Zé Dirceu: "Júlio Rafael chegava sem avisar, nos alegrava e animava. Agora ele se foi"

Zé Dirceu

Escrevo ainda sob o impacto da notícia que acabo de receber, do falecimento de meu grande amigo Júlio Rafael. Conheci o Júlio nas minhas andanças pelo Brasil. Liguei-me a ele e ao grupo de paraibanos que viviam em São Paulo e militavam no PT – Leda, Mônica, Walter e tantos outros.

De militantes viramos amigos. Criamos os filhos, lutamos e vivemos os anos duros do partido, de sua construção e das lutas na oposição. Durante estes 30 longos anos aprendi a admirá-lo pela simplicidade e  firmeza na defesa de suas posições políticas. E pela simpatia que irradiava com suas redes paraibanas que vendia para aumentar a renda.

Júlio foi dirigente do PT, vereador na sua João Pessoa, candidato a deputado federal e presidente do SEBRAE (Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena e Média Empresa) em seu Estado desde 2007, onde desenvolveu um extraordinário trabalho. Tinha 58 anos, era formado em Economia pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT) e especialista em História Econômica da América Latina.

Foi gerente de Planejamento da Agência de Desenvolvimento do Nordeste (ADENE, que voltou a ter o nome de SUDENE), entre dezembro de 2003 e dezembro de 2006; assessor de Planejamento Orçamentário da Mesa Diretora da Câmara Municipal de João Pessoa (janeiro de 2001 a novembro de 2003); além de vereador de João Pessoa (PB) na legislatura que vai de janeiro de 1997 a dezembro de 2000.

Um belo retrato do que ele gostou de ser

Mas este é o seu perfil oficial, o de sua trajetória de vida de cidadão, administrador e político.

Já para mim o que conta mesmo é que ele foi um grande companheiro e amigo. Daqueles que vêm dormir na nossa casa sem avisar e cativa, sempre nos alegra e nos anima. Na minha última ida a João Pessoa há pouco, Júlio já reclamava que não se sentia bem e fazia exames médicos. Almoçamos juntos e colocamos a conversa em dia. Discutimos um pouco de tudo, seca, PT, nosso governo de João Pessoa, o Nordeste, nosso Brasil, nossas vidas e sonhos. Júlio  com a mesma paixão e firmeza de sempre.

Depois ele veio para Sampa e foi internado. Eu o visitei três vezes no Hospital Sírio-Libanês, onde ele se tratava de um câncer.

Agora digo adeus ao nosso Júlio Rafael. Ao chegar esta hora, faço-o com um abraço e um fortíssimo sentimento em que se mesclam tristeza e saudade. E numa singela homenagem reproduzo aqui no blog seu perfil. Escrito por ele mesmo e que, sinto, é um belo retrato do que ele gostou de ser.

PERFIL PELO PRÓPRIO JÚLIO

Na Internet, Júlio Rafael postou a sua própria biografia, que reproduzimos na integra a seguir:

“Sou do século passado. Do tempo de acompanhar Copa do mundo via rádio. Ainda lembro, moleque, na Av Rio Branco (Campina Grande-PB) torcendo pela seleção brasileira no jogo contra a Tchecoslováquia. Radinho de pilha no ouvido. Não lembro “a marca”. Zero a Zero, Pelé saindo de campo contundido…

Cheguei por Campina Grande, oito anos antes destas lembranças. 1954, na Casa de Saúde do Dr Brasileiro. Sensação era a seleção húngara, com o capitão Puskás. Pobre Hungria perdeu a Copa para a Alemanha, e dois anos depois foi invadida pelos soviéticos, num dos maiores crimes cometidos pela “mundiça” (imundície, como a palavra é resumida no linguajar regionalista do Nordeste) que se arvorava defensora do socialismo.

De lá prá cá, muito tempo passou e muita água rolou. Espero no tempo futuro ir aos poucos contando um pouco deste passado. Tem muita história e estórias muitas também. Aquela “mundiça” defensora do socialismo jaz apodrecida na lata de lixo da história, com algumas viúvas alegres ainda perambulando por aí. Nos tempos presentes estou superintendente do SEBRAE – Paraíba. E há muito envolvido no espaço da política partidária. Petista deste os tempos do movimento pró- PT, e militante dedicado para com esta construção que é uma das coisas generosas que a sociedade brasileira lega a posteridade.

Neste tempo de passagem de século, cursei economia, estudei um pouquinho mais sobre história econômica da América Latina, tentei fazer mestrado em ciência política, Fui vereador, andei muito por este Brasil afora – Paraná, Rio de Janeiro, Mato Grosso e São Paulo. Voltei para minha Paraíba nos finais dos anos 8O. Os governos militares já eram coisa do passado. Aqui participei das primeiras eleições presidenciais que a turma da minha geração em diante participou. Coordenei a campanha do Lula Lá. Foi muito bacana.

Por aqui, casei com uma mulher extraordinária com quem compartilho casa, alegrias, tristezas e dois “gatos”, Lucas e Daniel. São muitas histórias e estórias muitas que vivi. Democrata e teimoso continuo andando pela margem esquerda da política e acreditando que o bom cabrito é aquele que berra, para desafinar o coro dos contentes com a desigualdade, com as injustiças, com a agressão ao mundo e à natureza e com todas as formas de opressão”.