dificuldades

Programa para empregar morador de rua em SP perde ritmo e vive impasse

A principal dificuldade é orçamentária, já que atualmente o programa é sustentado por doações privadas e não existe um vínculo formal com a administração municipal, apenas um termo de colaboração. 

José Renato de Oliveira, 40, que trabalha há mais de um ano como repositor de verduras em um hipermercado da zona leste de São Paulo

Em ritmo lento e alvo de reclamações um ano depois de seu lançamento, o programa da Prefeitura de São Paulo para empregar moradores de rua com ajuda da iniciativa privada enfrenta obstáculos para se transformar em uma política pública.

A principal dificuldade é orçamentária, já que atualmente o programa é sustentado por doações privadas e não existe um vínculo formal com a administração municipal, apenas um termo de colaboração.

Essa informalidade tem comprometido, por exemplo, o acompanhamento dos moradores de rua que foram dispensados ou que pediram demissão após terem preenchido uma vaga por meio do programa, o Trabalho Novo, criado pelo então prefeito João Doria (PSDB).

Como a ação é, na prática, uma doação, a gestão Bruno Covas (PSDB) tem dificuldades de implementar indicadores de monitoramento dos atendidos. A doação, no caso, é feita pela ONG mineira Rede Cidadã, que montou um escritório em São Paulo para organizar os cursos de qualificação socioemocional nos abrigos e fazer a ponte entre os sem-teto e os empregadores.

Para reverter essa situação, a prefeitura estuda lançar um edital para contratar a empresa que irá ter o mesmo papel da Rede Cidadã no projeto. A nova contratação esbarra hoje na falta de verba. A ideia é que futuras doações tenham espaço na coordenação do projeto, mas não de forma tão determinante como atualmente.

Questionado sobre a situação atual do programa, o secretário de Assistência Social, Filipe Sabará, falou de seu caráter experimental. “A prefeitura não poderia testar [um projeto piloto] com dinheiro público, por isso foi feita a colaboração com a iniciativa privada.”

O secretário diz que o índice de retenção do projeto (78% dos empregados permanecem nas vagas) é um chamariz para empresas de qualificação profissional se interessarem pelo edital. “Menos funcionários sendo demitidos é bom para as empresas.”

Entre eles, está José Renato de Oliveira, 40, que trabalha há mais de um ano como repositor de verduras em um hipermercado na Vila Prudente, na zona leste de São Paulo. “Acabei de voltar das primeiras férias, fui visitar minha família em Mato Grosso”, diz ele, que vivia há dois anos na calçada do Parque Dom Pedro, na região central, antes de participar do programa.

Apesar de ter qualificado cerca de 5.000 moradores de rua em pouco mais de um ano, a Rede Cidadã não deve concorrer ao edital. O diretor Fernando Alves calcula que a implementação do Trabalho Novo tenha custado R$ 250 por participante. Como não recebe verba da prefeitura por se tratar de uma doação, a ONG atraiu grandes empresas patrocinadoras. “Foi o que segurou o projeto.”

A longa fila de espera por uma vaga faz do programa alvo constante de reclamação dos sem-teto que participaram dos cursos de requalificação emocional, que inclui exercícios de respiração, dança e estímulos à autoestima.

José Aparecido da Silva, 48, o Zezinho, é um dos moradores de rua mais conhecidos da praça da Sé, no centro de São Paulo, onde vive há quase 20 anos. No ano passado, cogitou trocar uma vida inteira nas calçadas pela rotina em um abrigo, incentivado pela promessa da gestão de conseguir um emprego.

Sem trabalho há três anos, ele viu no projeto Trabalho Novo uma chance de recomeçar, mas já desistiu. “Fiz o curso há mais de um ano e até agora nada”, diz ele, que continua na rua.

Ao anunciar o Trabalho Novo, a prefeitura se viu diante de uma onda de desempregados de outras cidades e estados que migraram para São Paulo e se submeteram a virar sem-teto para participar do projeto e concorrer a uma vaga de trabalho.

Apesar de exaltar os 2.503 moradores de rua empregados em pouco mais de um ano, sendo nove deles na semana passada, o secretário de Assistência Social atribui à crise econômica a dificuldade de atingir a meta da gestão de empregar 20 mil em um ano. “O mercado [de trabalho] está indo mal, mas para mim, o programa está indo bem”, diz Sabará.

De acordo com Fernando Alves, diretor da Rede Cidadã, ONG que coordena o projeto, o atual ritmo de 40 contratações por mês está bem abaixo da média de 100 a 160 carteiras assinadas que o programa chegou a viabilizar por mês logo após o lançamento. Mais da metade das contratações foram feitas nos primeiros meses. Em setembro, 28 pessoas foram contratadas.

O setor de limpeza foi um dos que mais empregaram via Trabalho Novo.”No começo, muitas empresas abraçaram a causa, mas se depararam com a dificuldade de integrar os moradores de rua com os demais funcionários”, diz  Moacyr Pereira, presidente do Siemaco, sindicato do setor.

Empresa terceirizada que presta serviço de limpeza no Hospital das Clínicas foi uma das que mais contrataram por meio do programa, mas teve que demitir uma parte por causa da resistência dos demais contratados.

Até o fim deste ano, a Rede Cidadã tem a previsão de encaminhar cerca de 120 pessoas a novas vagas. “No começo, o Doria chamava as empresas, fazia diferença.” A crise econômica e a greve dos caminhoneiros no meio do ano foram as causas apontadas por ele para explicar a diminuição das vagas.

Em outubro, a Rede Cidadã foi indicada pela prefeitura para ser contemplada em um convênio oferecido pela Fundação Banco do Brasil a entidades que atuam em projetos de empregabilidade. Do total de R$ 4,5 milhões do convênio, a Rede Cidadã ficou com repasse de R$ 1,1 milhão.
Os convênios são assinados pela fundação com entidades diversas em todo país. Em São Paulo, coube à prefeitura indicar uma série de programas para serem escolhidos por uma comissão da estatal.

Além do Trabalho Novo, outros quatro projetos foram escolhidos pela fundação a partir de indicações da prefeitura, entre eles, o que capacita sem-teto a trabalhar em hortas comunitárias. O programa municipal Horta Social Urbana é realizado pela entidade social Arcah (Associação de Resgate à Cidadania por Amor à Humanidade), fundada por Sabará.

Apesar de ter a atuação social estritamente ligada à história da ONG, Sabará nega que a indicação do projeto ao convênio da Fundação Banco do Brasil configure conflito de interesse. “Seria antiético da minha parte não indicar uma ONG que eu conheço porque um dia eu já fiz parte dela. É como, de certa forma, eu desmoralizar a minha família.”

O secretário também se mostra favorável à busca de patrocínios por parte de entidades sociais que doaram serviços à prefeitura. “Se a entidade estiver captando [patrocínio] não é problema meu, contanto que não haja [envolvimento de] dinheiro público.”

O CAMINHO DO TRABALHO NOVO

Como funciona o programa de Doria para empregar moradores de rua

ABORDAGEM NA RUA

Sem-teto é abordado por agentes da prefeitura e, caso queira, é levado a um albergue

REGISTRO NO PROGRAMA

Ele é cadastrado no Trabalho Novo –para isso, é preciso estar acolhido em regime de 16 ou 24 horas

TREINAMENTO NO ALBERGUE

Faz um curso de uma semana; em caso de vício ou distúrbios, há acompanhamento assistencial antes

FILA DO EMPREGO

Entra na lista de espera por vagas, criadas por meio de convênios entre prefeitura e empresas

TRABALHO

Passa por período de experiência de 3 meses, até ser contratado com registro em carteira

ACOMPANHAMENTO

Caso tenha dificuldades para se adaptar, é acompanhado por assistentes sociais nos albergues

Fonte: UOL
Créditos: UOL