UNE, Collor, Lindbergh

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Nonato Guedes

A impressão que se tem é de que a União Nacional dos Estudantes, famosa pelos movimentos de protesto que liderou no país, está indiferente à explosão social disseminada atualmente. Fui conferir no site da entidade. Não está, diz o jovem presidente Daniel Illescu, de 26 anos, um carioca torcedor do Flamengo, aluno de Ciências Sociais na UFRJ e aclamado em Goiânia como novo dirigente da instituição que já foi presidida por José Serra e pelo paraibano Lindbergh Farias, este o porta-voz da mobilização dos cara-pintadas em 92 pelo impeachment de Fernando Collor de Mello.

Daniel, que é homônimo de Cohn-Bendt, o guru das passeatas estudantis na França, em maio de 68, que repercutiram em todo o mundo, ressalta que a UNE está engajada ao que denomina de movimento independente ora em gestação no Brasil. Ressalta que não há como impedir que os jovens mudem o mundo. Apenas indaga: “A mudança é para melhor ou para pior?”. E completa: “Bem, isso é a própria juventude que decide”. Ou seja, a UNE, na versão contemporânea, não aspira a assumir papel de vanguarda ou liderança. Talvez porque tenha feito a análise de que foi atropelada por outros jovens não necessariamente filiados a organizações políticas, partidárias ou estudantis. Pessoalmente, ele se mantém antenado via redes sociais, rádio, televisão, jornais. Só não tem uma presença marcante. Sinal dos tempos, digamos assim. Hoje, em sua coluna, Claudio Humberto lembra que a UNE está fora das ruas desde o governo Lula em troca de generosas doações e que, agora, pede audiência à presidente Dilma para tentar recuperar o protagonismo.


Chamou-me a atenção o culto que atuais dirigentes da UNE preservam em relação a Serra e a Lindbergh. Serra enfrentou desafios em plena ditadura militar. Hoje, é tucano e persegue com tenacidade a presidência da República, demonstrando competência invejável: sempre compete, e invariavelmente perde. O discurso de Serra-estudante foi arquivado, por razões óbvias. Quanto a Lindbergh, é senador pelo PT do Rio de Janeiro. Está ocupado com o novo objeto do seu desejo: ser governador do Estado fluminense. E trava uma queda de braço com o PMDB para decidir quem tem mais votos no bestunto. Como senador, emprestará sua assinatura aos projetos de reforma que congestionam o Congresso. Quanto a ir para as ruas protestar, é outra história.

Não há porque criticar Serra ou Lindbergh, que já avançaram no campo geracional. Fazem até bem em não querer tirar proveito de um movimento que não tem liderança mais visível mas consegue arrastar multidões para as ruas a um clique no computador. Afinal, a mobilização é dirigida contra o PT, o PSDB, os outros Pês que compõem a sopa de letrinhas das agremiações tradicionais enraizadas na cena dominante. Isto não os exime, como cidadãos, de oferecerem sua quota de contribuição, no que puderem. Pelo menos evitando atrapalhar as vozes roucas das ruas e das redes, que se misturaram, perfazendo uma espécie de simbiose. O espaço é de outros atores, mais energéticos e menos comprometidos com “tudo isso que está aí”.

Aparentemente quem está mais à vontade é o hoje senador Fernando Collor de Mello, expoente da bancada do PTB. Tem uma atuação opaca no Congresso, e é de supor que tenha escolhido esse caminho na esperança de purgar os erros e pecados cometidos quando, ainda jovem, alçou à presidência da República para um curto mandato marcado por escândalos. Collor sente-se deslocado em meio a essa maré de manifestações sociais.

Embora não seja o alvo preferencial de hoje, a chamada bola da vez, tem lá seus fantasmas. Vive de exorcizá-los de uma vez por todas, num processo de purificação que já demanda algum tempo. A impressão que passa é a de viver em brancas nuvens, em outro planeta. O bom senso recomenda que se lhe dê o beneplácito do respeito às suas reflexões sobre tudo o que se passou na sua meteórica carreira como ocupante da cadeira do Planalto, de onde foi ejetado pela força das ruas, numa época em que as redes sociais não tinham o ímpeto que hoje possuem.

Está faltando um personagem sair de cena já, o mais rápido possível: o Marco Feliciano, guindado a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, pastor evangélico de posições ortodoxas, que agora recusa a paternidade da chamada cura gay. Feliciano argumenta que não pode propor esse tipo de cura se a homossexualidade não é uma doença. Em favor do que ele disse no passado, poderia argumentar que o tema despertou investigações mais profundas, por parte dos especialistas autorizados. Mas talvez a conclusão demore. E o país, decididamente, não merece conviver com Feliciano & Cia na vida pública. O mundo gira, é o que há de concreto.