Reflexão

Entre lulismo e reinvenção partidária, alas petistas discutem oposição a Bolsonaro

Segundo lugar na disputa presidencial, Fernando Haddad conseguiu angariar o apoio do partido, que tradicionalmente é dividido em diferentes alas de pensamento. A tendência é que ele naturalmente assuma o papel de líder no comando da legenda . Refratário em reconhecer os erros cometidos e diante da insurgência de antigos aliados, o PT deve rever posições.

BRASÍLIA — Depois de sair derrotado das urnas, o PT deve passar por um período de reflexão sobre como se reconstruir para assumir o papel de oposição ao governo de Jair Bolsonaro , a partir de 2019. Apesar do revés político, o partido sai do processo eleitoral com a maior bancada da Câmara e um saldo de 47 milhões de votos. Segundo lugar na disputa presidencial, Fernando Haddad conseguiu angariar o apoio do partido, que tradicionalmente é dividido em diferentes alas de pensamento. A tendência é que ele naturalmente assuma o papel de líder no comando da legenda . Refratário em reconhecer os erros cometidos e diante da insurgência de antigos aliados, o PT deve rever posições.

— Vamos ter que avaliar todos os erros que cometemos antes e durante a campanha. Mas o Haddad teve 47 milhões de votos e não é todo mundo que tem isso. Ele, se tiver disposição, pode liderar esse processo de oposição que o PT vai ter que construir a partir de agora. Ele foi bem na campanha, manteve o PT unido, fez um trabalho de coesão no partido. Acho que ele teve uma liderança natural. Não vejo como isso se contestado dentro do partido — diz o deputado Carlos Zarrattini, ex-líder do PT na Câmara.

A ala moderada do partido argumenta que a derrota na corrida presidencial mostra que é hora de mudar o discurso de enfrentamento, defendido por integrantes da cúpula, como a presidente da sigla, Gleisi Hoffmann. Defensores de uma postura de conciliação e de uma autocrítica partidária comemoram o fortalecimento de Jaques Wagner no partido. Depois da larga vitória do PT na Bahia, ele chega ao Senado, em 2019, como principal nome para liderar o partido no Parlamento. Jaques foi a voz solitária que pregou na pré-campanha que o partido abrisse mão da cabeça de chapa em prol de Ciro Gomes, do PDT. A ideia foi rejeitada fragorosamente por Gleisi.

Ao assumir a coordenação da campanha de Haddad no segundo turno, Jaques Wagner já advogou por uma versão petista mais moderada. Um dos líderes do partido, adepto da linha de Wagner, diz que, mesmo podendo ter conquistado uma vitória política, o partido saiu “triturado das urnas” e necessita de uma “urgente reinvenção”.

Comandada de dentro da prisão pelo ex-presidente Lula, a estratégia do partido resgatou o velho enredo radical do PT. Enquanto Bolsonaro batia nos erros e nos escândalos de corrupção dos governos petistas, o partido inicialmente evitou bater no ex-capitão do Exército, investiu na candidatura de Lula e na campanha “eleição sem Lula é fraude”. O partido apostou tudo na imagem dos governos do ex-presidente petista para resgatar eleitores enquanto tentava sustentar a narrativa conspiratória de que o ex-presidente seria uma vítima de uma conspiração da imprensa, com o Judiciário e o Ministério Público. O uso da campanha pela defesa jurídica do petista cobrou um preço.

Pelo Twitter, Alberto Cantalice, um dos vice-presidentes do partido, reconheceu que a demora na substituição de Lula por Haddad prejudicou a construção do discurso do partido na campanha presidencial. “O Fernando Haddad foi um grande candidato. O PT demorou em começar trabalhar o seu nome. Era preciso mais tempo para afirmar o nome e permitir que o pulso da campanha calibrasse o discurso”, escreveu.

Cantalice também acha que Haddad “deve liderar a oposição”. O vice-presidente defendeu ainda a criação de uma frente democrática que não se torne “uma mera frente das esquerdas”. “Tem que ser maior do que os partidos, envolvendo figuras das mais variadas configurações políticas e sociais e que tenham como meta a continuidade da democracia no Brasil”, disse.

Líder da minoria no Senado, Humberto Costa (PT-PE) ressalta que o PT perdeu para Bolsonaro, mas mantém grande capital político. Entre as grandes legendas, de fato foi a única a preservar o topo no ranking em tamanho de bancada eleita na Câmara, onde lidera com 56 deputados. No Senado, a situação é mais frágil, com apenas seis senadores.

“Disseram que o PT estava acabado. O povo mostrou, nas urnas, que o PT segue firme e forte. Fizemos a maior bancada da Câmara, somos o partido com o maior número de governadores e Haddad ganhou em 11 estados. Faremos uma dura oposição a esse governo de Bolsonaro. A partir de amanhã já estaremos a postos na trincheira da oposição ao fascismo. Resistiremos com o povo brasileiro por nenhum direito a menos e pelo respeito à democracia”, manifestou-se no Twitter.

O PT fará uma reunião da Executiva Nacional nesta terça-feira, em São Paulo, para definir os próximos caminhos a tomar.

Fonte: O Globo
Créditos: O Globo