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Decisão em 16 minutos e depósitos suspeitos: veja os cheques que colocam juiz na mira da polícia

Foto: Reprodução/TJPB
Foto: Reprodução/TJPB

Paraíba - O juiz Glauco Coutinho Marques está no centro de duas investigações. Além de ser alvo de uma operação que apura o uso de decisões judiciais para viabilizar fraudes em descontos de aposentados, o magistrado também é investigado na Operação Pote de Ouro, por suspeita de receber uma “mesada” com dinheiro desviado da saúde pública de um município paraibano.

A coluna de Fábio Serapião, no portal Metrópoles, teve acesso a documentos e imagens de cheques que teriam sido destinados ao juiz como parte do esquema.

As fotocópias estão incluídas em um documento do Ministério Público da Paraíba.

De acordo com o Ministério Público, cheques suspeitos foram depositados em uma conta bancária de titularidade do juiz Glauco Coutinho Marques, em janeiro de 2016. As cártulas teriam sido apresentadas na agência do Banco do Brasil no município de Gurinhém, interior da Paraíba.

Durante a análise da quebra de sigilo bancário, o MP também identificou outros cheques supostamente emitidos por integrantes da organização criminosa para o pagamento de uma “mesada” à esposa do magistrado. Pelo menos três cheques foram citados, com valores que variam entre R$ 6.800 e R$ 13.800. Dois deles não foram compensados por falta de fundos.

Um dos cheques, no valor de R$ 6.800, não teve sua imagem localizada, mas “o valor correspondente foi depositado na conta de titularidade de Glauco Coutinho Marques, em transação bancária efetuada no caixa da agência Cruz das Armas, da citada instituição financeira, datada de 08/06/2016”.

Para o Ministério Público, há farta comprovação da responsabilidade criminal do juiz Glauco Coutinho Marques, apontado como beneficiário direto do desvio de recursos públicos da Prefeitura de Itabaiana (PB).

“No que tange à responsabilidade criminal do Juiz de Direito, Glauco Coutinho Marques, e beneficiário direto do desvio de rendas públicas dos cofres da Prefeitura de Itabaiana/PB, também resta abundantemente comprovada”, afirma o MP.

Operação Pote de Ouro

A operação Pote de Ouro apura desvio de dinheiro público em Itabaiana (PB), a cerca de 70 km da capital João Pessoa, e cerca de 30km de Gurinhém. A esposa do juiz também é investigada. Ambos negam qualquer envolvimento no esquema.

Segundo as apurações, a esposa do juiz, então Secretária de Saúde do município, faria parte da organização criminosa que desviou valores da Prefeitura.

Os valores repassados a Glauco, diz o MP, têm origem no fundo municipal de saúde. O período compreendido pela investigação vai de 2013 a 2016.

Segundo narra o Ministério Público, a organização criminosa “desviou, sistemática e continuadamente, quantias vultosas da Prefeitura da referida cidade, inclusive, promovendo a dissimulação (lavagem) dos valores extraviados”.

Decisão em 16 minutos

Como mostrado em outra matéria (aqui), a Justiça da Paraíba anulou uma decisão concedida em apenas 16 minutos pelo juiz Glauco Coutinho Marques, na comarca de Gurinhém (PB). O magistrado é acusado de beneficiar uma entidade suspeita de desvios de aposentados.

O juiz está na mira do Ministério Público da Paraíba, na operação Retomada. Ele foi afastado do cargo após a primeira fase da operação em dezembro de 2024. Já em fevereiro, a Justiça anulou a decisão relâmpago que beneficiou a Associação Programa de Assistência aos Aposentados e Pensionistas.

“Desta feita, está cristalino que estamos diante de uma possível fraude processual, uma vez que há a possibilidade das declarações de vontade acostadas aos autos estarem viciadas”, afirmou a juíza Aylzia Fabiana Borges Carrilho.

No despacho, ela argumenta que analisou a decisão de Glauco Marques, para depois anulá-la, porque a operação “revelou a existência de indícios de fraude processual em casos semelhantes”.

“A presente operação trouxe novos fatos que demandam uma análise aprofundada dos autos, visto que este processo integra, juntamente com outras ações, um conjunto de autos processuais que foram alvo da investigação. Assim, faz-se necessário promover a dignidade da Justiça, garantindo uma revisão minuciosa dos elementos constantes nos autos”, diz a magistrada.

Além disso, ao analisar o mesmo processo e os mesmos documentos que Glauco Marques, a juíza verificou que “os possíveis associados, em sua maioria, não têm vínculo algum com a comarca de Gurinhém, sequer com o Estado da Paraíba, pois residem em outros Estados da Federação.”

O grupo investigado na Operação Retomada recorria à prática conhecida como “fórum shopping”, uma estratégia jurídica que consiste na escolha deliberada de um juiz ou Vara para que um processo seja julgado, buscando garantir uma decisão mais favorável ao interesse das partes envolvidas. No caso da Paraíba, o grupo utilizava a Vara na cidade de Gurinhém e outras cidades.

“A Associação autora afirma ter sede nesta comarca; no entanto, é desconhecida dos comarcandos, não tem escritura no Cartório correspondente e sequer foi encontrada por nosso oficial de justiça, no endereço trazido à baila”, relata a juíza.

O que diz a defesa

A defesa do juiz Glauco declarou que “os valores recebidos pelo Sr. Glauco Coutinho Marques, ora questionados naquela ação, referem-se a pagamentos realizados como forma de quitação de empréstimos pessoais anteriormente contraídos pela sua esposa”.

Além disso, tanto Glauco, quanto sua esposa, “jamais tiveram conhecimento da suposta origem ilícita dos cheques utilizados para tais pagamentos” e “sequer conhecem” o suposto operador do esquema que teria assinado os cheques.

Ademais, tanto a defesa apresentada no processo quanto os depoimentos colhidos durante a investigação indicam que a esposa do juiz frequentemente oferecia ajuda financeira a um dos supostos integrantes do esquema, por meio de empréstimos pessoais. A justificativa seria a proximidade entre ambos e as restrições bancárias enfrentadas por esse investigado.

“Todos os cheques citados correspondem a pagamentos de empréstimos diversos e decorrem dessa relação privada e familiar e não de desvio de renda pública. Não se tinha conhecimento de qualquer origem ilícita e os cheques não eram nominais”.

A defesa de Glauco ainda expõe que, em determinada ocasião, Glauco colocou seu nome no cheque como destinatário e fez o depósito diretamente no caixa (por se tratar da mesma agência do titular do cheque), “para garantir a rápida compensação, pois em outras oportunidades, foi repassado a sua esposa cheques sem provisão de fundos”.

Segundo ele, nem Glauco ou sua esposa receberiam qualquer um desses cheques se soubessem que o emitente era pessoa “inidônea e autor de transações ilícitas”.

“Seria muita ingenuidade acreditar que mesmo sabendo do ilícito, os investigados fizeram depósito das cártulas em sua própria conta bancária”, afirmou à coluna do Metrópoles.

“Reiteramos a confiança na Justiça e na elucidação dos fatos, certos de que a verdade prevalecerá”, disse.

Sobre a operação Retomada, o advogado afirmou que o juiz sempre esteve disponível para contribuir com a Justiça e nega todas as imputações feitas na representação do Ministério Público, que resultaram no afastamento do cargo de juiz.

O advogado também cita que o processo está sob sigilo, mas destaca que “não há uma única prova ou ao menos indícios que determinem qualquer ligação ou mesmo afetividade e amizade entre Glauco e os advogados das referidas associações”.

“O que se tem, na verdade, é um juiz que, em sua judicatura, homologou acordos entre a associação citada e seus próprios associados, e deferiu liminares que por vezes não foram sequer revogadas pelo Egrégio Tribunal de Justiça da Paraíba”, afirma.

De acordo com o advogado, após o cumprimento de “dezenas de cautelares, inclusive, buscas e apreensões, não se olvidou qualquer transação bancária efetivada em favor do juiz, ou mesmo conversas entre os envolvidos”.

A defesa diz ainda que, apesar das centenas possíveis ações identificadas pela investigação, pouco “mais de uma dezena destes processos” ficaram sob responsabilidade do juiz.

*O espaço fica aberto caso o Sr. Glauco Coutinho queira se manifestar