IRREGULAR

Benefício dado a Cunha após afastamento não teve respaldo técnico

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A Mesa da Câmara contrariou a opinião majoritária da área técnica da Casa na decisão em que asseguroua Eduardo Cunha (PMDB-RJ) os principais benefícios vinculados ao seu mandato parlamentar, incluindo a verba mensal de R$ 92 mil para pagamento de assessores.

Segundo a Folha apurou, o parecer que mais se aproximou da unanimidade entre os técnicos era o de que, por absoluta falta de previsão legal, Cunha deveria manter apenas o salário de R$ 33,7 mil e, talvez, um ou outro benefício passível de ser enquadrado na legislação interna, como seguranças.
Ato da Mesa publicado no sábado (14), porém, manteve com Cunha direito a salário, verba para assessores, residência oficial, assistência médica, segurança, transporte aéreo e terrestre

A Folha visitou no início da tarde desta terça-feira (17) o gabinete parlamentar de Cunha, o de número 510 no 5º andar do Anexo 4 da Câmara, e constatou que ele permanece aberto e em funcionamento –havia uma funcionária para o atendimento– 12 dias após a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal que o afastou do cargo e do mandato de deputado federal.

Na tarde desta segunda (16), a Folha esteve também na portaria da residência oficial da presidência da Câmara, onde Cunha continua morando. De lá saiu o líder da bancada do PTB, Jovair Arantes (GO), relator do pedido de impeachment contra Dilma Rousseff.

No dia seguinte, o gabinete de Jovair sediou reunião dos partidos aliados a Michel Temer em que foi fechada a decisão de levar ao presidente da República interino o nome de André Moura (PSC-SE) para líder do governo na Câmara. Moura é um dos principais aliados de Cunha, integrante da tropa de choque que tenta evitar a cassação do peemedebista no Conselho de Ética da Casa.

AMEAÇA

A decisão liminar [ainda não definitiva] do ministro Teori Zavascki, corroborada por todos os outros dez ministros do STF, afirmava que a permanência de Cunha “no livre exercício de seu mandato parlamentar” representava um risco às investigações da Lava Jato.

Nos bastidores, ministros admitem que a decisão de Teori criou uma situação inusitada e avaliam que o tribunal deveria ter explicitado melhor como seria cumprida a decisão do afastamento. Interlocutores do relator da Lava Jato, no entanto, afirmam que o entendimento de deixar a Câmara estabelecer como seria executada a medida teve a intenção de evitar maior interferência em outro Poder.

A Ato da Mesa que manteve os principais benefícios do mandato de Cunha, incluindo assessores e gabinete, foi alinhavado pelo deputado Beto Mansur (PRB-SP), primeiro-secretário da Câmara.

A justificativa de quatro parágrafos da medida não cita nenhuma lei. Sustenta-se em dois argumentos: 1) a necessidade de “preservação das prerrogativas do deputado eleito legitimamente pela maioria da Casa, enquanto a questão não seja definitivamente julgada pelo STF”, e 2) a analogia com o caso de Dilma Rousseff, que manteve benefícios similares ao ser afastada com a abertura de seu processo de impeachment.

A ala majoritária da área técnica da Câmara e especialistas ouvidos pela reportagem discordam dessa justificativa.

Em primeiro lugar, apontam o princípio de que à administração pública só é permitido fazer aquilo que está previsto em lei. Em segundo, consideram incabível a comparação com Dilma.

“A analogia com a situação da presidente da República [afastada] não é adequada, até mesmo porque o afastamento temporário, com prazo máximo determinado, é etapa necessária do processo de impeachment, diferentemente do fundamento processual penal do afastamento do presidente da Câmara”, afirma Fernando Menezes, professor titular do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP.

Segundo ele, faz sentido a manutenção da designação de “deputado”, segurança e o subsídio –”eis que nessa situação não poderá exercer outro cargo ou ofício privado”–, “mas não as prerrogativas do exercício do cargo, uma vez que o exercício está suspenso, caso de residência, transporte e assessoria”.

Opinião similar tem Floriano de Azevedo Marques Neto, também titular do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito da USP.

“O fundamento da decisão referendada pela unanimidade dos ministros da Corte é o de que o deputado não reunia as condições para o exercício nem do cargo de presidente da Câmara nem para o exercício do mandato de deputado federal. Manter as prerrogativas da função e do cargo vai contra o cerne da decisão”, afirma o professor.

Ele prossegue dizendo que manter a estrutura do gabinete, em tese permite que o deputado prossiga, ainda que em menor grau, com as condutas que levaram o STF a afastá-lo.

“Não cabe a analogia com o caso de presidente da República afastado no processo de impeachment. Neste caso o afastamento é previsto pela Constituição para permitir a isenção no julgamento político do chefe do Executivo, sem demandar indícios de interferência ou tentativa de influir indevidamente no julgamento. Já no caso da decisão do STF, o fundamento é cautelar, baseado em condutas que apontam para a incompatibilidade da conduta do deputado com as exigências do cargo que ocupa.”

OUTRO LADO

O deputado Beto Mansur afirmou que houve opiniões divergentes da área técnica, inclusive a de que Cunha deveria manter a verba de R$ 32,5 mil para reembolso de gastos com a atividade parlamentar, o que foi cortado.

Ele ressalta que Teori Zavascki determinou o cumprimento da decisão “nos termos regimentais próprios”, e que, como eles não existem para o caso inédito de um presidente afastado do cargo e do mandato, ele tentou buscar uma solução justa, com a maior isenção possível.
“Busquei produzir um ato que preservasse a instituição, o presidente da Câmara, independente se ele é o Eduardo Cunha ou outro qualquer”, negando ter tratado desse ato com o próprio Cunha.

Mansur afirmou que cabe a Cunha não se afastar da decisão exarada pelo STF. “Se ele tiver exercendo atividade legislativa, estará cometendo um delito passível de ação no STF, cada um tem sua responsabilidade, não posso ficar pajeando.”

Ele diz discordar das análises que não veem cabimento na analogia com o caso de Dilma. “Tanto lá como cá há situações sem precedentes, que nunca aconteceram. Cunha foi julgado com base no Código Penal, se for analisar quem mais deu prejuízo ao Brasil… Cito apenas a queda de 60% das ações da Petrobras.

Jovair Arantes afirmou não ter tratado de assuntos legislativos com Cunha. “Eu o visito sempre, não sou de abandonar parceiro, companheiro”, disse.

A assessoria de Cunha não se manifestou até a publicação desta reportagem.

Fonte: Folha