Gilvan Freire
À João Pereira Gomes Filho
De todos os conflitos que vivi
Só um não tive: o de buscar a Ti, Senhor.
Que busquei e achei cedo da vida
Pelo que pude viver mais.
Bem menos do que queria, é verdade.
Era de meu propósito
Como necessidade do espírito
Achar-te e propagar-te ao mundo
Pela minha palavra viva
Que morreu comigo, sem ser em vão.
Tive os defeitos mais comuns dos normais
Expurgados os que me faziam mais mal.
Coisas que não pude evitar por ser humano
Mas os matei aos poucos.
Até que morri sem eles
Numa madrugada silente e fria de encontros.
Encontrei a quem achei outrora
Agora no definitivo inadiado.
Sem um mínimo de reação, porque dormia.
E sequer fui consultado sobre meus planos e sonhos.
Não importa mais:
Talvez porque tenham sido realizados.
De que me adiantaria viver mais
Se não pude e nem me foi permitido?
Basta-me o que vivi e porque vivi.
O saldo, sim – o saldo foi bom.
Me entreguei de corpo e alma
A salvar os outros como salvei a mim.
Nesse sentido tenho direito a promoção e glória
De sentar à direita do Pai.
Se tenho saudades do mundo em que vivi?
Sim, tenho saudades e pena
De todos os desperdícios da vida dos que ficam
Porque muitos não sabem o que será deles e para onde vão.
Eu sei, porque não vou: já estou.
Mais saudades certamente existirão nos que dormem e acordam.
Porque sentem. Eu nada sinto mais.
A não ser uma presença imaterial
Que me põe a dormir como nesta madrugada
Ao som de cantiguinhas de niná. É o Paraíso.
Nasci novamente, antes de viver muito e depois de ter morrido breve.
Porque não consegui algo diferente
Do que queria a minha vontade sem forças.
O mesmo coração pelo qual amei a Deus
Acima de todas as coisas e o mundo
Parou aos pés de quem amei e achei.
E me entreguei sem volta.
Os que choram se conformarão pelo bem que os fiz
Ou pelo que não pude, mas queria.
Onde estou posso muito mais.
Porque minhas forças novas são do Poderoso
De quem fui servo assumido, sem arrependimentos.
Arrependimento só pelo que de mais não fiz por ELE.
A noite ficava gélida quando não me apercebi de mim.
Apenas tive uma sensação de que voava
Acima da cidade e do oceano que foram meus
Onde plantei sementes que fertilizarão
Com algas marinhas dos bargaços da praia amada
Em terra regada por eventuais lágrimas que eu mereça
Da parte dos que sintam a minha ausência.
Só porque os esclareci sobre a vida e a morte com sentido
E os afastei dos mesmos pecados que já cometi.
Mais difícil será dizer algo aos filhos.
Nada digo porque deixei palavras no púlpito
Entre as quatro paredes do Templo
Que não morrerão como eu.
Onde tudo falei do que me foi ensinado e aprendido
Já que o afeto só será doravante de palavras e memórias
Porque não vivo mais.
Se mais não amei e nem confessei amar
É porque fui tímido, a ponto de não me abrir.
E de fechado em fechado, morri de aberturas estreitas
Quando, solto, poderia ter vivido mais.
Tá sem jeito; fica a confissão dos amores não ditos.
Fui tardio demais até para exercer o direito à vida.
Mas corri ligeiro para me compensar dos atrasos
E encontrei com Deus a tempo.
Com quem me acho agora sem mais pressas.
O que eu teria de ser, já estou sendo.
Não há motivos para lamentações.
Meu ciclo está encerrado.
Adeus! Melhor dizendo: H(à) Deus.