Revisão nos números da PB revelam que casos de microcefalia tinham maiores taxas antes da 'era zika'

A revisão de casos na Paraíba feita pela força-tarefa do Círculo do Coração de Pernambuco levou em conta nascimentos de 2012 a 2015.

Mãe segura menina diagnosticada com microcefalia em PE

Dois estudos publicados em boletins da OMS (Organização Mundial da Saúde) mostram que, antes da “era zika”, havia mais casos de microcefalia que o divulgado pelo Ministério da Saúde, o que expõe a fragilidade das estatísticas oficiais do país.

Pelos dados do Sisnac (sistema de informações sobre nascidos vivos), a taxa de notificação de microcefalia no país até 2014 era de 0,5 caso para cada 10 mil nascimentos. Mas pesquisas de dois grupos do Nordeste mostram índices muito maiores.

Nos EUA, a prevalência da microcefalia varia entre 2 e 12 por 10 mil nascimentos. Considerando-se que lá nascem 4 milhões de crianças ao ano, haveria então de 800 a 4.800 casos de microcefalia por ano.
Se projetadas as mesmas estimativas para o Brasil, onde há 3 milhões de nascimentos/ano, seriam de 600 a 3.600 casos anuais. Os registros oficiais, porém, são só de 150 ao ano, em média, até 2014.

DIVERGÊNCIA

No surto atual, iniciado em 2015, foram confirmados 462 casos de microcefalia ou outras alterações do sistema nervoso central, sendo 41 associados à zika. Mais 3.852 registros são investigados.

Ao analisar diferentes bases de dados de recém-nascidos, os dois grupos de pesquisa encontraram um número muito maior de casos de microcefalia na “era pré-zika”. Extrapolando os achados para a população total, estimaram que, antes do vírus, o país teria pelo menos 6.000 bebês com a má-formação por ano.

Um dos trabalhos foi liderado por pesquisadores da Universidade Federal do Ceará, e o outro, por um grupo do Círculo do Coração de Pernambuco. Ainda que os estudos tenham limitações metodológicas, por considerarem uma amostra restrita, especialistas dizem que são valiosos.

“Os dados do Ministério da Saúde são inúteis no que se refere à epidemiologia da microcefalia. Melhor que não houvesse porque só serviram para atrapalhar ainda mais o cenário”, diz Salmo Raskin, especialista em genética médica da PUC-PR.

Para o geneticista Décio Brunoni, da pós-graduação em distúrbios do desenvolvimento do Mackenzie, a subnotificação de anomalias congênitas, como microcefalia, ocorre em quase todo o país.

PARAÍBA

A revisão de casos na Paraíba feita pela força-tarefa do Círculo do Coração de Pernambuco levou em conta nascimentos de 2012 a 2015. Foram consultadas 16.208 fichas de uma rede de atendimento cardiológico —8% dos bebês tinham perímetro da cabeça menor que 32 cm (critério usados pelo governo).

“Em meados de 2014, houve um pico dos casos de microcefalia, maior que o registrado nos últimos meses”, diz a pediatra Sandra Mattos, principal autora do estudo que foi publicado pela OMS.

O que realmente subiu nos últimos meses, segundo o mesmo conjunto de dados, são os casos de microcefalia grave, que podem causar consequências severas para o desenvolvimento dos bebês.

Uma das hipóteses dos pesquisadores é que, antes, casos de microcefalia leves eram ignorados. Com a chegada do zika, todos passaram a ser notificados.

De acordo com Sandra, o trabalho não rechaça a associação entre casos de vírus e microcefalia —o vírus da zika segue como principal suspeito. Mas, diz, há outros fatores que não podem ser descartados, entre eles má nutrição e exposição a agentes teratogênicos, como agrotóxicos, ou a drogas e vacinas na infância da mãe.

LARVICIDA E MICROCEFALIA

Para Eloisa Caldas, especialista em toxicologia da UnB (Universidade de Brasília), não existe relação entre o larvicida pyriproxyfen e o aumento dos casos de microcefalia registrados no país. “Tenho convicção disso”, afirma a pesquisadora.

O inseticida, largamente usado pelo Ministério da Saúde no combate às larvas do mosquito aedes, teve a aplicação suspensa pelo governo do Rio Grande Sul no sábado (13).

A decisão foi tomada após um relatório da organização médica argentina “Physicians in the Crop-Sprayed Towns” (médicos nas cidades com colheita pulverizada, em tradução livre) relacionar o larvicida com a microcefalia.

Entre os argumentos, a entidade relaciona o inicio do uso do larvicida no país ao período de maior manifestação de casos de microcefalia no Nordeste.

Tanto o ministério quanto a empresa que produz a substância afirmaram no fim de semana que não há base científica para essa conclusão.

O produto está na lista de itens chancelados pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e considerados seguras para o combate às larvas do Aedes aegypti. Ele pode até ser usado na água potável.

O documento que recomenda o uso explicita as doses do larvicida que devem ser usadas para que a saúde das pessoas não seja comprometida.

Numa caixa de água de 1.000 litros, por exemplo, a quantidade máxima é de 1 grama do produto.

Fonte: UOL