Opinião

A eleição do desalento - por José Paulo Kupfer

A afirmação segundo a qual, para problemas complexos, há sempre uma solução simples e equivocada de tão batida já perdeu a paternidade. Nem por isso deixou de ser verdadeira. Parafraseada, ela também é perfeita para explicar o fenômeno que engolfou as eleições gerais de 2018, lançando sombras e temores sobre o futuro da democracia brasileira.

A afirmação segundo a qual, para problemas complexos, há sempre uma solução simples e equivocada de tão batida já perdeu a paternidade. Nem por isso deixou de ser verdadeira. Parafraseada, ela também é perfeita para explicar o fenômeno que engolfou as eleições gerais de 2018, lançando sombras e temores sobre o futuro da democracia brasileira.

Não há fator único a explicar os milhões e milhões de voto depositados no extremista de direita Jair Bolsonaro. Até porque esse voto não tem origem em uma única convicção. Por isso mesmo, normalizar as ameaças anti-democráticas do candidato e seu elogio de práticas degradantes da condiçao humana, é um exercício vazio, mais voltado a eximir culpas impossíveis de serem eximidas depois do fechamento das urnas.

Se Bolsonaro cumprir as ameaças à democracia que fez ao longo da sua longa na vida política e reafirmou em letras garrafais na campanha eleitoral, ninguém poderá dizer que não sabia. O arrependimento posterior será um “mastercard” — não terá preço de tão alto. Alimentar esperanças de um estelionato eleitoral, ou seja, que o candidato, empossado, governe sem os rancores e as ameaças de prender, arrebentar ou eliminar, destilados agora e sempre, é só mais uma das inúmeras estranhezas dessa eleição.

A energia e a tinta gastas na tentativa de encontrar ou não um DNA fascista em Bolsonaro se presta a essa normalização que aposta num estelionato eleitoral (por bem, recuando, ou por mal, sendo contido pelas instituições, ele não fará o que vive prometendo). Mas não resolve a questão das razões do voto no capitão reformado. Importa nada fazer a conta do número de itens necessários para classificar alguém como fascista em que Bolsonaro se encaixaria.

Entre os que votam em Bolsonaro há, obviamente, fascistas. Mas, também obviamente, não só. Há, por exemplo, um voto de direita não fascista — sim, nem todo direitista é fascista e muitos jogam o jogo democrático mais próximos do centro. Boa parte do pessoal que faz parte do que se convencionou resumir como “o mercado” se enquadra nesse grupo no qual também estão empresários de todos os portes e executivos em geral. Muito provável que a maioria estivesse com outros candidatos no primeiro turno.

Eles querem menos regulação e menos interferências do governo na atividade econômica, como promete Bolsonaro sem tanta firmeza pelas ideias de seu guru econômico e o petista Fernando Haddad não oferece. Embora alguns não liguem muito mesmo para as gritantes e desfuncionais desigualdades sociais brasileiras, um bom número desses eleitores de Bolsonaro acredita que essas desigualdades não são uma trava estrutural da economia vigorosa que almejam. Ao contrário, apesar das lições da História não sancionarem essa crença, ainda acham que é possível fazer primeiro o bolo crescer para todos depois terem acesso a seu devido pedaço.

Existe ainda um contingente enorme de antipetistas que não pode ser confundidos com fascistas. Motivos variados se misturam para levá-los à desilução com o PT. Tem aqueles que assumiram o antipetismo pela rejeição aos casos de corrupção envolvendo figuras importantes do partido. Decepções em massa, nesse grupo, nasceram da convicção de que o PT traiu sua origem de combate justamente a “tudo aquilo que estava aí”. Espelham, década e meia depois, aqueles que, agora fascinados pelo “antissistema”, optam por Bolsonaro, ainda que Bolsonaro de antissistema só tenha o discurso e a maquiagem.

Feitas todas essas separações, é preciso reconhecer que a principal força eleitoral bolsonarista deriva da virulenta crise econômica que se instalou há quatro anos, mas já era chocada desde a passagem da presidência de Lula para Dilma Rousseff em 2010. Como estudos científicos de cruzamento de dados estão apontando, o apoio a Bolsonaro não veio principalmente das áreas mais violentas, em que o brado de lei e ordem do capitão poderia ecoar mais forte, nem da rejeição à corrupção (ver a propósito, artigo do economista Claudio Ferraz, no Nexo, em http://bit.ly/2EKaj8Z).

Isso tudo forma um caldo de cultura, mas, replicando, naturalmente com características próprias, fenômeno já visto na eleição de Donald Trump, no Brexit e em países acossados por fechamento de canais de acesso ao bem-estar social, esta é a eleição do desalento. É só se colocar por um minuto no lugar dos desalentados e fazer um cálculo simples para entender o ponto.

Não são apenas os 12 milhões de desempregados que se sentem traídos em suas esperanças. Se considerarmos o tamanho médio da família nuclear brasileira, são cerca de 50 milhões de pessoas afetadas por uma vida deteriorada, na quais eventuais conquistas materiais anteriores — a escola particular dos filhos, o carro da família, a faculdade e até a casa própria — vão escorrendo pelos dedos. E nem estão sendo considerandos os 30 milhões de trabalhadores subutilizados — um total de 120 milhões de afetados.

Dá para imaginar a degradação pessoal e familiar de quem não só perde renda, patrimônio e conforto, mas também conhecimento e qualificação, sem falar na auto-estima, ainda mais quando se sabe que um em cada quatro desses cidadãos não conseguem se colocar no mercado regular de trabalho há pelo menos dois anos? Precisa desenhar mais para entender que, para esses e para os que temem cair nesse poço, “isso que está aí” deu errado? E que, portanto, vale a pena experimentar, sob qualquer pretexto, qualquer outra coisa que se apresente radicalmente do contra.

Fonte: Poder 360
Créditos: José Paulo Kupfer