PLANEAMENTO

VAZA JATO: novos diálogos mostram que Dallagnol montou plano para lucrar com fama

Procurador discutiu criar empresa sem ser sócio e estratégia para arrecadar com palestras; ele diz promover cidadania

O procurador da República Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, montou um plano de negócios de eventos e palestras para lucrar com a fama e contatos obtidos durante as investigações do caso de corrupção, apontam mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil e analisadas em conjunto com a Folha.

Em um chat sobre o tema criado no fim de 2018, Deltan e um colega da Lava Jato discutiram a constituição de uma empresa na qual eles não apareceriam formalmente como sócios, para evitar questionamentos legais e críticas.

A justificativa da iniciativa foi apresentada por Deltan em um diálogo com a mulher dele. “Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, escreveu.

Os procuradores cogitaram ainda uma estratégia para criar um instituto e obter elevados cachês. “Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós, escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto perderíamos em termos monetários”, comentou Deltan no grupo com o integrante da força-tarefa.

A realização de parcerias com uma firma organizadora de formaturas e outras duas empresas de eventos também foi debatida nessa conversa.

A lei proíbe que procuradores gerenciem empresas e permite que essas autoridades apenas sejam sócios ou acionistas de companhias.

Os diálogos examinados pela Folha e pelo Intercept indicam que Deltan ocupou os serviços de duas funcionárias da Procuradoria em Curitiba para organizar sua atividade pessoal de palestrante no decorrer da Lava Jato.

As mensagens mostram ainda que o procurador incentivava outras autoridades ligadas ao caso a realizar palestras remuneradas, entre eles o ex-juiz e atual ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro.

Os chats pelo aplicativo Telegram que envolvem a força-tarefa da Lava Jato foram enviados por uma fonte anônima ao Intercept, que divulgou a primeira reportagem em 9 de junho. Na última terça (9), o site publicou o primeiro áudio do material, no qual Deltan comemora uma proibição de entrevista do ex-presidente Lula (PT) à Folha.

Sempre que questionado sobre a sua atividade como palestrante, Deltan enfatiza que sua atuação neste campo tem como objetivo promover a cidadania e que grande parte dos recursos é destinada a entidades filantrópicas ou de combate à corrupção.

Pouco antes do primeiro aniversário da Lava Jato, em fevereiro de 2015, a dedicação de Deltan a cursos e viagens já gerava descontentamento entre os colegas da Procuradoria em Curitiba. Em uma conversa, o procurador buscou justificar suas atividades, dizendo que ela compensava um prejuízo financeiro decorrente da Lava Jato.

“Essas viagens são o que compensa a perda financeira do caso, pq fora eu fazia itinerancias [trabalho extraordinário em que, ao assumir tarefas de outro procurador, é possível engordar o contracheque] e agora faria substituições”, disse o procurador.

“Enfim, acho bem justo e se reclamar quero discutir isso porque acho errado reclamar disso. Acho que o crescimento é via de mão dupla. Não estamos em 100 metros livres. Esse caso já virou maratona. Devemos ter bom senso e respeitar o bom senso alheio”, completou Deltan.

A intensa atividade de Deltan como palestrante chamou a atenção da imprensa e levou os deputados federais Paulo Pimenta (PT-RS) e Wadih Damous (PT-RJ) a pedirem abertura de um procedimento disciplinar no Conselho Nacional do Ministério Público.

O requerimento, porém, foi arquivado, pois o órgão entendeu à época que as palestras se enquadravam como atividade docente, o que é permitido por lei, e ressaltou que grande parte dos recursos era destinada a instituições filantrópicas.

A ideia de criar uma empresa de eventos para aproveitar a repercussão da Lava Jato foi manifestada por Deltan em dezembro de 2018 em um diálogo com a mulher dele.

No mesmo mês, o procurador e o colega dele na força-tarefa da Lava Jato Roberson Pozzobon criaram um grupo de mensagens específico para discutir o tema, com a participação das esposas deles.

“Antes de darmos passos para abrir empresa, teríamos que ter um plano de negócios e ter claras as expectativas em relação a cada um. Para ter plano de negócios, seria bom ver os últimos eventos e preço”, afirmou Deltan no chat.

Pozzobon respondeu: “Temos que ver se o evento que vale mais a pena é: i) Mais gente, mais barato ii) Menos gente, mais caro. E um formato não exclui o outro”.

Após discussões sobre formatos do negócio, em 14 de fevereiro de 2019 Deltan propôs que a empresa fosse aberta em nome das mulheres deles, e que a organização dos eventos ficasse a cargo de Fernanda Cunha, dona da firma Star Palestras e Eventos.

Deltan detalhou então como seria a organização formal da empresa. “Só vamos ter que separar as tratativas de coordenação pedagógica do curso que podem ser minhas e do Robito [Pozzobon] e as tratativas gerenciais que precisam ser de Vcs duas, por questão legal.”

Em seguida, o procurador alertou para a possibilidade de a estratégia levantar suspeitas. “É bem possível que um dia ela [Fernanda Cunha, da Star Palestras] seja ouvida sobre isso pra nos pegarem por gerenciarmos empresa”, disse.

Pozzobon então comentou, em tom jocoso: “Se chegarem nesse grau de verificação é pq o negócio ficou lucrativo mesmo rsrsrs. Que veeeenham”.

Fonte: COM INFORMAÇÕES DA FOLHA
Créditos: COM INFORMAÇÕES DA FOLHA