opinião

Vamos ficar iguais aos americanos? - Por Marcos Coimbra

Temos que prestar atenção ao que está acontecendo nos EUA.

Os Estados Unidos, que já foram o símbolo da democracia moderna, são, hoje, o país onde a deterioração democrática está mais avançada. Chegaram a um ponto que parece sem retorno. A possível volta de Trump à Presidência, daqui a três anos, será o fim de tudo (ele lidera as primeiras pesquisas a respeito da eleição de 2024).

Estamos nesse caminho, em um lugar desconhecido. Perto ou ainda distantes? O certo é que, se Bolsonaro fosse vencer a próxima eleição, estaríamos muito, muito perto dos americanos. Mas a distância em relação a essa catástrofe pode não ser grande, caso a vitória de Lula venha com margem estreita. Os próprios EUA mostram o que poderia acontecer caso o capitão conseguisse se apresentar como derrotado por “manipulações” na contagem de votos.

No final de 2020, um grupo de pesquisadores em sociologia, psicologia social, ciência politica e antropologia, reunidos sob os auspícios da Associação Americana para o Avanço da Ciência, AAAS (análoga à nossa Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, a SBPC) publicou estudo procurando compreender e explicar o crescimento do sectarismo na politica americana. Segundo o grupo, os EUA seriam hoje uma sociedade dividida de maneira irreconciliável em duas seitas politicas antagônicas. No limite, cada uma vê a outra como a) constituída por gente essencialmente diferente, que sequer parece pertencer à mesma espécie; b) merecedora de aversão e desconfiança; c) cheia de pessoas mal-intencionadas e imorais.

Em função disso, as derrotas eleitorais de cada “lado” são percebidas por seus integrantes como perdas existenciais, cataclismos pessoais que precisam ser evitados, custe o que custar, mesmo através do uso da violência. Não se disputam eleições, travam-se batalhas.

De acordo com os dados, as tendências à sectarização se aceleraram nos últimos anos, impulsionadas por um fenômeno concomitante: a crescente distinção socioeconômica e demográfica no eleitorado norte-americano. As clivagens raciais, religiosas, educacionais e geográficas se aprofundaram. Ser democrata ou republicano passou a significar, objetivamente, ser diferente do outro.

Quando essas diferenças objetivas se associam às diferenças subjetivas na ideologia e na politica, nascem “superidentidades”, que, por sua vez, passam a exigir níveis mais altos de coerência dos indivíduos: se sou republicano e sou diferente de um democrata, preciso me afastar do que “eles” são. Classe, religião e orientação sexual tendem a ser redefinidas para se adequar à identidade politica. O processo de sectarização avança, retroalimentado por essa dinâmica. Nas palavras de Patrick Egan, outro pesquisador do tema, “os americanos mudam sua identidade para alinhá-la de acordo com a política”.

Por mais diferentes que sejam, cada lado superestima as diferenças que os separam. Tendem a ver os partidários do outro lado como socialmente distintos, imaginando-os como radicais e intolerantes. Para exemplificar: os que se identificam como republicanos supõem que um terço dos democratas é gay (o número é 6%) e os que se sentem democratas calculam que 40% dos republicanos ganham mais de 250 mil dólares ao ano (o número é 2%).

Fonte: Brasil 247
Créditos: Brasil 247