
“Este sou eu e a futura vovó do bebê mais amado do mundo! Sou gay, tenho 30 anos, designer gráfico. Sempre quis ser pai, mas a homossexualidade dificulta isso. Minha vontade aumentou após perder minha irmã, que se foi com apenas 25 anos. Isso significa que a linhagem dos meus pais pode acabar em mim. Já pensei em ter filho com alguma amiga, mas, convenhamos: não é nada simples. Por isso achei genial a ideia deste grupo: estão todos dispostos.” Com essa mensagem e uma imagem ao lado da mãe, um jovem carioca se apresentou em um grupo fechado do Facebook, o Coparentalidade Responsável, com um objetivo claro: encontrar uma mãe para seu filho.
Como em outras comunidades virtuais, os usuários interagem entre desconhecidos em busca de pontos em comum que os façam concretizar o encontro. Só que no Coparentalidade a caça não é por satisfação sexual ou afetiva. A ideia é achar um parceiro para fins reprodutivos e parentais. Resumindo, um acordo entre pessoas interessadas em conceber e criar um filho juntas sem formar um casal nem ter envolvimento amoroso.
Ambientes como esse, que não são exclusivos de redes sociais, já estão espalhados pelo mundo. E agora têm criado um modelo de família tão novo quanto envolto em incertezas.
Sociedade familiar
A jornalista Taline Schneider, 33 anos, de Porto Alegre, é a administradora do Coparentalidade Responsável, com mais de 800 membros. “Eu sempre quis ter um filho sem casar, então googlei ‘filho sem relacionamento’. Descobri artigos e sites que ajudam as pessoas a encontrar um parceiro para procriar. Era 2013, e criei a página a fim de trazer o assunto ao Brasil. Meu objetivo nem era encontrar um pai para meu filho ou possibilitar que os outros encontrassem, mas seria ótimo se acontecesse”, relembra.
Nos EUA e Europa esse tipo de parceria é comum. Tanto que não faltam sites especializados em juntar futuros pais dispostos a conceber um filho já “divorciados”, como o PollenTree, o Coparents e o Co-Parentmatch.
O escritor e bancário Stênio Ribeiro, de Jundiaí (SP), é um deles. Aos 30 anos, ele nunca teve relacionamentos duradouros e achava que jamais poderia ser pai. Até cogitou adotar ou recorrer a uma barriga de aluguel, mas viu na parceria de parentalidade uma alternativa mais viável. “Muitos não desejam se envolver amorosamente, mas também não abrem mão de sonhar com a maternidade ou a paternidade. Quando decidi trocar um grande amor por uma grande amizade para ter um filho, percebi que ainda poderia ser o melhor pai do mundo”, revela.
O termo coparentalidade não é novo. Parentalidade se refere, juridicamente, à relação de parentesco, seja por ligação sanguínea ou afetiva. Coparentalidade diz respeito a relações entre parentes para educar um indivíduo. “Quaisquer dois adultos que sejam os principais cuidadores e responsáveis pela criança formam um sistema coparental. Podem ser pai e mãe casados; pais divorciados; mãe/pai com padrasto/madrasta; casais homoafetivos; mãe e avó e outras configurações”, explica Elisangela Boing, psicóloga da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O que há de novo é a coparentalidade entre desconhecidos unidos pela internet.
(Raoni Madalena/Reprodução)
Oferta e procura
A servidora pública Fernanda*, 35, do Rio de Janeiro, conta que sempre quis ser mãe, mas que esse desejo teria de superar vários obstáculos. Além de ser homossexual, ela enfrentou uma série de doenças, como endometriose, e um tratamento contra câncer, fatores que poderiam comprometer sua fertilidade. “Após a cura e durante quase um ano, tive de fazer exames periódicos para avaliar meu sistema reprodutor, tomar remédios. Quando a ginecologista viu que tudo estava saudável, iniciamos o processo de inseminação artificial com o sêmen de um doador anônimo de São Paulo. Foram duas tentativas, mas nenhuma vingou”, conta. Como sua parceira não queria engravidar (apenas a apoiaria se a inseminação desse certo), as chances iam diminuindo. Não demorou para que o relacionamento delas viesse ao fim e Fernanda buscasse, na internet, alguém para ter um filho.
Alguém como o professor universitário Altamir Fernandes de Oliveira, 33, de Teófilo Otoni (MG). O desejo dele de ser pai despertou após um longo período de estudos, que culminou na aprovação num concurso público. Com a estabilidade, Altamir sentiu que estava na hora de construir uma família. “Fiz uma busca na internet sobre adoção, mas encontrei um grupo de coparentalidade. Achei a ideia fantástica”, diz.
Fernanda quer um pai para o filho; Altamir, uma mãe. Tinha tudo para dar match. Mas encontrar um parceiro de parentalidade online não é simples. Como o casal vai criar a criança junto (e não apenas concebê-la), é natural que as duas partes tenham uma lista de pré-requisitos.
“Precisamos morar na mesma cidade. Desejo um pai presente, responsável, que queira participar da escolha da escola, estar no dia a dia da criança. Enquanto for bebê, o filho mora comigo por causa da amamentação. O pai precisa entender isso. Mas seria o máximo se ele trocasse fraldas, desse banho… Sem problemas se ele quiser dormir no sofá ou se adaptarmos o escritório para ele passar o fim de semana. Ao crescer, a criança pode alternar entre as casas, mas é importante que tenha uma como referência. Precisamos ter afinidade e sermos amigos antes, afinal de contas, partilharemos a vida do nosso filho. Por fim, o acordo de amizade: nossa relação não é romance ou busca de casamento”, elenca Fernanda, numa extensa lista de requisitos.