POSICIONAMENTO DO PDT

Dias antes de crise, Ciro se comparou a Tabata e disse que ela fazia 'caminho certo' - VEJA VÍDEO

Poucos dias antes de começar a defender a saída de Tabata Amaral de seu partido, o PDT, Ciro Gomes teve uma conversa em outro clima, bem mais ameno, com a até então aliada.

O papo, gravado em vídeo e publicado no canal do ex-presidenciável no YouTube, ganhou novo significado desde que eclodiu a crise envolvendo a parlamentar, ameaçada de expulsão da legenda por ter contrariado ordem e votado a favor da reforma da Previdência.

“E esquerda agride, e a direita agride. O que é um sintoma muito forte de que você está no caminho certo. Minha vida sempre foi assim”, disse o líder do PDT à novata, em certo momento —veja abaixo trechos do vídeo.

Durante a prosa de 57 minutos no “Repare Bem” (nome do programa de entrevistas), Tabata e Ciro anteciparam temas que viriam a ganhar protagonismo no debate sobre infidelidade partidária tanto no PDT quanto no PSB, outra legenda que teve defecções.

Àquela altura, a parlamentar já era cobrada por não ser, segundo críticos, “suficientemente de esquerda”. Assim como o movimento de renovação que ajudou a fundar, o Acredito, a estreante adotava um discurso híbrido, que confundia eleitores mais afeitos a rótulos.

“Eu me considero de esquerda, mesmo que o povo não queira me…”, asseverou ela na entrevista a Ciro, sendo interrompida. “Não precisa você se considerar, [sendo] uma pessoa com essa história. Nenhum boboca desse calça o teu sapato”, disse ele, exaltando-a por vencer vindo de onde veio.

Tabata cresceu na periferia da zona sul de São Paulo. No vídeo, como já tinha feito em outras aparições ao lado da deputada, Ciro valorizou a trajetória dela e seu trabalho pela bandeira da educação. Frisou que as conquistas ganham “ainda mais relevo” quando se sabe a idade dela, 25 anos.

Como a Folha mostrou, o ruído provocado pela posição dela a favor do texto da Previdência apresentado pelo governo Jair Bolsonaro (PSL) foi responsável por sepultar o clima de lua de mel entre a parlamentar e os líderes da sigla. Ela era cotada para disputar a Prefeitura de São Paulo, plano que acabou abortado.

O ex-presidenciável se referiu a ela no encontro em Fortaleza como uma mulher de “valor extraordinário” e conduziu a conversa em meio a debates sobre astrofísica (área na qual ela se formou na Universidade Harvard, nos Estados Unidos), educação, desigualdade social e política brasileira.

“Presta atenção no serviço, magote de fuleiragem. Nenhum de vocês causa o sapato dessa moça”, disse em defesa da interlocutora, recorrendo a termo comum no linguajar cearense (magote é o mesmo que grupo ou bando).

“A esquerda não quer emancipar o povo, quer tutelar. Esse petismo, vamos ter clareza. Esse petismo corrupto não quer emancipar o povo, quer fazer o povo ser dependente, do carismático, do dono da bola e tal”, continuou.

Para detratores de Ciro no episódio, é ele quem simboliza uma esquerda ultrapassada, demasiadamente fechada e afeita a um purismo ideológico.

Nesta quarta-feira (17), instado a comentar o episódio com Tabata durante evento em Salvador, o pedetista fustigou novamente o partido do ex-presidente Lula. “Uma turma do PT fica agredindo a Tabata e o PDT como se nós fôssemos pouco fiéis à luta do povo, e o PT fosse o perfeito guia genial dos povos que não falha”, disse.

A divergência da cúpula do PDT com os parlamentares que deram sim à reforma suscitou também um debate sobre posições sectárias nos partidos, acusados de serem mais suscetíveis a dogmas do que a evidências.

Tabata até justificou sua postura sobre a mudança no sistema de aposentadorias, falando que uma reforma era urgente e que buscaria apresentar emendas para melhorar a proposta e corrigir injustiças. Mas choveram bordoadas mesmo assim, com xingamentos como “traidora da esquerda” e “vendida”.

O movimento Acredito, que ela ajudou a fundar, considera que comportamentos como o da deputada dão “um nó” na lógica da polarização. Para a organização, parlamentares que optam por não serem radicais confundem um sistema habituado ao embate entre dois extremos.

Na entrevista a Ciro, ela disse que foi “bem doida de ir para a política”. Indagada por ele, acrescentou: “Lá [em Brasília] tem gente que é muito doida, mas ser um pouquinho é importante, ou necessário”.

O dia em que confrontou o então ministro da Educação, Ricardo Vélez, em uma sessão no Congresso, foi descrito positivamente pelo pedetista. “A Tabata pegou esse lunático que o Bolsonaro nomeou primeiro para ministro da Educação […]. O homem saiu de lá para ser demitido. Aí ela começou a mostrar que não veio para brincar, não.”

No vídeo, Tabata lançou mão do discurso que agora busca reforçar, para resguardar sua imagem diante de toda a controvérsia em que se meteu. Ao falar da necessidade de participação feminina na política, ela cobrou mudanças das siglas.

A frase foi: “A gente tem que continuar brigando para que os partidos sejam cada vez mais abertos, mais democráticos”.

É a mesma linha de argumentação usada, por exemplo, na coluna publicada por ela na Folha no domingo (14). No artigo, a parlamentar repudiou as barreiras dentro das estruturas partidárias e afirmou que “consensos sobre pautas complexas não são construídos de baixo para cima”.

Procurada, a assessoria de Ciro disse que ele mantém o respeito e a admiração por Tabata, mas defende sua saída do PDT por considerar que ela está na legenda errada e deve buscar uma agremiação mais próxima de suas ideias. A deputada se recolheu, e seu gabinete informou que ela não iria se manifestar.

Os sorrisos de um para o outro só sobreviveram mesmo no YouTube.

Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Joelmir Tavares