Entrevista

Não podemos sucumbir aos ataques a artistas e imprensa, diz Adnet

A São Clemente entrou na Sapucaí nesta segunda (24) com a missão de, pela primeira vez, se classificar para voltar no sábado (29) para o Desfile das Campeãs, quando as primeiras seis colocadas se exibem novamente.

No ano passado, a escola ficou em 12º e, para realizar o feito inédito, conta com a colaboração de um marinheiro de primeira viagem em seu samba-enredo, o ator Marcelo Adnet.

Botafoguense de frequentar estádios, ele torce pela escola de seu bairro, a única da zona sul do Rio, desde que seu pai o levou ao desfile “aos 3 ou 4 anos de idade”. Mas foi a primeira vez que viu um samba-enredo escrito por ele cantado na avenida. O ator da Globo não cantou, mas foi em cima de um carro alegórico.

“O Conto do Vigário”, que descreve o país como uma terra de malandros, foi composto com seus sete parceiros ao longo de “dez encontros bebendo cerveja, soltando frases”. Conhecido pelas imitações de políticos e paródias de música popular, Adnet falou do atual momento do país e das fake news que assolam as redes sociais.

Pergunta – Você é formado em jornalismo e seu samba-enredo fala de fake news. Qual é sua opinião sobre o que está acontecendo no país?

Marcelo Adnet – Para atuar e criticar quem quer seja, é preciso ter coragem. O jornalista também, ele saiu de um lugar de conforto e está apanhando para caramba. Está sofrendo uma pressão desproporcional, antidemocrática e muitas vezes criminosa.

A imprensa não foi feita para passar a mão na cabeça. Já tive várias coisas publicadas a meu respeito que não concordei. Quando é da vida pessoal, quando é mentira, é antiético e a imprensa tem que ser cobrada. Ela pode cobrar e pode ser cobrada, mas não ser ameaçada e vista como inimiga.

“Vamos minar, atacar, investigar a vida e criar uma máquina de fake news para atacar pessoalmente quem ousar levantar a voz contra a gente”. Então, eu passo por isso como ator, e o jornalista também. É uma pena, mas a gente precisa ser forte. Não podemos sucumbir a isso.

Você já foi agredido na rua?

MA – Não fisicamente, mas de falarem e gritarem coisas, sim. Uma vez andando na rua em Botafogo e outra em um supermercado na Barra. “Vagabundo, vai embora” e fazendo arminha com a mão.

E uma vez no Humaitá veio uma senhora dizendo que eu apoiava a ditadura cubana. Eu disse “não, eu não apoio”. “Mas e o Che Guevara” e sei mais lá o quê. Eu disse : “Senhora, não sei do que está falando”. “Ah, mas eu li no Facebook que você apoia o Freixo [deputado federal do PSOL], isso quer dizer que apoia Cuba”. É algo virtual, forjado propositadamente para distorcer a opinião pública para um lado.

Foi tão distorcido que pessoas que são de centro são consideradas hoje de esquerda, “tudo comunista”. A Globo, a Folha estão sendo chamadas de extrema esquerda; não acho que sejam.

Outros consideram que essa grande mídia ajudou o Bolsonaro a se eleger.

MA – Claro, mas eu achava a questão dos petistas um pouco mais leve. Não era uma coisa tão pessoal, era contra a instituição. Agora é contra o repórter, acusações gravíssimas, coisas horrorosas sobre as mulheres, pegando o lado sexual. Uma coisa muito covarde, mas ficar de pé é a melhor resposta.

De onde vem seu interesse pelo Carnaval?

MA – Talvez o fato de eu ter ido na Sapucaí aos 3 ou 4 anos tenha me marcado. Minha família é de músicos e o cara que mais gostava de samba na família inteira era eu, criança. Sempre torci para a São Clemente, que é do bairro onde cresci, Humaitá e Botafogo. Depois isso ficou um pouco de lado na minha vida, mas há dois anos uns amigos me chamaram para fazer um samba. Fizemos dez encontros bebendo cerveja, soltando frases.

E como seu samba-enredo foi escolhido?

MA – A disputa aconteceu em oito sábados na quadra. Começam 16 sambas em duas chaves de oito, caem dois de cada uma, depois mais dois, e vai caindo até que sobram três. A gente contrata puxador, cavaquinista e violonista, a bateria é a da escola, e levamos torcida. Com menos de 50 pessoas fica caído, então dá um trabalho.

A diretoria anuncia o campeão, mas cada escola tem um processo. A Tijuca, por exemplo, encomendou um samba do Jorge Aragão. Outras pediram CDs com o samba gravado. Mas a maioria faz disputa.Sua fama como ator trouxe grande visibilidade para a São Clemente.

Você acha que isso ajudou na escolha?

MA – Esse fator teria entrado em campo se não tivéssemos um bom samba, mas o nosso era o melhor da disputa. Falo isso como músico. Tinha um outro muito bom, mais apurado tecnicamente e poeticamente, mas era menos para cima. Portanto, ele empolgou menos a quadra. Por isso, a decisão foi justa. Tudo isso pode ter, sim, uma influência, mas é algo que nunca vou saber.

No ano passado, a São Clemente ficou em 12º lugar, a última escola que não caiu de divisão. Você se sente pressionado para melhorar essa posição?

MA – Quero que o público goste, cante nosso samba. Se isso acontecer, tenho quase certeza que a escola não cai. Se ficarmos em sexto lugar seria um sonho, porque estaríamos no primeiro Desfile das Campeãs. Nunca aconteceu na história da escola. Em 1990, a São Clemente ficou em sexto, mas, justamente naquele ano, o desfile das campeãs teve apenas as cinco primeiras. Estamos há dez anos sem cair, mas não chegamos lá. O público tem grande simpatia pela escola, mas os jurados pesam a caneta.

A São Clemente é a primeira escola da zona sul do Rio. Como você vê isso?

MA – É a única da zona sul. Acho natural, o Carnaval é de todos, de todas as classes, de todo mundo que se dispuser a suar. Eu não estou num camarote, bebendo algo diferente. É legal ter representantes de todas as regiões e é a escola que tem como marca ser irreverente, crítica e alegre. É a única escola que tem essa marca, inclusive nosso mote é “olha a crítica”.

Sempre são sambas divertidos?

MA – A escola havia abandonado essa tendência, mas agora está reencontrando. Estava falando de coisas mais clássicas, o pintor francês Jean-Baptiste Debret, Revolução Francesa. No ano passado e neste ano, voltamos a falar de coisas mais esculachadas, esculhambadas, que é o Brasil.

Teve em 2004 “O Boi Voador” com o refrão: “Todo mundo pelado, beleza pura/ Todo mundo pelado, que loucura/ Ninguém segura a perereca da vizinha/ É um barato a buzina do Chacrinha”. Teve “O Samba Sambou”, de 1990, que é uma crítica ao próprio desfile: “Carnavalescos, dirigentes poderosos/ Dirigentes vaidosos/ Criam tanta confusão/ E o samba vai perdendo a tradição”. É uma escola necessária, muito simpática e o público sabe disso.

Por ser da zona sul, é uma escola com mais brancos do que negros?

MA – Na nossa parceria sim, mas na escola não. Na hora do desfile a coisa é bem dividida. É uma escola miscigenada, que tem todo o espectro e acho isso bonito. E se alguém achar a escola um pouco mais branca, é porque ela é da rua São Clemente, da zona sul, que tem uma população provavelmente mais branca do que a média da cidade.

Parte do seu trabalho mais conhecido é a das paródias musicais. Este samba-enredo está nessa linha de trabalho?

MA – Não. Samba é bem diferente da música pop. O samba é uma música épica. Ou ele explora uma história de tragédia e superação ou uma saga com alegria e conquista, a ilusão do Carnaval. A música popular é mais simplória, a extensão das emoções é menor.

E o samba-enredo vem atrelado a uma história, está conectado a muita coisa. Se fosse o Power Point de Deltan Dallagnol [coordenador da Lava Jato que, em 2016, fez apresentação com acusações contra Lula], ele estaria ali no meio, tudo apontando para o samba-enredo. A evolução, a cadência do desfile, a harmonia, a bateria, tudo isso depende do samba. Tem que ter mais seriedade, mais objetividade e mais poesia do que a paródia. Tudo isso estou aprendendo, é meu primeiro ano.

O Fora de Hora não está tendo críticas tão boas quando o Tá no Ar. O modelo se esgotou? Ou a crítica está errada?

MA – Bom, eu nunca acho que a crítica está errada. Eu não tenho acompanhado tanto. No Tá no Ar eu era roteirista geral, ator, fazia todos os clipes musicais, as locuções. E ainda tinha a Escolinha do Professor Raimundo e mais algumas participações. Era coisa demais. Agora eu faço uma coisa só, que é atuar.

Mas analisando o porquê de o programa de cara não tenha o mesmo sucesso, eu acho que o Tá no Ar elevou muito o patamar. Tinha uma linguagem especial, era muito ácido. Tinha como universo a programação da televisão. Criou uma expectativa grande também porque o novo programa tem um novo elenco muito bom.

A segunda coisa é que o universo da TV é maior do que o universo jornalístico da TV. E esse tem a característica de ser sempre quente. A gente nem grava segunda e terça mais, só de quarta para frente para ficar mais colado no noticiário. É muito mais difícil porque a redação tem que funcionar em cima do lance.

E a história do assédio moral, quando Dani Calabresa e outras artistas acusaram o Marcius Melhem, ator e coordenador do departamento de humor da Globo?

MA – Então, eu não presenciei nada. Até saiu que eu testemunhei e me coloquei do lado delas, mas isso não aconteceu. Também não quis desmentir oficialmente para não parecer que eu não estava do lado delas. É muito simples. O Marcius é meu amigo, a Dani Calabresa também, todos se falam e acho leviano falar porque não presenciei.

RAIO-X

Marcelo Adnet, 38 Ator, compositor, roteirista e apresentador de televisão, nasceu no Rio de Janeiro em 1981. Formou-se em jornalismo, mas logo passou para os palcos, onde desenvolveu seu lado cômico. Começou a chamar a atenção com imitações em 2008, na MTV. Na Globo, escreveu e atuou, entre outros, no programa Tá no Ar. Neste ano, passou a atuar no humorístico “Fora de Hora”, que vai ao ar às terças à noite.

Fonte: Noticias ao minuto
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