
A homenagem que a Assembleia Legislativa da Paraíba vai prestar ao senador Raimundo Lira (PMDB) através da outorga da comenda Epitácio Pessoa, a de maior destaque na Casa, é o justo reconhecimento a um homem público que tem histórico de serviços prestados ao Estado, bem como um tributo à sua atuação parlamentar, que na verdade se iniciou na década de 80.
Lira surgiu no cenário político paraibano elegendo-se senador e derrotando nas urnas o ex-governador Wilson Braga. Era um jejuno em matéria de política e um ilustre desconhecido da população no Estado. A crônica política local definia Lira como um azarão no páreo. E ele triunfou de forma espetacular, cravando um marco na história.
A ascensão política de Lira foi uma conjugação de fatores em que se juntaram a sua pertinácia para obter um mandato parlamentar, os reflexos colaterais do Plano Cruzado que beneficiou candidatos do PMDB e um certo desgaste pontual que a liderança de Wilson começava a experimentar.
Quem “descobriu” Lira politicamente foi o ex-governador Tarcísio Burity, também ele um neófito na política, retirado da cátedra para governar o Estado em 79 quando o ocupante da cadeira no Palácio da Redenção era ungido em Brasília pelo poder central, enfeixado por militares que se revezaram à frente do sistema. Lira estava posto em sossego na atividade empresarial, como revendedor de marcas automobilísticas em Campina Grande, quando foi convocado a emprestar reforço à chapa majoritária que reconduziu Burity ao governo, agora pelo voto direto e cristalino, disputado a céu aberto nas praças públicas.
Na condição de parlamentar, Lira projetou-se de maneira fulminante ao assumir a presidência da Comissão de Assuntos Econômicos, uma das mais importantes do Senado e que tinha a prerrogativa de dar a palavra final sobre autorização de empréstimos internos e externos ao governo.
É possível que o poder tenha subido à cabeça de Lira, fazendo-o cogitar a hipótese de uma candidatura sua ao Executivo. Tudo foi muito rápido na sua trajetória política e qualquer um, na sua posição, ficaria deslumbrado. Ele estava sendo apresentado a um admirável mundo novo e, nessas circunstâncias, todo e qualquer cenário é fantástico ou impressionante. Tanto que o empresário buscou demarcar espaço de autonomia e de independência, o que o levou a um rompimento com o criador que o tornou criatura política – Tarcísio Burity. Era fogueira de vaidades, claro – conjuntura em que as decisões são geralmente emocionais, irrefletidas.
Deu-se, também, que ambos – Lira e Burity, gravitaram na órbita de um terceiro fenômeno político, Fernando Collor de Melo, autodenominado “caçador de marajás” na República das Alagoas, que virou o mapa nacional de cabeça para baixo ao se eleger presidente da República em 89, destronando líderes veteranos como Ulysses Guimarães e Mário Covas e confrontando-se com um líder emergente, Luiz Inácio Lula da Silva, forjado nas greves e nas lutas sindicais no ABC paulista.
Collor teve que montar palanque duplo em nosso Estado para acomodar Burity e Lira no estreito metro quadrado e, na sequência, encher o cesto de votos que o conduziriam à Meca, uma vez atravessado o Rubicão. Logo Collor decepcionou a Paraíba, decretando a liquidação extrajudicial do Paraiban, uma punhalada nas costas do governador Burity. Depois, Collor decepcionou o país todo, revelando-se uma farsa no manequim político. Havia sido um produto de marketing e em pouco tempo sofreu o primeiro processo de impeachment na história brasileira, por volta de 1992.
A tríade Collor-Burity-Lira poderia se reencontrar lá na frente, desafiando a lógica que ignora a probabilidade de queda de um raio no mesmo lugar por duas vezes consecutivas. Eis que Burity se descolou da tríade, engolfado por uma crise sem precedentes na Paraíba que o obrigou a tomar medidas impopulares e, em paralelo, praticar um haraquiri político. Burity nunca mais ocupou cargos públicos.
Lira não chegou ao Palácio da Redenção nem ocupou mais espaços em Brasília, onde a atmosfera é extremamente mutável. Mas a sorte continuou a bafejá-lo. Suplente de Vital do Rêgo, que se elegeu senador em 2010, Lira foi reconvocado a ir para o Senado novamente, quando Vital renunciou para assumir posto no Tribunal de Contas da União. E, novamente, Lira se projetou de forma impactante, tendo sido o presidente da Comissão processante do impeachment da presidente Dilma Rousseff. Teve uma postura equilibrada no processo que mexeu com paixões e com os sentimentos mais primitivos da alma humana e se credenciou a voos futuros.
O gesto dos deputados Adriano Galdino e João Gonçalves, propondo a homenagem por parte da Assembleia ao senador Raimundo Lira, insere-se como capítulo de toda a trajetória que narramos aqui para situar o leitor a respeito de personagem que se põe em evidência. Em política é preciso ter sorte, além das outras qualidades – conceito que Napoleão aplicava ao seu exército nas lutas que empreendeu e que se tornaram épicas.
Lira tem estrela e demonstra que sabe polir bem essa estrela. A teoria do raio materializou-se não para chamuscá-lo mas para bafejá-lo – e ele apenas colhe os louros, como qualquer um faria. Qual o futuro de Lira? Nem ele sabe, e é possível que tenha desistido de fazer projeções aleatórias. Trata-se de um homem predestinado a esperar sua vez. E chances não faltam no calendário, valendo ressaltar que a homenagem da AL retrata com fidelidade o instantâneo da conjuntura atual em que Lira aparece bem, muito bem, na fita.
Fonte: NONATO GUEDES
Créditos: OS GUEDES