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Servidores do INSS sofreram ameaças após denunciarem fraudes com descontos ilegais de associações

Foto: divulgação
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Investigação sobre intimidações foi arquivada sem ouvir envolvidos; entidades investigadas receberam R$ 4,3 bilhões nos últimos anos

O Jornal Nacional revelou, com exclusividade, novos detalhes sobre um esquema de descontos ilegais aplicados em benefícios de aposentados e pensionistas do INSS. As irregularidades envolvem associações suspeitas e ameaças a servidores que atuavam para combater os desvios.

As ameaças começaram a surgir em setembro de 2020. A mãe de um servidor recebeu uma mensagem enigmática, pedindo o endereço do filho para “fazer uma surpresa”. Três dias depois, outro servidor — que já havia denunciado irregularidades à Polícia Federal — recebeu uma mensagem dizendo “estamos de olho”, acompanhada de informações pessoais como o nome da mãe, modelo do carro dela e dois endereços ligados ao funcionário.

Os dois atuavam no combate a fraudes relacionadas a descontos indevidos em aposentadorias e pensões. Eles relataram o caso à Polícia Federal em Brasília. Inquéritos foram abertos, mas as investigações acabaram transferidas para o Paraná, de onde partiram os números de telefone utilizados nas ameaças.

Em sua denúncia, um dos servidores afirmou que, após decisões administrativas, ao menos cinco acordos com associações suspeitas foram encerrados ou suspensos, afetando diretamente o repasse de recursos a essas entidades. Ele disse temer que as mensagens fossem uma tentativa de intimidação ou coação.

No total, dez entidades foram descredenciadas entre 2019 e 2020. Outro servidor declarou acreditar que as ameaças estavam relacionadas ao trabalho de fiscalização que vinham reforçando dentro do INSS.

Reação interna e mudanças no INSS

A reação interna à situação foi imediata. Um mês após as ameaças, o então presidente do INSS, Leonardo Rolim, editou uma portaria transferindo a responsabilidade de fiscalização dos contratos com as associações para outra diretoria. Essa mudança coincidiu com uma mudança brusca nos dados de credenciamento.

Entre janeiro de 2019 e outubro de 2020, não houve assinatura de novos acordos com entidades. Após a mudança, entre outubro de 2020 e abril de 2024, 24 novas associações foram credenciadas. Seis que haviam sido descredenciadas foram reabilitadas.

Segundo dados do Portal da Transparência, os valores repassados às entidades explodiram:

  • Em 2020, os descontos somavam R$ 36 milhões.
  • Em 2024, chegaram a R$ 2,4 bilhões.
  • Apenas entre janeiro e março de 2025, foram R$ 655 milhões.

No total, essas entidades receberam R$ 4,3 bilhões.

Investigação e Operação Sem Desconto

Apesar da gravidade das ameaças e da denúncia formal, os inquéritos foram encerrados três anos depois sem conclusão. A Polícia Federal não ouviu representantes das associações envolvidas e não realizou diligências no INSS nem nas entidades suspeitas.

Somente em abril de 2024 — após reportagens na imprensa — foi aberta a investigação que resultou na Operação Sem Desconto, que revelou novas e antigas irregularidades nesse tipo de contrato.

Em nota, Leonardo Rolim afirmou que a transferência da atribuição ocorreu como parte da reestruturação do INSS e que, desde que deixou a presidência do órgão, em 2022, não teve mais conhecimento sobre os contratos com associações.