Um político chamado Pagotto

POR RUBENS NÓBREGA

dom aldo

Enciclopedistas em geral e dicionaristas em particular devem concordar que em sentido amplo política significa a prática de um indivíduo influir no coletivo. Seja exercendo cargo eletivo, seja tentando convencer outros a seguirem por esse ou aquele caminho, a acreditar nessa ou naquela ideia, nesse ou naquele valor. Nesse último perfil deve se enquadrar Dom Algo Pagotto, arcebispo católico em João Pessoa, que tem todo o direito de fazer política, como o faz, fora de ambiente ou orientação partidária.

Ele faz política, por exemplo, quando manifesta publicamente sua solidariedade a um agente político (como o fez em 2005 ao então secretário estadual de Planejamento Cícero Lucena, na época preso pela Operação Confraria da Polícia Federal, ou como o fez em 2008, ao defender com fervor de beato o então governador Cássio Cunha Lima, na época prestes a ter o mandato cassado em definitivo pela Justiça Eleitoral). Faz política também quando apoia religiosamente um governo, como o fez ano passado (em artigo publicado no Correio da Paraíba de 6 de janeiro de 2013) derramando-se em elogios ao governador ao mesmo em que o defendia de ‘ataques diuturnos’.
Por esse percurso recente, pode-se inferir que Dom Aldo tem muito apreço a quem está no poder, no governo, no comando. E adora uma polêmica. Principalmente quando vem a seus leitores ou fieis criticar padres que fazem política ou condenar políticas sociais de governo em benefício de pessoas pobres. Por essas e outras, a autoridade maior da Igreja de Roma na Paraíba enfrenta opiniões e críticas em contrário tão ou mais contundentes do que aquelas que externa em suas prédicas ou escritos. Opiniões e críticas como essa exemplarmente bem escrita que reproduzo adiante.

 

DE QUEM É

O artigo a seguir é de autoria de David Soares de Souza, Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que se contrapõe à condenação sumária e explícita de Dom Aldo à Política Nacional de Participação Social, criada pelo Decreto 8.243 da Presidência da República.
Absurdo é participação social?

O Arcebispo da Paraíba, Dom Aldo Pagotto, que de maneira tão enfática costuma condenar a participação de padres na política, demonstrou mais uma vez, seu engajamento no artigo “Decreto Absurdo” publicado neste dia 26 de julho, no Jornal da Paraíba, opondo-se radicalmente ao decreto 8.243 da Presidência da República, que institui a Política Nacional de Participação Social. Em uma arquidiocese por onde já passaram Dom José Maria Pires e Dom Marcelo Carvalheira, com forte tradição das pastorais sociais, na defesa dos direitos humanos e luta por justiça social, certamente constrangimentos devem ser causados por um “pastor que divide seu rebanho”. Mas, não é este o aspecto que importa. Ao se engajar tão comprometidamente na falível esfera secular, Dom Aldo toma partido, o que é absolutamente legítimo, mas o faz manipulando informações e até mesmo desinformando o leitor. Senão, vejamos.
Primeiro, diz o arcebispo que o Sistema Nacional de Participação Social implantaria “conselhos populares formados por integrantes de movimentos sociais, vinculando poderes de decisões diretas e indiretas na gestão de governo” e que “a gestão de políticas públicas seguiriam as decisões dos representantes destes movimentos”. Na verdade, o Sistema Nacional de Participação Social não cria nenhuma nova instância, mas regulamenta e organiza as que já existem, a exemplo dos conselhos de saúde, educação, cultura e assistência social no que se refere à relação do governo federal com a sociedade civil. Também não é verdade que serão os representantes dos movimentos sociais que deliberarão sobre a gestão de políticas públicas, mas, como diz o art. 3º do decreto, há “o reconhecimento da participação social como direito do cidadão e expressão de sua autonomia”. A questão é política! O decreto presidencial dialoga com uma percepção cada vez mais consolidada na democracia brasileira de que a participação social não pode se resumir ao voto.
O decreto presidencial está devidamente embasado no art. 1º da Constituição, que diz que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, bem como no art. 84 que regulamenta as atribuições do Poder Executivo Federal. Por isto, Dom Aldo não está correto quando diz que o “Legislativo estaria à (sic) reboque das decisões desses representantes”. Na verdade, o decreto, como explicitado em seu art. 4º, “busca consolidar a participação social como método de governo”. É uma questão interna corporis, de acordo com a autonomia e soberania do Executivo. Nenhuma, absolutamente nenhuma, prerrogativa do Legislativo é ameaçada, entre elas a de fiscalização das ações do Poder Executivo.
Como é de praxe na direita brasileira, em dado momento o senhor arcebispo, para embasar a suas opiniões sobre o governo brasileiro, ataca a Venezuela ao dizer que iria se instalar no Brasil “uma ditadura do proletariado, a gosto do que Chávez fez na Venezuela”. Ora, goste-se ou não do governo venezuelano, não é intelectualmente honesto dizer que trata-se de uma ditadura. Caso Dom Aldo não saiba, a Venezuela é uma República Federativa, com 23 estados e a oposição governa alguns deles, a exemplo de Miranda, de onde vem Henrique Caprilles, forte opositor aos governos Chávez/Maduro. Então, que ditadura é esta? Aliás, a oposição venezuelana já derrotou o governo Cháves, reivindicando e usando, em 2 de dezembro de 2007, o mecanismo do referendo, presente na Constituição daquele país. Então, que ditadura é esta?
Mas, a cereja no bolo está por vir. Dom Aldo conclui seu artigo assumindo de vez a condição de líder político de oposição ao atual governo dizendo que “o partido que está no poder visa o (sic) aparelhamento do Estado” e como uma boa liderança aponta as diretrizes do que deve ser feito conclamando que “cabe ao STF, ademais de vozes do Congresso reagir, declarando a evidente inconstitucionalidade de tal decreto”. A visão elitista de Dom Aldo resume a democracia a um conjunto de procedimentos na qual o povo não deve participar e qualquer participação popular é logo identificada como ditadura, que deve ser combatida e derrubada. Não é uma postura nova na direita brasileira. Argumentos parecidos com esses foram apresentados pela parte do clero que apoiou o golpe de 1964.