misoginia oficial

Crivella, mulher entende de futebol. Mas não entende comentário machista - Por Débora Miranda

Marcelo Crivella (PRB), atual prefeito do Rio de Janeiro, achou de bom tom fazer piada com a ciclovia Tim Maia, cuja estrutura já caiu várias vezes, em uma delas causando a morte de duas pessoas. Durante um evento há dois dias, afirmou:

“Tem muito vascaíno aqui, não? Eu queria até consultar vocês. O pessoal está me sugerindo colocar o nome da ciclovia de Vasco da Gama. Está caindo muito”, disse ele, referindo-se aos rebaixamentos sofridos pelo time carioca — três no total.

Houve quem achasse graça. O Vasco soltou uma nota oficial dizendo o que para a maior parte das pessoas era óbvio: “O Club de Regatas Vasco da Gama repudia a descabida declaração do prefeito Marcelo Crivella e lamenta que o chefe do Poder Executivo Municipal, eleito para zelar pelo bem público e, sobretudo, pela vida dos cidadãos, tenha se referido de forma tão desrespeitosa a uma tragédia com perdas humanas. O Vasco da Gama se solidariza com os parentes e amigos das vítimas da queda da ciclovia Tim Maia”.

O próprio Vasco, que poderia ter se irritado com a “zoeira” do prefeito botafoguense diante de momentos dramáticos de sua história, preocupou-se apenas em deixar o recado da sensibilidade e da empatia.

Hoje, em um outro evento a que compareceu, Crivella foi questionado por uma repórter se pediria desculpas pela “brincadeira”.

Vocês são meninas, não entendem nada. Pelo menos na minha época não entendiam. Mas os meninos a vida inteira brincaram. Flamengo contra Fluminense, Botafogo e Vasco. Domingo tem jogo do Botafogo e Vasco e se eu ficar fazendo crítica do Vasco pode dar azar para o meu time”, declarou o prefeito.

Parênteses rápido para lembrar o seguinte episódio: em debate com Marcelo Freixo, na campanha de 2017, na Rede TV!, durante os comentários finais, Crivella disparou:

“Eu quero agradecer a você, Mariana [Godoy] e dizer que esse sucesso todo é por causa de vocês. Com certeza a beleza de vocês encantou os telespectadores e a todos”, afirmou o candidato, achando oportuno destacar a beleza da jornalista em vez de sua inteligência e de seu profissionalismo no comando do debate. Mariana encerrou o programa com ironia: acenando aos telespectadores com um tchauzinho de miss.

Marcelo Crivella é de 1957. Isso significa que, quando ele nasceu, mulher era proibida de jogar futebol no Brasil. E assim permaneceu até 1979 –quando Crivella já tinha 22 anos e provavelmente acompanhava os jogos do Botafogo há anos. Muitas mulheres que amavam o esporte –desde antes de 1941, quando o governo decretou o veto, há registros de mulheres apaixonadas por futebol, jogando e torcendo– não tiveram oportunidade de fazer o mesmo.

Desde a liberação do futebol feminino, que aconteceu de forma mais efetiva nos anos 1980, as mulheres vêm numa longa batalha por espaço e reconhecimento. Dentro de campo, nas arquibancadas, como profissionais do esporte e também no jornalismo. As pioneiras enfrentaram preconceito, descrença e ironia. E resistiram.

E a resistência segue forte até hoje, pois ela é necessária. Nos comentários deste post, aqui embaixo, logo aparecerão frases desmerecendo o talento feminino, dizendo que as mulheres só reclamam, que futebol feminino é ruim etc etc etc. E ninguém precisa gostar, ninguém precisa assistir, mas todo o mundo precisa respeitar.

Hoje não tem mais veto –pelo menos não na lei– e vai ter mulher jogando bola, sim, prefeito. Vai ter mulher falando de futebol, vai ter mulher nas arquibancadas do Botafogo, vai ter mulher comentarista na Copa em TV aberta. Porque tem algumas coisas de que a gente não entende nada mesmo –como piadas insensíveis e reprodução de discurso machista em pleno 2019–, mas com certeza entre elas não está futebol.

 

* O texto não reflete, necessariamente, a opinião do Polêmica Paraíba

Fonte: UOL
Créditos: Débora Miranda