não custa repetir

'Ele, não' não diz respeito a um candidato - Por Maria Ribeiro

Campanha é contra gente que chama trabalhador de 'queridão', que desiste do amor, que não ouviu Racionais

Não, eu não vou falar de política. Juro. Que pra isso tem gente muito mais qualificada aqui. Dos dois lados, inclusive. A única coisa que eu vou pedir pra minha editora é pra ela colocar “Ele, não” lá em cima do texto. Como título. Só pra constar… Porque, né?, não custa repetir. Mantra budista. Mesmo que eu não vá desenvolver o tema. Mesmo que na verdade eu esteja falando de um simples rapaz. Não, não foi isso que eu quis dizer. Ninguém é simples. Todo mundo é complexo. Mas tem umas complexidades que a gente prefere fazer maratona de série, ou encarar uns russos. E eu tô num lance seríssimo aqui com o Fiódor. Dostoiévski. E depois vou passar uns dias com o Gogol. Que meu mestre Jorge Mautner mandou.

O boy. Bom, a gente já se conhecia há algum tempo. Algum, não, muito. A gente se conhecia do colégio. E eu tava jantando com meu filho mais velho num japa da Gávea. Aí, o rapaz, que eu não via há uns 20 anos, entrou no restaurante, puxou uma cadeira — o que já configura uma quebra da regra número um do “Estatuto de encontros casuais em restaurantes”, que é “nunca sente na mesa de uma dupla de mãe e filho — ou qualquer outra dupla — a não ser que você faça parte da primeira divisão de afetos dos comensais”. Por primeira divisão, entenda-se: minha mãe, meu outro filho e a Priscila Tossan — que eu só conheço de um dia em que a gente se esbarrou no metrô, mas que atualmente é a coisa mais emocionante da televisão, de modo que na minha existência 2018 ela tá com aquele crachá ultra vip mega plus de trânsito livre, leve e solto.

Pronto, já não sei do que eu tava falando. Começo um assunto especifico: Escolhas, E maiúsculo, Ele, Não, qualquer coisa menos Ele, e quando me dou conta tô lá no The Voice. Sim, eu sei. Tenho dificuldade de fechar os parênteses. Sou prolixa. Dispersa. Adepta de associações aleatórias altamente exóticas e particulares. O sol em Escorpião com um candidato, a lua em Libra com outro, e o ascendente, que agora eu esqueci qual é, com um terceiro, com menos chance. Esquece a última frase. Que eu não vou falar de política.

Que eu vou falar de amor. Eu sou uma mina apaixonada. Sei que isso não tem a menor relevância num ano tão decisivo pra nossa democracia, mas é que ando meio hippie, sabe? Achando que ter coragem de gostar é tão revolucionário quanto ser brasileira de forma incondicional, quanto me posicionar politicamente, quanto conversar com meu menino de oito anos sobre paciência, desigualdade e empatia.

Principalmente empatia. O meu amigo da escola que se sentou na mesa, onde eu — branca, privilegiada e com dinheiro pra jantar fora — me alimentava com o meu filho grande, chamou o garçom de “queridão”, e aquilo foi imenso. “Queridão, me vê uma Coca Zero com gelo e sem limão?” Sem o por favor, palavrinha magica que é só sucesso desde 1654 (inventei a data, tá, historiadores?). Foram dez minutos infinitos.

O “Ele, não” não diz respeito a um candidato, apenas. O “Ele, não” é contra gente que chama trabalhador de “queridão”, contra gente que desiste do amor da vida, contra gente que se fecha em condomínios e também em si e em seus iguais, contra gente que nunca ouviu Racionais, João Gilberto e Priscila Tossan.

Mas ó: ainda dá tempo.

Fonte: O Globo
Créditos: Maria Ribeiro