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'PREZADES PARAIBANES': entenda o que é linguagem neutra e conheça o projeto que proíbe tema nas escolas de João Pessoa

A Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP) deve ser palco, nas próximas semanas, de mais uma intensa discussão, quando for colocado em votação um Projeto de Lei da vereadora Eliza Virgínia (PP)

A Câmara Municipal de João Pessoa (CMJP) deve ser palco, nas próximas semanas, de mais uma intensa discussão, quando for colocado em votação um Projeto de Lei da vereadora Eliza Virgínia (PP), que tem como objetivo proibir a chamada “Linguagem Neutra” na grade curricular e no material didático das escolas de ensino públicos ou privadas da Capital.

O tema ganhou repercussão, também, depois que a Rede Globo anunciou que a novela Cara e Coragem, prevista para estrear em maio do ano que vem, adotará essa ‘novilíngua’ em algumas de suas cenas. Trata-se de uma terceira forma de linguagem escrita e falada, que vá além do A para o gênero feminino e do O para o gênero masculino.

A ideia consiste na utilização de uma terceira letra para se referir a todos, sem particularizar gênero, inclusive para aqueles que não se identificam com a “binariedade”, que são as pessoas que não se associam ao feminino, nem ao masculino. Uma ideia é substituir a vogal temática e os artigos definidos (O e A) pela letra “E”, pelo “I” ou mesmo pelo “U”.

Para citar um exemplo, a frase “os prezados internautas paraibanos acessam cada vez mais este canal”, se tornaria, “es prezades internautes paraibanes acessam cada vez mais este cenele”. Outras palavras, que supostamente dão uma ideia de binaridade, também sofreriam modificação.

As palavras menino e menina passariam a ser consideradas como ‘menines’. Já alunos e alunas seriam reduzidos a “alunes”, e assim a língua portuguesa passaria por uma grande transformação, tendo como pano de fundo, a inclusão.

Argumentos favoráveis

Os que defendem a ideia da linguagem neutra, a exemplo do vereador Marcos Henriques (PT), acreditam nova proposta linguística tem aplicação na realidade. Segundo esse entendimento, a possibilidade se justifica pelo fato de que a língua é ‘viva’, tendo sofrido ao longo dos anos muitas transformações.

O vereador Marcos Henriques afirmou que a linguagem neutra não representa um risco à forma de expressão dos brasileiros: “Não existe isso de querer mudar a história. É o livre-arbítrio das pessoas se comunicarem da maneira como quiserem. Não tem essa lógica de querer distorcer”, avaliou.

Argumentos contrários

Os que são contrários a essa transformação, a exemplo da vereadora Eliza, entendem que a proposta de linguagem neutra representa um desprezo à norma culta da Língua Portuguesa, que já contempla palavras que podem ser utilizadas para se referir a todas as pessoas, em diferentes situações.

Os mais conservadores compreendem que as possibilidades da língua são suficientes, construídas ao longo de décadas de estudo e tradição. Eles também defendem a valorização da norma culta e do respeito às regras gramaticais construídas ao longo do tempo.

De acordo com Virgínia, a nova forma de linguagem prejudicaria a compreensão de algumas segmentos. “A linguagem neutra exclui pessoas, exclui os surdos, que muitas vezes fazem leitura labial. Como vão saber a quem estou me referindo a uma pessoa do sexo feminino ou masculino, já que eles fazem leitura labial? Exclui os cegos e exclui pessoas com dislexia”, opinou.

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O projeto

Além de proibir a utilização da linguagem neutra nas escolas, o texto de Eliza Virgínia (PP) garante aos estudantes de João Pessoa o direito ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com a norma culta e orientações legais de ensino estabelecidas com base nas orientações nacionais de Educação, pelo Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa (Voip) e da gramática elaborada nos termos da reforma ortográfica ratificada pela Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).

Também fica instituído o dia 05 de maio como “Dia municipal de valorização da língua portuguesa”. “Neste dia de celebração serão promovidas atividades de incentivo ao estudo da língua portuguesa de forma lúdica, fomento a clubes de leitura; feiras e projetos literários.

A proposta já recebeu a adesão do vereador Carlão Pelo Bem (Patriota). “’Amigues’, se alguém me mostrar onde está isso na gramática, eu me rendo”, afirmou. Para ele, as ideologias querem mudar a língua portuguesa: “Querem destruir a cultura de um povo”, considerou.

Possibilidades
Para o professor Wilberto H. de Luna, graduado em letras-português, pós-graduado em gestão educacional e estudioso de letras grego-latim, não é impossível o surgimento de um gênero neutro, desde que essa adaptação obedeça determinados critérios historicamente ligados à evolução da linguagem, sem atropelos políticos ou ideológicos.
“Quais seriam esses critérios? O primeiro seria adesão popular, que é quando um fato linguístico se populariza tanto que isso se torna cotidiano. Por exemplo, como aconteceu com a palavra você, que passou por diversas mudanças nos últimos séculos, até se tornar essa palavra escrita e falada dessa maneira. Outro critério para a reforma da língua seria a análise e a discussão da comunidade científica, de especialistas da área, em diversos âmbitos da linguística – estrutural, histórico-comparativa ou análise funcional da língua”, considerou.
Ainda de acordo com o professor, a transformação da língua não pode acontecer ‘de cima para baixo’, e os debates precisam levar em conta os reflexos e impactos das prováveis transformações. “Eu não consigo enxergar um direito que, por meio da inclusão desse gênero neutro, seja garantido. Essa mudança provoca um impacto social pesado, pois implica em alterar toda a estrutura de língua, formando um terceiro gênero, e isso ocorreria em cada palavra que necessitasse de uma flexão de gênero. Teríamos que mudar todos os nossos livros didáticos e documentos oficiais, a Língua Brasileira de Sinais (Libras), além de materiais que auxiliam pessoas com necessidade especial”, alertou o professor.
Ouça, a seguir, trecho de uma fala do professor Wilberto H. de Luna sobre a discussão de um gênero neutro na Língua Portuguesa.

Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Polêmica Paraíba