencedor das eleições, ao lado de Bolsonaro e do PSL. “O PT sobreviveu e manteve-se forte, ao contrário das outras siglas grandes, como o MDB e o PSDB“, compara ele, que é professor da PUC-Minas (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) e diretor do Instituto Ver Pesquisa e Comunicação Estratégica.

Porém, a estratégia que funcionou no primeiro turno, avalia Camargos, representa o principal impeditivo para a vitória da eleição: “O reforço da identidade petista, que garantiu a sobrevivência da sigla, é a mesma coisa que afasta a maioria dos outros eleitores do Haddad e os empurra para Bolsonaro. Não acho, porém, que, se Ciro Gomes fosse o candidato da esquerda, o resultado seria diferente. Ele seria muito vinculado ao PT e ao Lula, assim como acontece com o Haddad.”

O passo a passo da candidatura

Em janeiro deste ano, dias antes de Lula ser condenado no julgamento que o levou à prisão, Haddad disse ao UOL que seria “arrogante” responder se pensava em ser presidente um dia. “Nesse plano, eu acho que é um processo histórico de outra natureza. Que envolve ambições pessoais, mas está muito além de um desejo de vida”, declarou.

O “processo histórico” levou Haddad a ser anunciado como candidato do PT em 11 de setembro, na porta da sede da PF em Curitiba, onde Lula cumpre pena. Mas seu nome já era especulado para substituir Lula nas urnas quase um ano antes da troca.

Desde dezembro de 2017, quando o julgamento que levou Lula à prisão foi marcado, o ex-ministro dividiu com o senador eleito Jaques Wagner (PT-BA) o posto de “plano B” do PT para a candidatura presidencial. Haddad coordenou o programa de governo do PT e ganhou elogios públicos de Lula. Dias antes de ser preso, o ex-presidente disse que ele e Haddad formavam uma dupla como Messi e Suárez no Barcelona.

Nos meses seguintes, Haddad se tornou advogado de Lula, o que facilitava seu contato com o ex-presidente na prisão, e aderiu à Construindo um Novo Brasil, a corrente majoritária do PT, para tentar driblar resistências internas no partido.

Luiz Fernando Haddad Lula da Silva

No dia 15 de agosto, quando o PT registrou Lula como candidato a presidente e Haddad como vice, coube ao ex-ministro ler uma carta do ex-presidente para a militância reunida diante da sede do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), em Brasília.

Mesmo depois de o TSE vetar a candidatura de Lula com base na Lei da Ficha Limpa, Haddad se viu obrigado, por alguns dias, a ser candidato sem dizer que era.

Enquanto o PT ainda insistia com a candidatura de Lula, levando o caso ao STF, a realidade se impunha. No começo de setembro, a campanha petista mudava a letra do jingle para “Lula é Haddad” enquanto o ex-ministro dizia “prazer, Fernando” para operários em São Bernardo do Campo (SP), berço político do ex-presidente.

Já como candidato a presidente, em um dos primeiros atos públicos de campanha, virou “Luiz Fernando Haddad Lula da Silva” pela voz de um locutor no calçadão de Carapicuíba, na Grande São Paulo. Deu “boa noite” a Lula na bancada do “Jornal Nacional”, da TV Globo. Tomou um “banho de povo” em Vitória da Conquista, interior da Bahia, e até imitou Lula em Santa Catarina.

Com a oficialização de Haddad, Manuela D’Ávila (PCdoB) — que já havia desistido da própria candidatura presidencial para apoiar a dupla Lula-Haddad — tornou-se vice na chapa petista.

Segundo turno

A estratégia “Haddad é Lula” do primeiro turno fez o candidato ficar mais conhecido, mas também mais rejeitado. No dia em que Lula completou seis meses na cadeia, Haddad avançou ao segundo turno por um triz, driblando polêmicas.

No primeiro dia do segundo turno, Haddad ainda visitou Lula. No dia seguinte, o recado era de que o ex-presidente pediu para o candidato focalizar a campanha e não mais ir até a PF. Jaques Wagner foi incorporado à equipe e disse que era a hora de Haddad ser Haddad. O nome de Lula deixou o logotipo da candidatura, que passou a ser verde, amarelo e azul em oposição à cor vermelha anterior.

Na tentativa de ampliar as alianças para o segundo turno, a expectativa era de atrair até mesmo lideranças históricas do PSDB, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas nem Ciro Gomes (PDT), do mesmo campo político que o PT, deu um apoio público de imediato ao candidato petista.

Cobrança por autocrítica

Haddad começou a ser cobrado pela falta de autocrítica do PT em relação a crimes cometidos por integrantes do partido. O mais perto que chegou foi prometer a ampliação de controles das estatais para “evitar erros do passado”.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, disse que o partido não podia “pedir desculpas” por ter chegado ao segundo turno.

Horas depois, o senador eleito Cid Gomes (PDT-CE), irmão de Ciro, subiu ao palco de um ato de apoio a Haddad para dizer que o PT merecia perder a eleição por não admitir fazer um “mea-culpa”. “O Lula tá preso, babaca”, berrou para um militante petista.

“Nem todos vão atuar da maneira como eu gostaria”, disse Haddad no dia 17, depois de FHC rejeitar apoiá-lo. “A história, às vezes, cobra os nossos posicionamentos, nem sempre à vista, às vezes, a prazo.”

”PT governou para os pobres”

Reijiane Gomes da Silva, 26, estudante de psicologia em Feira de Santana (BA)

A minha trajetória pessoal me leva a votar em Fernando Haddad. Como ministro da Educação, ele deu prioridade a vários programas que beneficiaram as pessoas mais pobres. Ele deu mesmo oportunidades aos mais jovens. E acho que, se Bolsonaro vencer, nossa democracia entrará em risco.

Alguns anos atrás, eu tentei fazer um curso de engenharia, mas tive de abandonar por não conseguir pagar.

Estou na metade do curso de psicologia e consigo estudar graças ao Fies [Fundo de Financiamento Estudantil]. Além disso, minha mãe comprou uma casa por meio do programa Minha Casa, Minha Vida. Há seis anos, deixamos de pagar aluguel.

Essa mudança só aconteceu porque esses programas foram criados ou foram mantidos durante a gestão do PT. Mesmo agora, para conseguir emprego ficou muito mais difícil. Tiraram o PT, e a situação só piorou. Hoje é bem mais difícil conseguir emprego.

Lula tentou fazer uma conciliação entre o pobre e o rico. Nosso país sempre foi governado por aqueles com mais poder aquisitivo. Isso mudou depois que Lula se tornou presidente.

Para dar aos pobres, ele teve que ceder aos ricos e isso para mim explica, em parte, os casos de corrupção que aconteceram no governo dele. Mas a corrupção não foi um erro exclusivo do PT.

Adriano Machado/ReutersAdriano Machado/Reuters

O antipetismo e a onda conservadora

A rejeição dos eleitores ao PT ficou evidente nas eleições de 2016, quando Camargos lembra que “ninguém tinha coragem de defender o PT e o partido era culpado por tudo: crise e corrupção”. Na ocasião, continua, o resultado do antipetismo foi desastroso, varrendo a sigla de câmaras municipais e prefeituras.

O economista Armando Castelar, coordenador do setor de economia aplicada do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), afirma que o ambiente econômico ruim potencializa o clamor por mudanças. “Os políticos e partidos que têm sua imagem associada ao problema despertam horror em boa parte dos eleitores que estão sofrendo as consequências na pele. Associam todo o caos aos políticos que estão no governo nos últimos tempos”, afirmou.

Era esperado que o “tsunami” que atingiu o PT se repetisse em 2018, nos governos estaduais e no Congresso, mas isso acabou não se confirmando. “Tudo apontava, depois dos resultados de 2016, que o PT seria dizimado nas ruas neste ano. Mas vemos que, apesar de ter diminuído, tem a maior bancada da Câmara e uma das maiores no Senado, elegeu governadores em estados importantes já no primeiro turno e está disputando o segundo em vários outros, além de chegar ao segundo turno da eleição presidencial. Não deixa de ser um feito notável, apesar da desvantagem”, diz Camargos.

O que mudou nesses dois anos, explica Camargos, foi a pulverização entre os partidos da culpa pela crise e corrupção. Se considerada somente a Operação Lava Jato, suas muitas fases atingiram também outras siglas como PSDB, MDB, PSD, PP, DEM, PR, PRB e PCdoB. Como consequência, a falta de representatividade ficou maior entre os eleitores, que aderiram à onda conservadora –acompanhada da frase “O meu partido é o Brasil”, repetida por candidatos e eleitores que buscam se dissociar da política tradicional.

Novidade, prisão, facada

Insatisfeitos com a política, os eleitores buscavam uma alternativa que pudesse representar algo novo, um novo sistema. Antes da campanha, cogitou-se a candidatura do apresentador Luciano Huck, da Globo, e de Joaquim Barbosa, ex-ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) –ambos negaram que concorreriam à Presidência. Sem nenhum desses nomes fortes e de fora do sistema no pleito, coube a Bolsonaro o papel de alguém que poderia representar a novidade política no país.

Enquanto isso, o PT reforçava a imagem de Lula como um preso injustiçado e também um mito. Duas frases de seu discurso em abril, antes de se entregar à Polícia Federal, mostram bem isso: “Eu não os perdoo [Polícia Federal, Ministério Público e o juiz Sergio Moro] por ter passado para a sociedade a ideia de que eu sou um ladrão” e “Eu não pararei porque eu não sou mais um ser humano. Eu sou uma ideia”.

Quando a candidatura de Haddad foi definida, com sua imagem ligada à do ex-presidente Lula, o ex-prefeito subiu nas pesquisas. Mas logo houve a facada em Jair Bolsonaro, que mudou tudo, de acordo com o cientista político Ricci.

Do ponto de vista subjetivo, o sofrimento do Lula ficou menor do que a possibilidade da morte de Jair Bolsonaro. E a imagem do Lula foi diluindo, porque ele não conseguiu mais criar fato político. Afinal, ele está preso, foi impedido de dar entrevista, de fazer política”, avalia.

”Entre um ditador e um educador, opto pelo educador”

Márcio*, 44, professor e artista plástico em São Paulo

No primeiro turno, votei em Marina Silva [Rede]. Estou incluído nesse movimento todo de antipetismo que se instaurou no país. Eles destruíram a confiança que muitos de nós, brasileiros, depositamos na política, sobretudo na figura do Lula. Eles não passam a menor credibilidade.

Por um momento, pensei em votar em branco ou anular. No entanto, não posso aceitar uma pessoa racista, misógina e homofóbica na Presidência do meu país. Esse misto de patético e ignorante sempre me fez pensar que eu jamais daria meu voto a um ser como esse.

Vou votar no Haddad por aversão absoluta ao discurso de Bolsonaro. Tenho, sim, inúmeras críticas ao PT, mas discurso de ódio eles nunca tiveram. Assim, ficam com meu voto dessa vez. É um voto a mais contra o ódio.

Atribuo ao antipetismo a popularidade do Bolsonaro: mesmo triste e pateticamente, ele fala o que pensa, não é um mero marionete de marketing. As pessoas estão buscando falas honestas. Pena que a falta de educação básica de qualidade em nosso país não permita que saibam interpretar textos e contextos, vendo que essa fala honesta é contra elas mesmas. Assim, são alvo fácil para ditadores bolsonaristas e também demagogos petistas. 

Bolsonaro faz afirmações de ódio aos homossexuais, sem contar as falas misóginas, racistas etc, que me embrulham o estômago. Imagina isso na Presidência de um país? Entre um militar ditador e um educador, sem dúvidas, opto pelo educador.

Ao votar no PT, espero que as políticas voltadas à educação sejam valorizadas e implementadas. A educação de qualidade é a base de uma nação, a partir dela, todo o restante se estrutura com qualidade. E também aposto na preservação das instituições democráticas com seus três poderes independentes. Nesses anos de governo petista, isso não foi muito afetado, então, nesse aspecto, também dou um voto de confiança.

(*O nome foi alterado a pedido do professor.)

As idas e vidas de Haddad (e do PT) rumo ao 2º turno

 

Campanha petista sobe o tom

Na avaliação de Rudá Ricci, o candidato petista é um “uspiano clássico, classe média intelectualizada, que fala difícil, tem uma visão republicana. Ou seja: ele não é talhado para esse jogo político, que é guerra. Esse perfil não fala aos grotões“. Essas características marcaram o tom no primeiro turno, mas a história mudou quando a disputa presidencial se restringiu a dois candidatos.

Haddad subiu o tom, chamando Bolsonaro de “soldadinho de araque”, de “miliciano” e “aberração, que só fala em violência, ofende os nordestinos, as mulheres, os negros. […] É uma figura doentia que só tem ódio no coração”.

Sem nunca terem se enfrentado em um debate na TV –Haddad só virou candidato oficial após Bolsonaro tomar a facada–, o confronto direto entre os dois se deu pelo Twitter. Após um post de Bolsonaro, sobre a corrupção no governo do PT, o petista respondeu: “Tuitar e fazer live é fácil, deputado. Vamos debater frente a frente, com educação, em uma enfermaria se precisar. O povo quer ver você aparecer na entrevista de emprego”.

Associação com tortura e nazismo

Também no segundo turno, a campanha petista passou a associar diretamente, em seu programa eleitoral na TV, o adversário à tortura e à ditadura militar. Com imagens do filme “Batismo de Sangue”, que reproduz práticas de tortura utilizadas no Brasil, um locutor afirma que o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, “maior ídolo de Bolsonaro”, foi o “torturador mais sanguinário do Brasil”.

O material também trazia um depoimento de Amelinha Teles, militante que foi presa e torturada nas dependências do DOI-Codi (Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna), órgão de repressão da ditadura militar. Ao final, o locutor pontua que Bolsonaro “nunca escondeu que é contra a democracia e defendeu a morte até de inocentes”. Quatro dias após a primeira veiculação, o TSE vetou o programa em caráter liminar, alegando que o conteúdo causa medo à população, violando a lei eleitoral.

Na campanha, o PT passou a reforçar que o discurso de ódio do pesselista estimula a violência nas eleições. A senadora Gleisi Hoffmann comparou a fala de Bolsonaro ao discurso do nazista alemão Adolf Hitler. Ela se referia a um discurso do candidato por videoconferência, a seus apoiadores em uma manifestação na avenida Paulista (SP), em que ele disse “Vamos varrer esses bandidos vermelhos do Brasil” e prometeu “uma limpeza nunca vista na história desse Brasil”.

Costumes e fake news

O economista Armando Castelar considera que se falou menos sobre economia nesta eleição do que nas passadas. “A discussão está mais centrada em segurança pública e nos costumes. A economia está em um ponto cego das campanhas eleitorais neste ano. Não se sabe muito bem o que vai acontecer. As propostas que apareceram dos dois lados são mais no sentido de piorar do que de melhorar as contas”, afirmou.

Os costumes, de fato, apareceram como protagonistas do embate. Inclusive em se tratando das fake news. Entre as notícias fraudulentas que tiveram o PT e seu candidato como alvo, estavam acusações de que distribuíram o “kit gay” nas escolas, que Haddad defende o incesto e a legalização da pedofilia, que Manuela D’Ávila falou sobre o fim do cristianismo e usou uma camiseta com a frase “Jesus é travesti” e que o PT distribuiu “mamadeiras eróticas” em creches.

Ainda sobre fake news, reportagem da Folha de S.Paulo apontou que empresas financiaram uma campanha contra o PT pelo WhatsApp. A prática é ilegal, pois se trata de doação de campanha por empresas, vedada pela legislação eleitoral, e não declarada. Os contratos, que chegariam a R$ 12 milhões cada, eram para disparos de centenas de milhões de mensagens. A campanha de Fernando Haddad entrou com pedido de impugnação da chapa adversária no TSE, que ainda não foi julgado.

“Voto no PT desde sua fundação”

Silvio Alpendre, 58, bancário aposentado em São Paulo

Quando o PT surgiu, eu ainda era estudante, estávamos na mudança do regime militar para o democrático, e simpatizei com o partido por causa de suas propostas. Principalmente as de cunho social. Depois fui trabalhar como bancário e tinha contato com o pessoal do sindicato, vendo como principal legado do partido as conquistas sociais.

Voto no PT desde sua fundação. A exceção foi no primeiro turno, quando votei em Ciro para reduzir as chances de Bolsonaro no segundo turno. Por causa da Lava Jato, a rejeição ao PT estava alta e fiz esse voto estratégico no Ciro. 

Em toda a história do partido, não me lembro de os candidatos fazerem discursos agressivos contra minorias nem contra instituições. Nem Lula nem ninguém da liderança ganhou notoriedade dizendo que metralharia representantes de partidos de direita ou centro-direita. Suas conquistas e posturas foram feitas dentro do jogo que se jogava, o jogo democrático.

Tive decepções com o PT, como o mensalão e a Lava Jato, mas não estou contrariado em votar em Haddad. O partido se enrolou, fez coisa errada, mas nunca foi contra as instituições. Quando tentaram mudar algo previsto na Constituição para se manter no poder? As instituições estão firmes, batendo em quem tem de apanhar e dando respostas de acordo com o estado de direito. 

Ao votar no Haddad, espero que ele consiga manter os direitos civis adquiridos, principalmente os das minorias. E que, depois da Lava Jato, ele se cerque de pessoas com capacidade de gestão.

DivulgaçãoDivulgação

Sombra de Lula e frente democrática

Na avaliação de Josias de Souza, blogueiro do UOL, o fato de o PT ter conseguido reeleger Lula e também Dilma Rousseff, a despeito da Lava Jato, fez o partido acreditar em sua própria invulnerabilidade.

Em 2018, um pedaço do eleitorado resolveu informar ao petismo que cansou de fazer papel de bobo. E o PT se deu conta de que o seu descaso criou a maior força política da temporada: o antipetismo.

No primeiro turno, continua Josias, tudo o que Haddad precisou fazer foi usar a máscara de Lula. Com isso, beneficiou-se da transferência de eleitores. “No segundo turno, para abrandar a rejeição ao PT e a Lula, Haddad precisaria ser Haddad. E o PT não permitiu. […] Ao transformar sua pseudocandidatura num cavalo de batalha, Lula obrigou o PT a segui-lo numa procissão que levou até a cadeia, não à urna”, afirma.

O cientista político Carlos Melo lembra que, em vários momentos, Haddad foi desautorizado pela própria direção do partido. “A Gleisi Hoffmann disse que o Haddad passaria por um estágio probatório. O sujeito é candidato à Presidência da República. Estágio probatório onde? No PT?”, questiona.

O PT levou a candidatura de Lula até onde pôde, muitas vezes afrontando a lógica, como define o blogueiro Leonardo Sakamoto, para que a população olhasse o ex-presidente e depois transferisse seus votos a Haddad.

Não contaram com o fato de que, a partir do momento em que Fernando Haddad ficasse mais conhecido e Jair Bolsonaro colasse nele os problemas do PT, a rejeição aumentaria muito”, afirma Sakamoto.

“O resultado é que Bolsonaro correu em raia livre, quase ganhou no primeiro turno”, complementa Melo.

“Faltou água, sabão e meio quilo de mea-culpa”

Em 2016, após perder a eleição para a Prefeitura de São Paulo no primeiro turno, Haddad decidiu que era preciso formar uma frente democrática para se contrapor à onda conservadora no país. A oportunidade surgiu na disputa com Bolsonaro, mas, a poucos dias do segundo turno, o candidato petista tinha apenas apoio de políticos menores, sem contar com nomes pesados da política.

Para Sakamoto, setores do PT se deram por satisfeitos com o resultado do primeiro turno e não se engajaram fortemente na campanha. “No segundo turno, isso significaria uma abertura para outros partidos, para outras lideranças, abertura da hegemonia. O PT preferiu resguardar o potencial de ser a liderança da oposição durante um governo Jair Bolsonaro do que jogar todas as fichas na mesa para garantir que Fernando Haddad vencesse, que era um tiro mais incerto.”

Melo vai na mesma linha: “Não basta procurar alguém para receber apoio, você tem que negociar esse apoio. Fazer concessões. Tem que negociar. Essa é a lógica do segundo turno”. O maior erro da campanha, segundo o cientista político, foi acreditar que no Brasil toda esquerda é petista, porque não é.

Eles poderiam aplicar para a esquerda não petista e chegar até um centro-esquerda, quase num centro. Para isso era preciso haver uma revisão das práticas, sobretudo do plano econômico que se deu a partir de Dilma Rousseff.

A história da eleição poderia ter sido outra, na opinião de Josias de Souza, se o PT tivesse apostado em um plano C: Ciro Gomes. “Com seu prestígio, Lula colocou Haddad no segundo turno. Com sua rejeição, Lula corre o risco de passar para a história como o grande cabo eleitoral da direita. […] A ideia de formar uma frente democrática anti-Bolsonaro pareceu como mais uma esperteza do PT. Uma tentativa do partido de enxaguar sua roupa suja. Ficou entendido que o PT quis salvar não a democracia, mas a si próprio. Faltou à proposta da frente pró-democracia do PT água, sabão e meio quilo de mea-culpa”, conclui.

Fonte: Uol
Créditos: Uol