zero voto

Quase mil mulheres "sem voto" em 2016, voltam a se candidatar em 2020

Um levantamento feito pelo G1 revela que 975 candidatas mulheres que não receberam nem sequer um voto em 2016 voltaram a se candidatar nestas eleições. Em 99% dos casos, as mulheres lançaram a nova candidatura no mesmo município pelo qual "concorreram" em 2016. Porém, mais da metade das candidatas (57%) mudou de partido.

Um levantamento feito pelo G1 revela que 975 candidatas mulheres que não receberam nem sequer um voto em 2016 voltaram a se candidatar nestas eleições. Em 99% dos casos, as mulheres lançaram a nova candidatura no mesmo município pelo qual “concorreram” em 2016. Porém, mais da metade das candidatas (57%) mudou de partido.

Quase todas as mulheres (98%) continuam buscando uma cadeira na Câmara Municipal. Elas disputam por 27 partidos, sendo que MDB, PSD e PP registram o maior número das mulheres ‘zeradas’ em 2016 que concorrem em 2020. Os estados com o maior número dessas candidaturas são Bahia, Minas Gerais, São Paulo e Maranhão.

Os partidos começaram a aumentar o número de candidaturas de mulheres após a minirreforma eleitoral de 2009. A emenda tornou obrigatória a cota de, no mínimo, 30% para candidaturas de mulheres em eleições proporcionais (como a de vereador). Antes disso, uma lei previa a reserva de 30% das vagas para as mulheres, mas os partidos deixavam essas vagas vazias.

Especialistas ouvidas pelo G1 afirmam que as mulheres se interessam por política, mas enfrentam barreiras para o lançamento de candidaturas e também para ter sucesso eleitoral (como o financiamento de campanha). Elas destacam que os partidos ainda são dominados por homens, que não têm interesse em incentivar a participação de mulheres e que temem perder espaço ou cargo na vida pública.

“As ‘candidatas laranjas’ ainda existem porque alguns partidos políticos não conseguem ou não se interessam em cumprir a cota mínima de candidatas mulheres e, em vez de procurar candidatas potenciais, preferem fraudar as candidaturas”, diz a advogada eleitoral Eloiza Almeida.

A eleição municipal de 2016 teve, no total, 141.118 candidaturas de mulheres na disputa por uma vaga de vereadora. Desse montante, 14.473 não receberam nem mesmo o próprio voto (10% do total). Considerando o total de candidaturas a vereador que não receberam nem sequer um voto em 2016, 89% eram de mulheres e apenas 11% de homens.

Zero voto em 2016

G1 localizou sete candidatas que registraram zero voto na eleição municipal de 2016 e que voltam a concorrer em 2020. Parte delas nem sequer menciona nas redes sociais que está na disputa. Apenas uma candidata a vereadora reconhece que seu nome foi lançado em 2016 apenas para cumprir a cota de 30% de candidaturas de mulheres. As demais dizem que problemas de saúde e cuidados com os filhos foram determinantes para elas não fazerem campanha e não receberem votos.

Moradora de Belo Campo (BA), Magna Reis reconhece que a sua candidatura em 2016 foi apenas para cumprir o número mínimo. Ela lançou a candidatura pelo PSD e obteve zero voto. Agora, diz que “é diferente” e que realmente vai “lutar pelas mulheres”. “[Em 2016] fui convidada a me candidatar para preencher a chapa. Existe a quantidade de mulheres para preencher a chapa em um partido, assim como a de homens”, diz.

Eva Vilma concorreu a vereadora em Olinda (PE) pelo PPS (atual Cidadania) e também não recebeu nem o próprio voto. Nestas eleições, ela está de novo na disputa e diz que desistiu em 2016 porque teve um “grave problema de saúde” e que o tratamento médico a impediu de continuar com a campanha. Ela conta que chegou a solicitar a desistência da candidatura ao partido. “Sou candidata novamente porque, mesmo não estando 100% recuperada, preciso concluir minha missão.”

Camilinha Rocha é outra candidata a vereadora que obteve zero voto em 2016. Ela trocou o PTB pelo Republicanos e diz querer lutar por uma mudança na administração pública e por melhorias na cidade para os filhos. Candidata em Cajamar (SP), ela afirma que desistiu de concorrer na eleição municipal passada por conta dos “filhos pequenos”. “Nem eu mesma votei em mim.”

Em Itatira (CE), Nagila Macedo (PP) diz que não teve voto em 2016 porque estava nas últimas semanas da gestação. “Estava de licença e não tinha como sair [de casa]. Mas prestei contas de tudo, e neste ano tive a oportunidade de ser chamada. Estou concorrendo novamente ao cargo de vereadora”, afirma.

Candidata a vereadora em Cairu (BA), Lidinea da Silva diz que teve um “problema seríssimo de saúde” e que, por isso, deixou de fazer campanha. Ela lançou a candidatura novamente pelo PSD. “Foi um ano muito conturbado pra mim. Talvez não estaria aqui agora pra conversar com você.”

A candidata Maria Patrocinio, que concorre a vereadora em Alto Alegre (SP), também afirma que ficou doente e que não pôde fazer campanha. Ela continua filiada ao PP. “Acho que as mulheres e a ‘turma’ da terceira idade podem votar em mim. Tenho bastante conhecimento e nasci aqui. Não vou ficar com zero voto agora. Já estou trabalhando.”

Zuleide Carneiro é outra candidata a vereadora que não recebeu votos em 2016. Neste ano, tentará de novo uma vaga na Câmara de Bocaiúva do Sul (PR), pelo Republicanos (ex-PRB). Ela afirma que não fez campanha da outra vez por “problemas familiares” e que espera ter mais votos para “ser eleita ou pelo menos ajudar a legenda”.

‘Candidatas laranjas’

A professora e coordenadora do Programa Diversidade da FGV Direito Rio, Ligia Fabris, afirma que vários aspectos precisam ser levados em conta para identificar uma fraude, como as ‘candidatas laranjas’. Por exemplo, a movimentação de recursos, a criação de uma página na internet para campanha e a produção de material de campanha.

“O fato de não terem recebido nenhum voto (sequer de quaisquer amigos ou parentes, sequer delas próprias) pode ser um forte indicativo de que se trata de candidaturas fraudulentas. Mas a ausência de votos não é o único elemento. É preciso investigar outros aspectos. Elas podem ter desistido da candidatura no meio da campanha por qualquer razão pessoal, por exemplo. Por isso, é fundamental o papel do Ministério Público para investigar e também a participação da sociedade civil para fazer denúncias”, afirma.

A professora da FGV Direito Rio acrescenta ainda que também pode haver fraude quando uma candidata recebe muito dinheiro para a campanha, mas não obtém voto. Ligia lembra que a população deve denunciar irregularidades e que a Procuradoria Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, por exemplo, abriu um canal específico para colher acusações em relação às candidatas mulheres.

“Em algumas situações, a candidata nem sabe que está sendo usada ou acredita verdadeiramente em sua candidatura, mas não recebe do partido capital político e financeiro para competir. Esse tipo de candidatura normalmente não recebe investimento e nem voto, não tem página em rede social, tempo de propaganda na TV, site, e-mail ativo ou qualquer indicação de campanha.”

Segundo Ligia Fabris, as candidaturas femininas costumam ser vistas como pouco competitivas e elas não têm, em regra, apoio dos partidos. Algumas candidaturas de mulheres são encaradas como “coadjuvantes”; e outras, “laranjas” ou “fantasmas”. Em alguns casos, as mulheres são incluídas apenas para cumprir a cota e sem acesso a recursos ou incentivos para fazer a campanha – ou nem mesmo sabem que são candidatas.

Para a professora da FGV Direito Rio, ainda é preciso fazer mudanças para diminuir a desigualdade entre homens e mulheres na política. Ela cita, por exemplo, que a cota de 30% para candidaturas de mulheres está “muito aquém do que seria adequado em termos de igualdade de representação” e que “não há instrumentos coercitivos adequados, ou seja, punições na lei para que esse patamar mínimo seja efetivamente cumprido”.

“Um aspecto particularmente grave desta última dimensão são as frequentes fraudes ao sistema de cotas, sobretudo por meio da criação de candidaturas meramente formais: os partidos apresentam candidatas mulheres apenas para preencher os requisitos legais.”

Ela acrescenta ainda que o plenário do Tribunal Superior Eleitoral já autorizou a cassação de toda uma coligação na qual ficou comprovada fraude de duas coligações no preenchimento de cota por gênero, em Valença do Piauí (PI), na eleição municipal de 2016.

Mulheres na esfera doméstica

A professora afirma ainda que o discurso da diferença e dos espaços “naturalmente” apropriados para cada gênero contribui fortemente para a aceitação da não interferência da mulher na coisa pública. Por consequência, esse discurso contribui para a normalização da ausência de mulheres nesses espaços e nesses debates. Segundo ela, esse discurso produz “muito prejuízo”.

“Com essa ideia da vinculação ‘natural’ das mulheres à esfera privada (e doméstica), as mulheres ficam alheias aos espaços de poder, que eram então ocupados por homens. Internalizam obrigações domésticas, familiares e de cuidado, o que torna, por exemplo, a sua disponibilidade de tempo, muitas vezes, limitada em relação a outras demandas, como a grande dedicação necessária para se fazer campanha política, por exemplo.”

Ligia Fabris acrescenta ainda que a sobrecarga de trabalho doméstico e de cuidado em razão da pandemia da Covid-19 também afetou mais as mulheres, que já gastavam, em média, o dobro do tempo que homens com trabalho doméstico. “Casamento para as mulheres representa uma desvantagem, porque é ainda mais trabalho: elas acabam absorvendo o do marido também. Curiosamente, as solteiras e divorciadas, por não terem mais esse ônus, passam a ter mais possibilidade de se candidatar. Para os homens, de outro lado, casar-se representa um ganho de tempo, uma vantagem.”

A advogada eleitoral Eloiza Almeida reforça que a população feminina ainda é a mais responsável pelas atividades domésticas e pela criação dos filhos (jornadas duplas e até triplas) e que a imposição de uma quarentena acentua essa questão ao confinar mães trabalhadoras e filhos na mesma casa (dado o fechamento das escolas).

Eloiza Almeida, que faz parte do escritório Ribeiro de Almeida & Advogados Associados, diz ainda que a política brasileira “ainda é carregada de integrantes do sexo masculino” e que “os grandes caciques dos partidos políticos ainda são homens e não estão necessariamente interessados em trazer mulheres para as agremiações partidárias”.

Ela lembra que, apesar de ter havido uma conscientização da população e uma pressão nos políticos, as mulheres ainda são apenas 15% da Câmara dos Deputados e 13% do Senado Federal. Além disso, ela destaca que poucas mulheres foram ministras nos últimos governos. Para ela, o eleitor também deve buscar candidatas mulheres, e não apenas esperar por mudanças na lei.

“Cabe principalmente aos eleitores, independentemente de gênero, a busca por candidatas com as quais se identifiquem. As cotas, as reservas e as campanhas devem definitivamente ser implementadas. Entretanto, no final, a eleição de mais mulheres virá da população.”

 

Fonte: G1
Créditos: Polêmica Paraíba