RELIGIÃO CONTRA O CRIME: Juíza fala da luta travada nos presídios paraibanos

O papel da igreja na ressocialização de apenados

imageOs presídios são faculdades do crime ou um lugar para arrependimento e mudança de vida? Para autoridades que trabalham no sistema penal paraibano, são as duas coisas. Mas há uma ação forte de ressocialização que não é a do Estado: o trabalho das religiões.

De um lado estão as facções, que cooptam presos e formam o ‘exército do mal’. Do outro, os adeptos da fé (católicos e evangélicos, em sua maioria), que tentam salvar as almas para o ‘exército de Deus’. Em algumas prisões, facções têm ampla maioria e dividem os presos até nas horas de cultos. Em outros, a religião conseguiu equilibrar a guerra e até obter maioria.

“Identifiquei as duas forças nos presídios, a luta de Deus contra o diabo. Cada uma tentando conquistar o maior número de mentes”, revelou Higyna Josita Simões, juíza das Execuções Penais de João Pessoa.

‘Convertido’ é protegido

Ao chegar no universo da cadeia, o preso perde a identidade civil, passa a atender por um apelido, deixa de usar roupas para usar fardas e, principalmente, se torna frágil diante dos criminosos mais antigos e articulados. E é essa fragilidade que as facções criminosas usam para ‘converter’ os novatos.

Segundo a juíza das Execuções Penais de João Pessoa, Higyna Josita Simões, os líderes das facções escolhem os presos que sabem que ficarão pouco tempo na cadeia, para que cumpram o que foi acordado ao voltarem às ruas.

“Eles oferecem proteção ao recém-chegado e à família dele fora do presídio. Em troca, aquele preso se torna adepto, ganha a tatuagem de identificação, passa a viver sob as regras da organização e, quando sair, fará serviços que rendam dinheiro para sustentar a facção”, disse.

Dificilmente os presos ficam imunes às duas forças. “São mentes novas no pedaço para serem conquistadas. Ao tempo em que as religiões apresentam Deus e podem transformar a vida dos presos, as facções apresentam ‘benefícios’, que, se aceitos, podem torná-los criminosos reincidentes”, analisou.

Pregação’ da ‘Okaida’ no Sertão é forte

A disputa das duas forças pela mente do preso independe da situação sócio-econômica e acontece em todas as regiões do Estado. No Presídio Padrão de Patos, a abordagem das facções aos novatos que chegam à unidade é diária.

“Quando o preso chega, passa um período no reconhecimento e lá eles recebem diversas visitas dos detentos mais antigos, que passam pela grade os convidando para ir para o primeiro ou o segundo pavimento”, disse o diretor José Gomes Neto.

Diferente dos presídios de João Pessoa, a unidade de Patos não é dividida por pavilhões e sim por pavimentos, térreo e primeiro andar. Essa também é a divisão das facções dentro do prédio.

Na cidade sertaneja, a rivalidade das facções nasce nos bairros do Alto da Tubiba e Beiral. O domínio na região também é da ‘Okaida’, facção pessoense que conquistou presos por lá. “Essa facção veio pra cá depois que uns presos foram transferidos de João Pessoa, após se envolverem em uma rebelião por lá”, disse José Neto, que está há mais de um ano na direção do presídio. Segundo ele, a influência criminosa é predominante, embora a pregação do evangelho também tenha força na unidade.

‘Irmãos’ não se misturam

Na sexta feira, é dia de culto dos irmãos dos ‘Estados Unidos’. No domingo, o culto é dos irmãos da ‘Okaida’.

Essa é a divisão das reuniões evangélicas dentro do presídio Flósculo da Nóbrega, no bairro do Róger, em João Pessoa, onde, mesmo ‘convertidos’, os presos continuam adeptos das facções criminosas, mostrando a força que tem essa ideologia dentro da unidade prisional.

“Existe a caixa de som dos irmãos da OKD e a caixa de som dos dos EUA, porque eles não podem se encontrar nem quando o assunto é Deus, por conta da rivalidade. Os missionários precisam se adequar a isso”, disse o diretor da unidade, Lincoln Gomes.

Segundo ele, os presos já chegam na unidade carregando a ideologia da facção, o que ganha reforço na convivência com os outros simpatizantes, que chamam de irmãos.

“Existe o código de conduta da facção, que obriga os seus membros a terem uma relação de tanto respeito um com o outro, que chega a ser mais respeitosa do que a própria convivência dos cidadãos nas ruas. Também se ajudam muito e os presos são seduzidos com ofertas de privilégios, dentro da realidade deles, de forma que as facções acabam tendo um chamamento mais forte que as religiões”, acrescentou Lincoln.

Apesar dessa força que exercem sobre os presos, as facções ainda não são mais fortes do que o Estado dentro dos presídios paraibanos, segundo o diretor. “Eles têm lá a organização deles, a força entre eles, mas nós entramos nos pavilhões a hora que quisermos e temos o controle da situação”, garantiu.

Mentes dominadas também na Máxima

O presídio PB1, em Jacarapé, na Capital, abriga os presos mais perigosos do Estado, que receberam as maiores penas a cumprir. Lá estão os responsáveis por alguns casos famosos como a “barbárie de Queimadas”, a chacina do Rangel, o estuprador de mais de 20 mulheres, entre outros.

O evangelho consegue ser uma força dentro da unidade, embora perca de longe para as facções”, disse o diretor Leandro Batista da Silva.

Missão de diretor em Sapé

Um exemplo de conversão, na Paraíba, é do ex-policial militar e atual diretor do Presídio Regional de Sapé, Antônio Galdino da Silva Neto. “Eu era um policial linha dura, que batia de frente com o tráfico, mas errei, fui expulso da corporação e acabei indo pagar junto com as pessoas que tinha prendido. Fui ameaçado de morte, mas um trabalho de evangelismo no presídio me mostrou que eu podia vencer através da Bíblia. Eu venci”, relatou.

A experiência vivida transformou Silva Neto em um evangelizador de presídios. “Hoje eu visito presídios em todo o país, contando meu testemunho e mostrando para aquelas pessoas que elas também podem vencer”, disse. E o exemplo dele fez a diferença no Presídio Regional de Sapé, onde a maioria dos presos está ligada a alguma religião e as facções se tornaram minoria.

O diretor reconhece que ainda há muitos presos que se perdem na ideologia do crime e alguns acabam mortos, mas não perde a confiança. “ Não estou no presídio por salário. Entendo que é a missão que Deus me deu, de resgatar aquelas vidas, assim como fui resgatado”, concluiu.

Religiosos e disciplinados

Os efeitos das ideologias das facções e do evangelho, no comportamento dos presos, são bastante diferentes, na avaliação do diretor da Penintenciária Máxima, João Sitônio. “A gente percebe a diferença já no semblante deles. Isso se estende por todo o resto das situações. Além de indisciplinados, constantemente envolvidos em sindicâncias internas, os adeptos das facções são resistentes a participar das oficinas profissionalizantes, dos trabalhos internos, da escola. Já os evangelizados estão integrados em tudo que fazemos, além de serem muito tranquilos”, disse.

Para o diretor, essa resistência às atividades de reeducação pode ser uma orientação das facções. “Para as organizações criminosas, quanto mais desgraçado o preso estiver, melhor, porque ficarão mais dependentes do sustento que o tráfico pode oferecer”, afirmou.

Pastoral Católica: trabalho é estigmatizado

A pressão da ideologia das facções contra os presos, para que não aceitem ao evangelho é a grande dificuldade encontrada pelas pessoas que se dedicam à missão de pregar dentro dos presídios, segundo o coordenador da Pastoral Carcerária Católica, Massilon da Silva Ramos.

“Para enfrentar a força dessa ideologia contrária, precisamos fazer muitos aconselhamentos individuais, mostrando ao preso que ele precisa dessa mudança de vida para conseguir voltar à sociedade. Mas em presídios fechados, onde fazemos o trabalho através das grades, isso fica muito difícil. Somente no Róger, onde o trabalho é no pátio, conseguimos ficar junto deles”, contou.

Outra dificuldade relatada pelo coordenador é o rótulo que eles recebem de serem ‘defensores de bandidos’. “Isso nos joga contra os funcionários do sistema, que nem sempre são amistosos conosco. Somos estigmatizados e vistos como se também fôssemos bandidos. Eu estou apenas fazendo o meu papel de levar a palavra de Deus para eles”, completou.

Massilon disse ainda que, apesar de confrontar a ideologia, as facções não criam dificuldades ao trabalho do evangelismo.

A coordenadora da Pastoral Carcerária Evangélica, Luzinaide Tavares, também não se queixa de problemas com as facções nos presídios, alegando que a postura do evangelizador não é confrontá-los.

A dificuldade relatada por ela está nos momentos de conflito dentro dos presídios: “Passei por uma situação em que explodiu uma rebelião no momento em que estávamos dentro do pavilhão. Me joguei no chão e os presos me protegeram”.

Correio da Paraíba