Mulheres na política

"Achava que nada seria pior que disputar contra Bolsonaro", Manuela d´Ávila explica o que é violência política de gênero e comenta eleições no RS

Manuela d'Ávila (PCdoB) chegou em casa na noite do dia 12 de novembro, após o último debate do primeiro turno, e não conseguia parar de chorar

Concorrendo à Prefeitura de Porto Alegre no ano passado e em primeiro lugar nas pesquisas, Manuela d’Ávila (PCdoB) chegou em casa na noite do dia 12 de novembro, após o último debate do primeiro turno, e não conseguia parar de chorar.

Havia sofrido uma série de ataques pessoais do também candidato Rodrigo Maroni (PROS), seu ex-namorado, que a chamou de mentirosa, “patricinha mimada” e disse que “se fosse abrir a boca, acabaria com a sua vida”, ao vivo. Entre os candidatos homens, a discussão era sobre capacidade de governar e corrupção.

“Foi a pior noite de todas as eleições que concorri. Achava que nada seria pior do que disputar a eleição de 2018, contra Jair Bolsonaro. Estava errada”, relembra Manuela, que já foi candidata oito vezes, em entrevista a Universa. “O que mais me chocou foi que os candidatos homens silenciaram diante daquilo. Chorei pela violência que sofri. Mas lembrei que estou no topo da pirâmide, que tenho voz, e que era importante falar sobre o que passei para dar nome ao problema.”

A primeira ideia era lançar um livro no formato de diário de campanha falando sobre violência política de gênero, termo usado para se referir a agressões específicas que mulheres sofrem no meio político. Mas mudou de ideia e, no dia seguinte ao fim das eleições – ela perdeu no segundo turno para Sebastião Melo (MDB) – começou a disparar convites para colegas políticas pedindo que escrevessem artigos. Com 14 convites aceitos, além da sua própria participação, Manuela organizou o livro “Sempre Foi Sobre Nós” (ed. Instituto E Se Fosse Você?), que será lançado no próximo 8 de março, Dia Internacional da Mulher.

A seguir, ela fala sobre as violências que já sofreu, em entrevista ao Universa, do UOL:

O que é violência política de gênero e em que se difere aos ataques comuns do meio?

MANUELA D´ÁVILA – É um sistema de diversas ações, verbais, físicas, psicológicas, que agridem as mulheres que estão na política e tentam, de um lado, minar a credibilidade delas e, de outro, fazer com que não continuem na carreira ou nem comecem. A diferença é que os homens não são submetidos a ataques que versam sobre sua intimidade, privacidade. Eles são atacados no máximo em relação à sua integridade em ser honesto ou corrupto, aí é disputa política mesmo. Mulheres são agredidas pela sua aparência, por seus relacionamentos.

As pessoas precisam entender que não estamos dizendo que não podemos ser criticadas, só queremos ir para o mesmo lugar deles, onde o debate é sobre ideias e não sobre a vida privada.

Você foi uma das mulheres mais atacadas nas eleições de 2020. Quais foram as piores situações que viveu?

A pior foi a noite depois do último debate do primeiro turno. Eu estava muito chocada, mas o maior choque foram os homens que silenciaram diante da violência contra mim. Enfrentei o bolsonarismo em Porto Alegre, era a única mulher de esquerda que poderia governar uma capital, virei o alvo prioritário. Estou falando de um debate, mas foram dez, em uma campanha de um ex-namorado [o também candidato Rodrigo Maroni] com ataques pessoais e silêncio cúmplice de outros candidatos. Pela primeira vez na vida pensei em desistir no meio de uma campanha.

O que te ajudou a chegar ao fim?

Tenho um companheiro que me ajuda a enfrentar a violência e o machismo [o músico Duca Leindecker]. Ele é muito meu parceiro, é alguém que está do meu lado e que me ajuda a enxergar que não é culpa minha. Quando uma pessoa escuta sua dor, é diferente. Ter esse apoio foi muito importante para não desistir.

Que tipos de violências são descritas pelas mulheres no livro?

Tem desde o prefácio da Anielle Franco, irmã da Marielle, até o caso da vereadora Isa Penna (PSOL) que sofreu assédio sexual no plenário da assembleia de São Paulo em dezembro passado. Tem também a Talíria Petrone (PSOL-RJ), permanentemente ameaçada de morte, a Maria do Rosário (PT-RS), que recebeu ameaças contra a filha, a Dilma Rousseff (PT) falando sobre o processo do golpe.

Como foi o contato com a Dilma e sobre o que ela fala exatamente?

Foi engraçado, por que mandei mensagem para ela e para as outras mulheres logo depois das eleições. Elas não acreditavam que estavam recebendo mensagem minha assim que acabou. Dilma aceitou na hora, ela é uma querida. E é uma personagem importante, devemos fazer justiça à forma como ela foi tratada. O início da dimensão que passamos a ter sobre violência política de gênero é o impeachment. Não dá para esquecer o que aconteceu, pensar que fizeram adesivo dela com as pernas abertas, uma senhora da idade da minha mãe. Não acho que o golpe foi por gênero, mas a forma como o processo foi construído tem a ver com isso.

A deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) também foi muito atacada em 2020. Pensou em convidá-la?

Eu pensei em convidar a Joice, até porque ela sofre isso há muito tempo, foi vítima do que ela mesma construiu. Mas eu primeiro fui procurar as mulheres que estavam mais a meu alcance, com quem me relaciono. Não tive muito tempo para pensar. A Luiza Erundina (PSOL-SP) também ficou de fora, a Kátia Abreu (Progressistas-TO). Mas nossa intenção não é encerrar o assunto com ele, pelo contrário.

Qual a relação entre as agressões e a baixa participação feminina na política?

Das coisas que mais me doem é ouvir de mulheres que sou forte, que seguro o tranco. Dizem: ‘Eu não aguentaria’. Mas quando falam isso, significa que não estariam no meu lugar, ou seja, que não entrariam na política. É esse o efeito. Quando acabou a eleição me dei conta de que a gente não se escandaliza mais com essa violência. Parte do sistema é tentar transformar em uma questão pessoal, citar uma característica física, por exemplo. Mas não é, é sistemático e recai sobre todas.

O que precisa ser feito para diminuir esses casos?

Tem que aprovar uma lei no Brasil contra violência política de gênero, como a ONU (Organização das Nações Unidas) recomenda. Nos debates, por exemplo, a imprensa alegava que as regras são fixadas pela justiça eleitoral, e não tinha como considerar os ataques fora da política como ela é.

Precisamos dar um nome porque nenhum ambiente pode punir o que não é nomeado

Depois de organizar o livro, teve alguma atualização sobre o tema?

Acho que essa violência tem se tornado cada vez mais radical, o que pode ter relação com o avanço do feminismo. Todas nós, de múltiplas gerações, estamos falando mais sobre o que sofremos. Mas acredito que agora é o pior momento para mulheres na política. Eu mesma sofri mais em 2020 do que em 2018. E vai continuar piorando. Quando acabou a eleição, eu pensei: ‘Vai demorar um tempo para uma mulher passar pelo que passei’. Na outra semana, a vereadora Isa Penna foi apalpada na Assembleia Legislativa.

Você está dizendo que ser vice de Fernando Haddad (PT), no auge do antipetismo e do bolsonarismo, não foi tão violento quanto liderar a disputa pela Prefeitura de Porto Alegre?

Sim. Meu artigo no livro fala justamente sobre isso. Quando tive que decidir concorrer à prefeita, minhas amigas perguntaram se eu estava preparada para disputar outra eleição depois do que vivi em 2018.

E eu sempre repetia, quase como um mantra, que nada podia ser pior do que disputar eleição contra o Bolsonaro, que nada seria mais violento que aquilo. Estava completamente errada.

 

Fonte: Universa/UOL
Créditos: Polêmica Paraíba