Zika aumenta clamor por flexibilização do aborto no Brasil

Futuro de muitas mães pode ser sombrio se o STF não agir

Mulher grávida vista em Recife.   29/01/2016  REUTERS/Ueslei Marcelino
Mulher grávida vista em Recife. 29/01/2016 REUTERS/Ueslei Marcelino

A alegria da gravidez deu lugar ao medo em diversas mulheres de Recife, epicentro do surto de Zika no Brasil, diante dos milhares de casos de má-formação cerebral de recém-nascidos no país, que levaram a um clamor pela flexibilização do aborto.

O pânico tomou conta das maternidades da capital pernambucana desde que o Zika, transmitido pelo mosquito Aedes aegypti e detectado nas Américas pela primeira vez no ano passado, foi relacionado a uma série de casos de microcefalia. Não existe vacina ou cura para a doença ainda pouco conhecida.

Em cerca de quatro quintos dos casos, o Zika não provoca sintomas perceptíveis, por isso as mulheres não sabem se o contraíram durante a gravidez.

No hospital Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (IMIP), de Recife, dezenas de gestantes esperam ansiosamente pelos exames de ultrassom que indicam se a criança que carregam tem a cabeça reduzida e dano cerebral. O hospital já testemunhou o nascimento de 160 bebês com má-formação cerebral desde agosto passado.

“É muito assustador. Estou com medo de que minha filha tenha microcefalia”, disse Elisângela Barros, de 40 anos, com 6 meses de gravidez e os olhos marejados por trás dos óculos. “Meu bairro é pobre e tem mosquito demais, muito lixo, e não tem água encanada. Cinco vizinhas minhas estão com Zika.”

Mulheres como Elisângela que vivem em favelas têm poucas defesas contra o mosquito Aedes aegypti, transmissor do Zika e de outras doenças, como a dengue. Muitas vezes elas não podem arcar com o preço de repelentes e têm pouco acesso ao planejamento familiar.

A circulação de imagens chocantes de bebês com má-formação do cérebro têm feito muitas mulheres pensarem duas vezes antes de engravidar.

Os médicos temem que a epidemia leve a um aumento no número de abortos clandestinos no país.

A rápida disseminação da Zika em 22 países das Américas levou alguns governos a aconselharem as mulheres a adiar a gravidez. El Salvador recomendou que as mulheres não fiquem grávidas durante dois anos e deu ensejo a um debate sobre a liberação do aborto na região, onde muitas nações têm leis rígidas a respeito da prática.

“Existe um medo crescente porque é uma doença nova. A doença em si tem uma taxa de mortalidade muito pequena, mas a repercussão dela para a gravidez é seríssima. Diante dessa irreversibilidade da gravidade do acometimento as mulheres ficam muito temerosas”, afirmou Adriana Scavuzzi, ginecologista do IMIP.
ABORTO ILEGAL

De acordo com dados do Ministério da Saúde, até o dia 23 de janeiro foram registrados no Brasil 270 casos confirmados de microcefalia e outros 3.448 casos suspeitos desde outubro estão sendo investigados –de longe a maior cifra das Américas.

Autoridades da Organização Mundial de Saúde (OMS) dizem não haver comprovação científica de que a infecção pelo Zika impede o desenvolvimento do feto, causando microcefalia, mas a suspeita é grande.

Especialistas em saúde pública acreditam que a ameaça da Zika irá desencadear um aumento nos abortos ilegais. Estima-se que 1 milhão deles já sejam realizados todos os anos no Brasil, onde procedimentos mal-sucedidos em clínicas clandestinas já são uma das grandes causas de mortes maternas.

“O Zika é uma catástrofe de saúde e uma ameaça aterrorizante para as gestantes”, disse Daniel Becker, pediatra e especialista em saúde pública do Rio de Janeiro. “As pessoas irão atrás de abortos.”

Organizações de direitos das mulheres defendem a legalização do aborto no caso de mulheres que contraíram o Zika, uma medida que até o momento só foi adotada pelo Ministério da Saúde da Colômbia.

No Brasil, um grupo de pesquisadores, ativistas e advogados planeja enviar uma petição ao Supremo Tribunal Federal (STF)pedindo que se autorizem abortos para mulheres portadoras do vírus.

O mesmo grupo conseguiu em 2012 uma vitória no STF que ampliou o direito de acesso a aborto para casos de anencefalia, má-formação que faz com que bebês nasçam sem partes do cérebro e do crânio e quase sempre morrem pouco tempo depois.

Como o sistema de saúde pública do país já está sobrecarregado, o futuro de muitas mães pode ser sombrio se o STF não agir, afirma Debora Diniz, professora de Direito que lidera a campanha.

“Em breve teremos uma geração de mulheres pobres cujo destino será cuidar de crianças extremamente dependentes em tempo integral”, disse.
TRAGÉDIA DO TALIDOMIDA

Noventa por cento das crianças nascidas com microcefalia terão o desenvolvimento físico e mental afetado e precisarão de cuidados especiais pelo resto de suas vidas. Não se sabe ao certo até que ponto elas conseguirão ver ou ouvir, ou quando irão aprende a andar e falar, segundo a ginecologista Adriana Scavuzzi.

Ela comparou a atual emergência à tragédia do medicamento Talidomida nos anos 1960, quando milhares de crianças, a maioria da Europa, nasceram com membros deformados devido ao uso do remédio para ajudar gestantes com insônia e enjoos matinais.

“No caso da Talidomida o diagnóstico do que estava causando o agravo era facilmente retirado do mercado”, afirmou a ginecologista. “Era uma situação mais simples, porque como é que você vai tirar de circulação o mosquito? A gente está convivendo com esse mosquito há muito tempo”.

O vírus Zika, identificado pela primeira vez em Uganda em 1947 e desconhecido nas Américas até ser descoberto no Brasil no ano passado, provoca febre moderada e dores corporais, sintomas que desaparecem em cinco dias e que podem ser confundidos com os da dengue, que infectou 1,6 milhão de brasileiros em 2015.

Com uma crise de saúde em mãos, o governo federal diz que as mulheres que querem engravidar deveriam discutir os riscos com seus médicos, mas não chegou a aconselhá-las a adiar a gravidez.

Em vez disso, o governo planeja distribuir repelentes para dezenas de milhares de gestantes de baixa renda e está acelerando uma ofensiva para erradicar o mosquito com a ajuda das Forças Armadas.

REUTERS