Querem silenciá-las

VÍTIMAS DA IMPUNIDADE: quatro deputadas do RJ, 'herdeiras' do legado de Marielle Franco, já sofreram ameaças

"Se uma parlamentar em pleno exercício foi executada e até hoje não tem resposta, seus executores ou aqueles que acreditam na política do ódio têm toda autoridade para seguir atuando", diz uma das vítimas

O Rio de Janeiro elegeu em 2018, poucos meses após o brutal assassinato de Marielle Franco, quatro deputadas negras do PSOL, mesmo partido da vereadora, dispostas a defender o legado da parlamentar assassinada. Mil dias após o crime, e sem a conclusão das investigações sobre um provável mandante, todas as quatro já registraram ocorrências de ameaça na polícia.

O caso mais recente aconteceu na segunda-feira (21). A deputada estadual Renata Souza foi à Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI) depois de ler em uma rede social que deveria “perder a linguinha”.

O comentário foi feito em um post dela sobre o assassinato de dois jovens negros após uma abordagem policial na Baixada Fluminense.

Renata conta que, desde abril, circula em grupos de WhatsApp uma mensagem com seu endereço residencial. O texto apócrifo a associa a manifestações contra o presidente da República, Jair Bolsonaro (sem partido).

“Enquanto não descobrirmos quem mandou matar Marielle, qualquer tipo de ameaça põe em risco diretamente a democracia. Ameaça pra nós, deputadas negras, que trabalhamos e construímos o legado de Marielle”, afirma.

“Vocês não deveriam estar aqui”

Colega de Renata Souza no parlamento fluminense, Dani Monteiro registrou ocorrência em seu primeiro dia de mandato. Logo no dia da posse, o carro dela foi pichado com ameaças.

Dani afirma que elas têm o sentimento de que são confrontadas com uma frase que não é dita de forma explícita: “Vocês não deveriam estar aqui”. É o que ela chama de violência política.

“Quando a gente fala de violência política tem um demarcador muito forte de gênero e raça. O lugar destinado às mulheres, negros e negras, é de manutenção do espaço privado em detrimento do espaço público. Isso é demonstrado claramente quando há ameaça à nossa vida, mas também ocorre no cotidiano com o cerceamento da nossa atuação. Eu, por exemplo, já fui questionada sobre minhas vestimentas”, diz a deputada de 27 anos.

“Eu me visto como uma jovem negra e como uma mulher e isso ‘não cabe naquele espaço’. A priori, você coloca uma ameaça de vida em uma escala mais grave. Mas é aquele pequeno detalhe, escrito no vidro do carro, que cria condições psicológicas para que você não se sinta confortável para atuar naquele lugar para o qual você foi eleita”, afirma.

Criminoso planejou atentado, diz revista

O caso mais emblemático de violência contra as “herdeiras políticas” de Marielle é vivido pela deputada federal Talíria Petrone. Desde setembro, ela recebe escolta da Polícia Legislativa após receber ameaças em meio a licença maternidade. O caso foi registrado pela Polícia Federal.

“É um ataque frontal à democracia. Eu, como parlamentar eleita, ser ameaçada com o intuito de limitar minha atuação política. Ainda mais eu estando afastada exercendo meu direito à licença maternidade. É lamentável. Preservar a democracia, não é um problema meu, mas de todas as instituições”, disse na época.

No mês passado, a revista “Veja” publicou uma reportagem sobre um atentado planejado contra a parlamentar federal. Segundo a publicação, Edmilson Gomes Menezes, o Macaquinho, era o idealizador.

Investigadores dizem que ele é ligado ao Escritório do Crime, formado por assassinos de aluguel que são policiais, ex-policiais e milicianos. O grupo chegou a ser investigado como suposto responsável pela morte de Marielle Franco, mas a ligação foi descartada pelo delegado responsável pelo caso, Daniel Rosa.

Ameaça até na campanha

Já a pastora Mônica Francisco, outra que se candidatou em 2018 e foi eleita pela sigla, afirma que se sentiu ameaçada em pelo menos dois episódios antes mesmo do pleito.

No primeiro deles, ela chegava em casa quando um motorista emparelhou o carro e perguntou se “era ela mesmo” e foi embora. No outro, um homem se aproximou durante uma agenda de campanha e disse que ela estava “falando demais”.

Pastora evangélica, a deputada também teve a igreja invadida. Na época, ela era identificada como ex-assessora de Marielle Franco. Mônica relata que, depois da eleição, os casos que tinham sido registrados como invasão e ameaça passaram a constar como possíveis crimes políticos.

“Sentimento de impunidade é muito grande”, diz deputada

O G1 entrou em contato com a Polícia Civil para saber se algum dos inquéritos foi concluído e se os agressores foram identificados e punidos, mas ainda não obteve resposta. A Polícia Federal também não respondeu sobre o caso de Talíria Petrone.

O desfecho das investigações, segundo Dani Monteiro, é importante para interromper o ciclo de violência.

“O sentimento de impunidade é muito grande e, por isso, a gente cobra Justiça. A gente que era amigo da Mari convive com o luto, mas essa demanda não é só do PSOL ou de quem era assessora dela. É algo importante para a nossa democracia. Se uma parlamentar em pleno exercício foi executada e até hoje não tem resposta, seus executores ou aqueles que acreditam na política do ódio tem toda autoridade para seguir atuando”.

Fonte: G1
Créditos: Polêmica Paraíba