'ME SENTI AGREDIDA, OFENDIDA, AVILTADA'

'ENCARDIDA DO SUL': mulher 'branca' registra queixa-crime contra ex-funcionária por injúria racial

Veterinária diz que experiência a fez olhar para 'revezes de imensa opressão e exclusão' de negros

A veterinária Ana Luiza Ferraz, 32, que é branca e registrou queixa de injúria racial contra uma de suas empregadas, disse que tomou tal decisão porque se sentiu agredida pelas ofensas sofridas e que não poderia deixar de defender sua honra e sua vida.

“Em minha condição de ser humano me senti ofendida, agredida, aviltada”, disse em nota enviada à Folha, após a repercussão de reportagem sobre o caso e diante de críticas quanto à sua decisão.

Reportagem publicada nesta quinta (6) mostrou que Ana Luiza registrou queixa de injúria racial contra uma de suas funcionárias porque foi chamada de “encardida do sul” e “cachorra do sul”, provocando abertura de inquérito pouco comum.

A referência ao sul se dá em razão do estado de origem dela, o Paraná, e, também, ao sotaque carregado de expressões sulistas.

loira racismo
A veterinária paranaense Ana Luiza Ferraz que registrou queixa de injúria racial contra doméstica – Reprodução/Facebook

Parte das ofensas estava em áudio enviado pela funcionária, que acabou chegando ao marido da veterinária. Após ser demitida, a empregada doméstica teria enviado outras mensagens a empregados que continuaram na casa, entre elas supostas ameaças à ex-patroa.

“O que mais me causou angústia foi a ameaça que sofri por minha ex-funcionária –gravada inclusive em áudios– dizendo que me colocaria na cadeia caso eu não pagasse o acerto patrimonial que ela julgasse ser devido, e prometendo que iria acabar com minha vida. Pelas ameaças que me fez, não poderia deixar de comunicar os fatos à autoridade policial.”

Ainda segundo a veterinária, o episódio fez com ela tivesse mais consciência das discriminações sofridas por grupos no país. “Essa experiência me fez ter ainda mais consciência ao direcionar meu olhar à história que traz revezes de imensa opressão e exclusão aos negros e também às minorias discriminadas”, afirma a mulher.

“Tenho consciência do privilégio que possuo por ser branca, loira, e não posso dizer que a injúria ou outro crime por mim sofrido se equipara minimamente ao que um negro sofre unicamente por possuir a pele de cor negra. O racismo é institucional e uma realidade que não pode ser negada, eis que reprodutor severo de desigualdades.”

Por fim, Ana Luiza afirma na nota que sua queixa tem o objetivo de defender-se da injustiça que sofreu. “Não pretendo intimidar ninguém com o registro policial que fiz —tenho ciência do abismo econômico que separa a mim e minha ex-funcionária— mas não posso deixar de exercer o direito de defesa de minha honra e de minha vida.”

A funcionária é uma mulher de 55 anos, branca, e moradora de Taboão da Serra, município da Grande São Paulo. A Folha tentou contato em cinco números de telefone registrados no nome dela, sem sucesso.

A queixa foi levada à polícia em abril pela advogada da veterinária, Roselle Soglio, que disse ter percebido um componente racial nas ofensas, já que o parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal qualifica uma declaração como injúria racial se “consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência”. A pena prevista é reclusão de um a três anos, mais multa.

Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Rogério Pagman