
Havia um clima estranho no ar nos salões do Congresso, na quarta-feira (25). Foi o dia em que a Câmara derrubou o projeto com novas alíquotas para o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e o Senado referendou o aumento, de 513 para 531, no número de deputados federais.
Era um clima semelhante ao período que antecedeu o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016: parlamentares de oposição elétricos, procurando jornalistas, dando entrevistas aos montes.
Agora como naquela época, os integrantes do centrão andavam com um certo ar de descompromisso com a situação e um sorriso enigmático no rosto.
Clima semelhante ao do impeachment de Dilma Rousseff? Será que passa pela cabeça do centrão a possibilidade de impeachment do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, um petista como Dilma?
É verdade que a chamada Faria Lima já decidiu: não quer um novo mandato presidencial de Lula. Boa parte da Mídia, também. Mas clima de impeachment?
Como na época da Dilma, naquela quarta-feira quase todos os poucos políticos presentes no Congresso apontavam os erros do governo, dos articuladores políticos do Palácio do Planalto e até da chefia do Poder Executivo. Ou seja, do presidente Lula.
Boa parte da Mídia, também.
E como ocorria em 2016 – e em qualquer outro momento da história do Brasil – o centrão e seus similares continuam mandando no Congresso. Sem, no entanto, se satisfazer, mas conquistando pedaços cada vez maiores de poder no Executivo.
Outra semelhança entre os dois momentos: o presidente do Senado da época da Dilma, Renan Calheiros (MDB-AL), era próximo do governo. Assim como o atual, Davi Alcolumbre (União-AP), aparenta se dar muito bem com Lula.
O MDB de Renan e o União Brasil de Alcolumbre, têm – e tinham – um pé dentro e outro fora da Esplanada dos Ministérios.
Mais. Foi com o presidente da Câmara de então, o deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ), que eclodiu o processo formal de impeachment. A relação dele com Dilma era péssima.
E foi o presidente da Câmara de hoje, Hugo Motta (Republicanos-PB), quem surpreendeu e derrotou o governo colocando em votação o mérito do projeto de aumento de alíquotas do IOF.
De fato, há muita semelhança do relacionamento do Congresso com o presidente Lula e com a ex-presidente Dilma Rousseff.
Mas há diferenças gritantes entre os dois momentos que precisam ser levadas em conta. A maior delas é na economia.
O primeiro mandato de Dilma teve redução de impostos e um início de crescimento econômico impulsionado pelo consumo interno.
Mas Dilma assumiu seu segundo mandato, em 2014, em um ambiente conturbado, interna e externamente. Acabou sendo um governo marcado por inflação e estagnação na economia a partir de 2012.
A queda dos preços das commodities no mercado internacional abalou o país, que é baseado na exportação de matérias-primas. No front interno, simples protestos contra um aumento de vinte centavos nas passagens de ônibus em São Paulo se espalharam por outros estados.
A partir daí e até o impeachment, em 2016, o Brasil viveu um período marcado pela grave crise econômica. Em 2015, o Produto Interno Bruto foi negativo, caiu 3,5%. E caiu outros 3,3% em 2016.
Já agora, no governo Lula, o PIB brasileiro cresceu 2,9% em 2023, e 3,4% em 2024.
No ano do impeachment de Dilma, a taxa de desemprego ficou em 12%.
Por conta da recessão nesse período, o desemprego atingiu o auge já no ano seguinte à saída de Dilma. Chegou a 13,7%, o que representava 14,2 milhões de brasileiros desempregados.
Hoje, a taxa de desemprego está em 6,2%. Segundo o IBGE, agora em maio o número de pessoas trabalhando no país bateu novo recorde. Foi para 103,9 milhões, e a renda média do trabalho também é recorde: R$ 3.457 por mês.
Na região Nordeste, a renda média cresceu 20%.
A taxa de inflação, que Dilma recebeu do segundo governo Lula a 5,9%, bateu 10,67% em 2015. Segundo o Banco Central, a inflação estimada para 2025 é de 4,9%. Próxima dos 4,83% de 2024.
O quadro econômico, então, é absolutamente diferente. A política de cerco e aniquilamento contra Dilma deu certo com a ajuda de uma economia em frangalhos e da incapacidade política pessoal da ex-presidente.
A sua antipatia pessoal produziu inimigos figadais não só na oposição e no centrão, mas até mesmo em seu partido, o PT.
Vale lembrar que Eduardo Cunha decidiu abrir o processo de impeachment depois que a bancada do PT votou por sua cassação no Conselho de Ética. Ele havia avisado que abriria o processo contra Dilma se o PT votasse por sua derrubada.
A bancada petista, que já não morria de amores pela então presidente, foi em frente contra Cunha. Jogou lenha na fogueira.
Antes disso, figuras importantes no campo da esquerda já estavam rompidas com Dilma. A então senadora petista Marta Suplicy (SP) era uma delas. Marina Silva foi sua adversária na eleição presidencial após abandonar o ministério de Lula numa briga com a própria Dilma.
Lula, por sua vez, não é apenas um presidente da República petista. É o líder máximo do partido, com influência em todas as siglas da esquerda. Difícil imaginar que o PT lave as mãos em relação a Lula como fez com Dilma.
Diferentemente da ex-presidente, Lula é um líder carismático, que passou a nominar o que seria praticamente uma corrente dentro da política brasileira: o lulismo.
O termo foi cunhado pelo cientista político André Singer e citado como modelo por diversos políticos da América Latina, incluindo o uruguaio José Mujica.
Para Singer, “o lulismo é um modelo de mudança dentro da ordem, até com um reforço da ordem”.
Esse caráter ao mesmo tempo ambíguo e personalista dá a Lula a possibilidade de trafegar por vários setores exercendo seu carisma.
Foi assim que ele fez uma multidão de seguidores aguardarem por cinco anos seu retorno e conquistou votos de setores que não aceitaram o radicalismo ultraconservador dos aliados de seu adversário, Jair Bolsonaro.
Por isso, devem tomar cuidado os que veem semelhanças entre o atual momento de Lula e o governo Dilma Rousseff, se porventura pensem em impeachment.
Afinal, Luiz Inácio não é Dilma Rousseff.