desde 2011

Após prisão de falso produtor de TV que perseguia mulheres, vítimas pedem que stalker seja tipificado como crime

Agnaldo se passava por produtor da Record TV para conseguir contato de jornalistas e acesso a eventos. A emissora sempre negou que o suspeito fosse seu funcionário. No ano passado, Universa conversou com dez vítimas do falso produtor.

A jornalista Ellen Martins viveu meses insones e intranquilos. Seu celular tocava sem parar. Foram centenas de ligações. O telefone do escritório onde ela trabalha também não parava. Em uma só semana, foram 35 ligações ao seu trabalho.

Do outro lado da linha, uma voz que a ameaçava de morte. Essa voz é a de Agnaldo Santos Pereira Junior. Preso temporariamente nesta segunda (10), ele é suspeito de perseguir, ameaçar e importunar sexualmente cerca de 30 mulheres jornalistas, assessores de imprensa e modelos. Agora, as vítimas defendem uma lei que reconheça e puna esse tipo de crime.

Falso produtor de TV

Agnaldo se passava por produtor da Record TV para conseguir contato de jornalistas e acesso a eventos. A emissora sempre negou que o suspeito fosse seu funcionário. No ano passado, Universa conversou com dez vítimas do falso produtor.

Reprodução
Pedido de prisão contra Agnaldo, que se passava como produtor da Record, foi feito a pedido do ministério público. Imagem: Reprodução

Na ocasião, ele negou as acusações e afirmou que iria processar o UOL. Desta vez, a defesa do suspeito, Vitoria Stamile, diz que não vai se pronunciar. Ela ainda pediu à reportagem que a matéria não fosse publicada.

Quem eram as vítimas

As vítimas do suspeito, segundo um documento do Ministério Público ao qual Universa conseguiu acesso, eram divididas em dois grupos. O primeiro era formado por jornalistas e assessoras de imprensa. Neste caso, Agnaldo teria se apresentado como produtor de TV para ter acesso a eventos e contato das profissionais. O segundo grupo era de modelos.

Quando ia a eventos e apresentava informações desencontradas, era questionado pelas jornalistas. Contrariado, ele, então, passava a ameaçá-las com mensagens e telefonemas com ameaças de morte e tentativa de constrangê-las diante de chefes e colegas de trabalho.

O suspeito é acusado de mudar o número de telefone e usar nomes como “Junior de França” ou “Junior Pereira” em perfis falsos nas redes sociais. Assim, ele teria continuado as perseguições quando era bloqueado pelas vítimas.

Já para as modelos, o MP afirma que Agnaldo teria oferecido vagas de emprego e participação em eventos. Em troca, ele pedia imagens íntimas das candidatas e enviado imagens da genitália sem o consentimento delas. Quando elas se recusavam a enviar as fotos, ele fazia ameaças em que dizia que iria destruir a carreira delas.

“É um grande alívio saber que terei dias de paz enquanto ele estiver preso. Que sair na rua será um processo natural e não um motivo de estresse e preocupação se estou sendo seguida”, desabafa Ellen.

Caçada

Em 2017, uma assessora publicou em um grupo no Facebook que era perseguida por Agnaldo e recomendou que as jornalistas do grupo bloqueassem o número do suspeito. Dezenas de mulheres também alertaram que haviam sido vítimas do mesmo homem. O histórico dos relatos se estende até 2011.

Agnaldo teria visto a publicação. “Comentei que era necessário fazer o boletim de ocorrência e representá-lo na Justiça. Logo na sequência, ele pediu para me adicionar no Facebook, no Instagram. Bloqueei imediatamente e foi ai que começou a ”caça’. Ele descobriu onde eu trabalho pelo Linkedln, enganou as secretárias e conseguiu meu celular”, lembra Ellen.

Já no ano passado, as ameaças se repetiram. Ellen fez um boletim de ocorrência sabendo que “não iria dar em nada” — no fim, isso fez toda a diferença.

O ato da perseguição era considerado crime de menor potencial ofensivo e a jornalista diz ter até discutido com um delegado que não se empenhou nas investigações.

Foi então que Ellen e mais uma vítima se uniram em um grupo chamado “Operação Stalker”. O nome também foi adotado pelo Ministério Público paulista, que recebeu as acusações e pediu a prisão temporária ao suspeito.

‘Stalker’ é um termo em inglês para designar alguém que persegue outra pessoa.

Medo

O medo das vítimas era, justamente, de que o crime de perseguição não fosse amparado pela Lei Maria da Penha. Segundo a lei, as medidas de proteção às mulheres só podem ser aplicadas se o agressor estiver algum convívio com a vítima. “Nem medida protetiva de urgência a gente tinha direito”, desabafa.

Mesmo sem previsão em lei, o caso foi entendido pelo MP como uma violência de gênero.

No pedido de prisão, o órgão afirmou que “muitas vítimas que perderam trabalho, mudaram sua rotina, de cidade, perderam a credibilidade diante de colegas, a paz, a saúde e vivem atemorizadas, pois até agora nenhuma medida foi tomada para a proteção dessas mulheres, que se sentem totalmente desprotegidas, sem apoio do Estado e do sistema de Justiça”.

Promotores paulistas uniram as provas contra Agnaldo e pediram prisão por falsidade ideológica, perseguições, ameaças, constrangimentos, coação no curso do processo, falsa identidade, estupro e violação sexual por meio virtual. Também foi aberto um pedido de busca e apreensão de computadores e celulares.

O suspeito foi preso nesta segunda (10) e encaminhado a um distrito policial na região central de São Paulo.

Quando soube da ordem de prisão, ele mandava mensagens rindo e dizendo que pagaria apenas 2 mil de fiança e sairia impune, pois no Brasil esse tipo de crime não daria em nadadiz jornalista

Elas querem que a lei mude

Agora, Ellen e as vítimas defendem alterações na lei para tipificar o crime de ‘stalker’.

Um texto, escrito em conjunto com o Fórum Nacional de Juízas e Juízes de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher (Fonavid), foi enviado a deputados e senadores com um pedido de para inclusão do crime de “Perseguição insidiosa (stalking)” ao Código Penal.

O texto defende prisão de dois a quatro anos e multa a quem persegue uma pessoa de maneira reiterada, ao vivo ou por meio cibernético. No senado, já se discute um projeto de lei para endurecer a pena contra esse tipo de crime.

“A prisão foi apenas o primeiro passo, é preciso mais que isso. Enquanto o crime de stalking não for tipificado, o agressor vai continuar impune, pois não existe legislação para criminalizar ações como a que sofremos. Nenhuma lei nos protege”, conclui a vítima.

Fonte: Universa
Créditos: Marcos Candido