Ciência

Após 120 anos sem registros, grilo que vive com formigas é documentado por equipe da UFPB em João Pessoa

O último registro da espécie no país havia sido feito em 1905. A nova ocorrência, publicada na revista Zootaxa, foi liderada por cientistas da federal paraibana

Foto: Reprodução/Alessandre Pereira-Colavite
Foto: Reprodução/Alessandre Pereira-Colavite

Paraíba - Um pequeno grilo que vive dentro de formigueiros e que não era registrado no Brasil há mais de 120 anos voltou a aparecer. Trata-se do Myrmecophilus americanus, conhecido como “grilo-mirmecófilo” — uma espécie que convive com formigas do tipo Paratrechina longicornis, popularmente chamadas de formiguinha-preta.

O registro foi feito por uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba (UFPB): Alessandre Pereira-Colavite, Igor Nascimento de Souza, Aline Lourenço e Antonio José Creão-Duarte. A descoberta foi publicada em março de 2025 na revista científica internacional Zootaxa e encerrou um hiato de 120 anos sem registros oficiais da espécie no território nacional.

O primeiro e único registro no Brasil havia sido feito em 1905 pelo naturalista Erich Wasmann, com exemplares coletados em Belém (PA). Desde então, o inseto permaneceu fora do radar da ciência — não por ser raro em si, mas por quase nunca ser documentado.

“O grilo é comum, mas os registros dele são raros. Isso é porque o pessoal não dá muito valor às observações da natureza. Acho que esse é o principal foco de mostrar isso. Que o pessoal precisa valorizar mais os jardins e quintais de suas casas. Então, esse grilo é o maior exemplo. Porque o registro dele é tão raro — não o bicho em si —, mas o registro é tão raro que ele só foi registrado e identificado uma vez por um naturalista no início do século XX”, explica Igor Nascimento de Souza.

Convivência inusitada no subsolo

Diferente dos grilos mais conhecidos, o M. americanus não canta nem vive livremente pela natureza. Ele evoluiu para viver escondido nos formigueiros, onde se beneficia da proteção, do alimento e da temperatura estável oferecida pelas colônias. Para evitar ser atacado, o grilo desenvolveu um sofisticado mimetismo químico, tátil e comportamental, que o faz passar despercebido entre as formigas.

Os novos registros foram feitos em áreas urbanas densamente povoadas da capital paraibana. Os pesquisadores observaram os grilos acompanhando as trilhas de feromônio deixadas pelas formigas, em constante movimento. Em uma das observações, quatro grilos permaneceram imóveis no rastro das formigas por cerca de cinco segundos — comportamento considerado típico da espécie.

Além dos exemplares coletados em João Pessoa, os cientistas também identificaram registros recentes da espécie e de outros grilos semelhantes por meio da plataforma iNaturalist — uma rede global de ciência cidadã que permite a qualquer pessoa registrar e compartilhar observações da fauna e flora locais.

As imagens e localizações enviadas por usuários sugerem ocorrências em estados como Espírito Santo, São Paulo e Rio de Janeiro. Embora nem todos os registros tenham sido confirmados como M. americanus, eles revelam que os grilos mirmecófilos podem estar mais distribuídos do que se imaginava.

Mais ciência, menos extinção

De acordo com os autores, a escassez de registros pode estar ligada à falta de atenção dedicada por pessoas às colônias de formigas hospedeiras — especialmente da espécie Paratrechina longicornis — e também a outros insetos que são relativamente comuns nos jardins e quintais brasileiros.

“Acho que isso tem a ver com a falta de atenção das pessoas para colônias da formiga Paratrechina e outros insetos que são relativamente comuns em nossos jardins e quintais”, completa Igor.

Em contrapartida, plataformas de ciência participativa como o iNaturalist têm se mostrado fundamentais para revelar a presença de espécies discretas, raramente observadas ou tidas como extintas.

A redescoberta motivou também a atualização da chave taxonômica brasileira para o grupo dos ortópteros (grilos e gafanhotos), que agora inclui novamente a família Myrmecophilidae.

“A ciência cidadã tem um papel fundamental em ampliar o nosso conhecimento sobre a biodiversidade urbana e espécies discretas como essa”, destacam os autores Alessandre Pereira-Colavite, Igor Nascimento de Souza, Aline Lourenço e Antonio José Creão-Duarte.

Confira o artigo da pesquisa: