Em setembro, a lei que exige a identificação de alimentos alergênicos passou por uma atualização. A norma, sancionada em 2016, obrigava que as embalagens e cardápios informassem a presença de glúten e/ou lactose. Agora, a lista ficou mais extensa: também devem ser destacados ingredientes como leite, peixe, amêndoas, corantes, castanhas, soja, ovo e crustáceos.
A mudança na lista levanta uma preocupação: afinal, estamos mais alérgicos?
Primeiro, é importante entender o que é alergia. Foi assim que começou a minha conversa com a médica alergologista Gabriela Toscano, que me explicou que, quando se fala de alergia, também se fala de um sistema imunológico. A imunidade “ataca” a substância vendo-a como inimiga.
Segundo a médica, o número de diagnósticos de doenças alérgicas tem aumentado, assim como o de doenças autoimunes.
“Não sabemos explicar exatamente o motivo, mas fatores da vida moderna certamente estão envolvidos. Uma alergia, por exemplo, que tem sido muito comum no meu consultório é a de ovo, até mais frequente do que a de leite, que era mais comum anteriormente”, disse.
A vida moderna e a imunidade
Mas o que, afinal, tem mudado? Toscano explica que o consumo de ultraprocessados e o estilo de vida urbano podem interferir na microbiota intestinal, que é essencial para o equilíbrio do sistema imunológico.
As alergias, no entanto, não nascem conosco, elas são desenvolvidas. Algumas aparecem ainda na infância; outras, ao longo da vida.
“Quando falamos de alergia alimentar, a maioria é diagnosticada na introdução alimentar. Uma exceção é a alergia a crustáceos, como camarão e caranguejo, que pode surgir a qualquer momento”, explica.
A prevenção é possível?
A predisposição genética também tem peso. “O principal fator envolvido nas alergias alimentares é a tendência familiar a doenças chamadas atópicas (como asma, rinite, dermatite atópica e esofagite eosinofílica). Quando os dois pais têm histórico de alguma delas, existe até 80 por cento de chance do filho também manifestar alguma delas como sintoma ao longo da vida.”
Nos casos de maior risco, a médica afirma que a prevenção pode começar ainda na introdução alimentar.
“Os estudos mostram que adiar a introdução de alimentos como ovo e amendoim aumenta a probabilidade de alergia. Hoje recomendamos introduzir o ovo cozido por volta dos seis meses e manter o consumo regular até os nove meses, no que chamamos de janela imunológica”, detalha.
Essa janela é o período em que o sistema imunológico do bebê está mais propenso a desenvolver tolerância aos alimentos.
Ainda há outros fatores, por exemplo, diferente da alergia, há a intolerância. A médica explica que a intolerância é um sintoma gastrointestinal causado normalmente por alguma deficiência de enzima ou dificuldade de digestão. “Alergia pode levar até a morte, intolerância não”, explicou.
Alergias podem desaparecer
Nem toda alergia é definitiva. “A maioria melhora espontaneamente com o tempo. Em outros casos, usamos o teste de provocação oral, conhecido como método de dessensibilização, com aumento gradual da ingestão da proteína sob supervisão médica”, explica.
Mas ela alerta: “Nunca se deve oferecer em casa alimentos que já provocaram reação, porque há risco de vida. Isso só deve ser feito com acompanhamento médico.”
Onde posso fazer o teste?
Apesar dos avanços, o acesso a exames ainda é limitado no Sistema Único de Saúde.
“Temos alergologistas em João Pessoa, no Hospital Arlinda Marques e no Hospital Universitário Lauro Wanderley, mas faltam insumos e locais apropriados para realizar os testes. Muitas vezes não há interesse administrativo no investimento”, lamenta.
E agora?
Ainda há muito que não sabemos sobre o aumento das alergias e suas causas. “Não temos estudos que comprovem uma relação direta com hábitos de vida específicos”, diz a especialista. Mas o alerta fica: quanto mais artificial o estilo de vida, mais desafiador parece ser o equilíbrio entre o corpo e o ambiente.