Um ano diferente

157 ANOS DE CAJAZEIRAS: dias melhores e mais festivos haverão de vir, e, então, confraternizar-nos-emos - Por Francelino Soares

Este ano de 2020 foi meio constrangedor para mim. Afinal, necessito de uma boa dose de conformismo, pois bem sei que o mundo todo está meio ou totalmente refém e dependente dessa infeliz pandemia.

Mas tem me dado uma tristeza profunda ver as minhas ruas, praças, avenidas e becos tão solitários, quando estava acostumada a vê-los tão alegres e festivos, ocorressem dias frios ou quentes. Mesmo assim, ainda me resta o conforto de ver transeuntes, vez por outra, a contemplar a beleza e poesia que gosto de proporcionar-lhes diante da vista de um pôr do sol no Açude Grande.Porém não vejo e não me é possível esquecer-me de minhas ruas cheias de meu povo, por ocasião dos tempos alegres e festivos das quermesses da Praça João Pessoas, dos Parques de Diversões e da alegria contagiante dos espetáculos que nos ofereciam os circos Nerino e Garcia, e – por que não dizer? – até das matinês do Cine Éden e dos confrontos entre o Tabajaras e o Atlético, nas tardes futebolísticas dominicais. Na solidão de minhas alamedas vazias, eu relembro o alvoroço dos meus filhos apressados na luta pela vida.

Quão festivos eram os dias de inverno quando crianças, livres e despreocupadas, afluíam à sangria do Açude Grande e invadiam as ruas em busca de biqueiras de minhas antigas residências onde se esbaldavam nos banhos de chuva…, e os adultos, pela noitinha, esparramavam suas cadeiras nas calçadas para, ″jogando conversa fora″, contarem as estórias de Trancoso, enquanto aguardavam a Hora do Brasil, retransmitida pelos serviços de alto-falantes. Também, pudera! Ainda não havia chegado por aqui o modernismo da TV que, afinal, ao lado do pretenso objetivo de espalhar divertimento e cultura, foi nos trazendo aos lares licenciosidade e subcultura, espelhadas em programações que vão dizimando os nossos bons costumes e, materialmente, vieram a destruir os encantos do meu monumento maior, o Cristo Rei, o qual ficou escondido entre as antenas do progresso.

O progresso, claro, me foi útil e necessário, pois, embora me trazendo o boom universitário, este não me tenha feito esquecer a alegria esfuziante dos alunos e alunas do Diocesano e das Doroteias quando, nos fins das manhãs, buscavam se encontrar ao sair das aulas, na procura – quem sabe! – de dar vazão aos primeiros deslumbramentos amorosos, que tantos amores alimentaram.

A nobreza que me vem de minha origem não me tornou arrogante. O meu nascimento advém da pureza de uma escola sob a inspiração do virtuoso Padre/mestre Rolim, perpetuada, se assim posso dizer, no altruísmo de outros pastores, como Dom Zacarias que me deu a primeira Instituição de Ensino Superior, a nossa FAFIC. Como não me lembrar dos meus outros pastores que ajudaram a construir o meu progresso: Dom Moisés Coelho foi escolhido, em 1914, como o primeiro pastor do meu rebanho cristão; Dom João da Mata proporcionou a criação do meu primeiro hospital; Dom Mousinho lançou a pedra fundamental do meu Seminário; outros pastores, independentemente de suas afinidades religiosas, foram dando sequência ao meu progresso, sem esquecer a magistral disseminação de cultura que foi proporcionado pela comunidade salesiana.

No veio do progresso, não há como esquecer o meu primeiro Cinema (Cine Moderno), trazido pelo libanês João Bichara e sequenciado por Carlos Paulino e Eutrópio.

Hoje, juntos, cidade e cidadãos, nós ainda batalhamos pela recriação de uma linha aérea, cujo embrião foi deixado pelo nosso piloto doméstico Antônio Tomaz, em trabalho sequenciado pela antiga Varig, gerenciada pelo intrépido e progressista Mozart Assis.

Na chamada área biomédica, não há como me esquecer de Cristiano Cartaxo, Celso Matos, Vital Filho, João Izidro, Otacílio Jurema, Deodato Cartaxo, Waldemar, Sabino, Júlio Bandeira, Epitácio, somente para falar de alguns dos que já nos deixaram…

Na política, sem entrar no mérito dos que ainda estão entre nós, como n           ão me lembrar de Comandante Vital, Couto Cartaxo, Bonifácio Moura, Cel. Sabino, Cel. Matos, Edme Tavares, entre muitos outros.

Nos esportes, lembro-me dos chamados abnegados que sempre foram apaixonados pelo nosso futebol e dirigiam-no: Sérgio David, Iônas Dunga, Zé Palmeira, Edson Feitosa, José Hildemar (Pibral), Zé de Souza, Nicholson, Assis (Barão, Tanque), Dirceu Galvão, Dingo, Gineto, Meurimão e, mais recentemente, Abdon Cipriano, Zerinho, Tiko Miudezas, Deodato Filho, Chico Bem-Bem, Arlan, Taciano, Narciso, Reudesman, o eterno craque Perpétuo, entre inúmeros outros.

Nas artes, temos que colocar em cena o pessoal que plantou a semente do nosso vivo e empolgante teatro, abrindo-lhe as cortinas: Hildebrando Leal, Dona Ica, Lacy Nogueira… O pessoal que aqui faz cinema mereceria um capítulo à parte.

Uma lembrança especial me vem à mente ao recordar-me do ano de 1926, quando filhos valentes e intrépidos me defenderam de uma invasão pérfida e sanguinária: Epifânio Sobreira, Victor Jurema, Padre Gervásio Coelho, Marechal e outros heróis citadinos.

A minha cultura reviveu, ainda há pouco, a sua impetuosidade, quando da criação de nossa ACAL – Academia Cajazeirense de    Artes e Letras, que, com certeza, levará às gerações futuras a pujança de nossa vocação cultural.

Não vou falar dos idosos que já se foram porque, em sendo tantos, necessário seria que se fizesse uma ″lista″, como fala a canção de Oswaldo Montenegro, mas, aos poucos, vou retornando a um passado que o tempo levou e que me conduz aos primórdios do meu nascimento. Aliás, quantas controvérsias ainda permanecem com relação ao meu surgimento, quando, oriunda do pequeno sítio Serrote, fui me transformando pelas mãos do meu fundador, os ancestrais do Padre Rolim – Cel. Vital e mãe Aninha – na ″cidade que ensinou a Paraíba a ler″. Se não, vejamos: somente em 23 de novembro de 1863 – mais de seis décadas após o nascimento do ″Apóstolo do Norte″, cognome que foi dato por Dom Pedro II ao hoje considerado meu patrono maior – é que consegui me emancipar politicamente da vizinha comarca de Sousa; daí, lá se vão mais treze anos, em 10 de julho de 1876, é que tive o privilégio de tornar-me cidade. São datas simbólicas para mim, no entanto, por obras, graças e inspiração do Professor Antônio José de Sousa, é que o vereador Geminiano de Sousa apresentou, na Câmara de Vereadores, o projeto de lei, sancionado pelo prefeito municipal da época (Arsênio Rolim Araruna – gestão 1947 a 1951), estabelecendo a data de 22 de agosto (natalício do meu patrono) como sendo o meu dia, o Dia da Cidade.

Não avalio o quanto filhos ilustres, aqui nascidos (os cajazeirenses) ou advindos (os cajazeirados), fizeram por mim? A eles devo o meu progresso e, mesmo olhando saudosa para o meu passado, contento-me em navegar no trem do futuro, embora não tenha como resistir aos encantos daqueles tempos idos e vividos: a velha estação da RVC, a Usina Santa Cecília com a capelinha fronteiriça, o morro do Cristo Rei, são lembranças que se vão perdendo no tempo, mas que não saem de minha memória…

E os meus filhos, ilustres ou os que aqui aportaram, aos poucos iriam sendo esquecidos, se os meus novos filhos não vivessem a lembrar deles, em suas labutas diárias.

Ah, se outros filhos de terras sertanejas irmãs amassem e venerassem o seu berço, como os meus filhos ou os que aqui aportaram me amam!

Dias melhores e mais festivos haverão de vir, e, então, confraternizar-nos-emos, sem nunca nos esquecermos de que a terra-mãe sempre estará velando por seus filhos, aqui nascidos ou advindos, porque – bem sabemos! – a cidade é como se fosse a própria amplificação da família.

Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Francelino Soares