
Daron Acemoglu (Nobel em Economia – 2024), em sua obra intitulada “Por Que as Nações
Fracassam: As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza”, apresenta uma tese a
respeito da diferença de renda e de padrões de vida, que separam os países ricos dos pobres.
O autor defende que o desenvolvimento econômico não é uma questão de geografia, de
cultura ou de sorte, mas sim de escolhas políticas e institucionais. Instituições inclusivas, com
sistemas legais justos, direito de propriedade assegurado, mercados competitivos e liberdade
de expressão criam incentivos para o investimento, para a inovação e para o crescimento
econômico. Já as instituições extrativas, com sistemas políticos autoritários e com economias
controladas por grupos fechados, sufocam o progresso.
Considerando a geopolítica atual descortina-se em futuro próximo, para algumas partes do
mundo (em especial a Ásia), um cenário de revolução alimentar. Ela advirá como decorrência
da expansão populacional da Ásia, somada ao crescimento econômico daqueles países (a
exemplo da Índia, que recentemente ultrapassou o PIB do Japão, e que cresce a taxas anuais
superiores a 6%). Esta vertente, associada à guerra tarifária global, à transformação da matriz
energética e à urgência brasileira por expandir a sua participação no comércio internacional
são vetores que nortearão os desígnios do Brasil, e que pautarão aquilo que nos tornaremos
nos próximos anos.
Para que tenhamos proeminência frente a estes movimentos do tabuleiro global, tornar-seá vital a consecução de algumas tarefas, cada qual de per si: a) Controle de gastos públicos,
de forma a prover o equilíbrio fiscal (e aqui me refiro a gastos, e não a incrementos de
impostos); b) Aposta em inovação de processos, com a potencialização do desenvolvimento e
do uso de tecnologias disruptivas/IA e de redes sociais; c) Requalificação do mercado de
trabalho, com a decorrente indução de políticas públicas (para tornarmos possível o convívio
com a economia digital).
Sabidamente, as redes sociais transformaram a maneira como nos comunicamos,
informamos e interagimos uns com os outros. Elas são parte relevante da economia digital, ao
tempo em que aproximam pessoas, instituições e ideias, num patamar jamais experimentado
em outros momentos da história.
Existe, de fato, a possibilidade de utilização inadequada destas novas tecnologias (seja
com fake news ou com discursos de ódio). No entanto, não podemos cometer o erro crasso de
tratarmos estas ferramentas como prejudiciais ao regime democrático, ou a quaisquer dos
valores fundamentais da nossa sociedade. Elas são, isto sim, uma via capaz de aproximar os
mais variados interlocutores, e auxiliar na tão necessária disseminação de informações de
caráter social, econômico, técnico, político, científico e no fomento de tratativas caras à
inovação e ao reaprender a aprender.
As tecnologias e as plataformas de redes sociais disseminam, de forma abrangente, temas
que permaneceriam ocultos em tempos pré-revolução digital. Ouso dizer que as redes sociais
estão, para a economia digital, o que a Ágora representou (na Grécia antiga) para o mundo real
– qual seja, um local de encontro, interação e florescimento da vida.
O “efeito do observador” é um conceito central da física quântica, que qualifica o
observador não apenas como um espectador passivo, mas um participante ativo na criação da
realidade observada. Em outras palavras, a forma como observamos um fenômeno quântico,
afeta o que vemos e o que medimos.
De maneira análoga, na nova “democracia digital”, as plataformas se apresentam como
elementos viabilizadores de oportunidades e de interconexões, para que pessoas, grupos e
instituições, na qualidade de observadores quânticos, revelem as suas opiniões, ideias e
preferências (muitas vezes apoiando, e outras tantas subvertendo o status-quo vigente). Nada
mais saudável e necessário para o fortalecimento de instituições inclusivas e, em linha com o
defendido pelo Nobel de Economia de 2024, condição si ne qua non para criar um ambiente
favorável à inovação e à geração de riquezas, de emprego e de renda.
O mundo tem reagido de forma diversa quando o assunto é a regulação das redes sociais.
Nos Estados Unidos, a Primeira Emenda à Constituição garante várias liberdades
fundamentais, incluindo a liberdade de expressão, a liberdade de imprensa, a liberdade de
religião e a liberdade de reunião. Ela proíbe o Congresso de fazer leis, que restrinjam essas
liberdades fundamentais.
A Seção 230 da Lei de Decência nas Comunicações, promulgada em 1996, é um marco
jurídico que oferece ampla proteção às plataformas de mídia social e provedores de serviços
online, frente ao conteúdo gerado por usuários. Este dispositivo legal americano permite que
essas empresas não sejam responsabilizadas pelas publicações feitas por seus usuários,
exceto em situações que envolvam violação de direitos autorais e ações que incitem a violência
ou conteúdos obscenos.
A essência da Seção 230 reside na premissa de que, ao não tratar essas empresas como
editores responsáveis pelo conteúdo de terceiros, promove-se a discussão aberta e a liberdade
de expressão na internet (aspectos caros para a sociedade ocidental).
Já na China, em outro extremo, a legislação de redes sociais se notabiliza por um rigoroso
arcabouço regulatório, que visa controlar o conteúdo disseminado e a interação das
plataformas digitais com os usuários. O governo chinês, reconhecendo a influência dessas
tecnologias na sociedade e na política, implementou diversas normas que não apenas
regulamentam o funcionamento das redes sociais, mas também estabelecem um ambiente de
monitoramento constante.
A Lei de Cibersegurança, promulgada em 2017, é um dos pilares desta estrutura legal,
estabelecendo diretrizes para a proteção de dados, a segurança cibernética e a
responsabilidade das empresas em relação ao conteúdo gerado por seus usuários. Nela,
destaca-se a exigência de que as plataformas mantenham registros de todas as interações e
entraves na troca de informações, permitindo uma supervisão mais eficaz por parte das
autoridades governamentais. Ademais, a regulamentação das redes sociais é sustentada por
um conjunto de políticas que priorizam a censura prévia, e a remoção de conteúdos
considerados indesejáveis (como críticas ao governo ou discussões sobre temas sensíveis).
Na Alemanha e no Reino Unido, os modelos regulatórios revelam um equilíbrio (um meio
termo) entre a liberdade de expressão, e a proteção dos cidadãos contra abusos.
A Alemanha, com a Lei de Aplicação de Redes (NetzDG), impõe sanções às plataformas
que não removam conteúdo ilícito, promovendo um ambiente que visa a responsabilização. Por
outro lado, o Reino Unido está em processo de desenvolver sua abordagem regulatória, por
meio do Digital Services Act, que se propõe a reforçar a segurança online e a proteção de
usuários, refletindo as mudanças necessárias em um mundo digital em rápida evolução.
Esses variados modelos não apenas ilustram as diferentes prioridades sociais e políticas
que orientam a regulação das mídias sociais em cada país, mas também apontam para os
desafios enfrentados, na busca por um equilíbrio justo entre liberdade de expressão e
responsabilidade digital.
A regulação de redes sociais no Brasil tem se intensificado nas últimas décadas,
impulsionada por preocupações com a desinformação, a proteção de dados pessoais e com a
promoção de um ambiente online seguro.
Dentre as iniciativas mais relevantes, destaca-se o Marco Civil da Internet, instituído em
2014, que estabelece princípios, garantias e deveres para o uso da internet no país.
O debate em torno da regulamentação das redes sociais no Brasil, também trouxe à tona
propostas como o projeto de lei 2.630/20, conhecido como a lei brasileira de “Liberdade,
Responsabilidade e Transparência na Internet”. Este projeto de lei aponta para um arcabouço
regulatório mais robusto para as plataformas, exigindo maior transparência nos algoritmos
utilizados, na moderação de conteúdos e na obrigação de criação de mecanismos que
permitam aos usuários recorrer da remoção de publicações. Ao mesmo tempo, esta legislação
pretende promover a proteção dos dados pessoais, alinhando-se às diretrizes estabelecidas
pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
Olhando o atual cenário e considerando a relevância para que tenhamos mais vozes
debatendo as angústias nacionais, eu defendo que uma regulação radical será nociva à tão
necessária pluralidade de opiniões. O projeto de lei 2.630/20 é importante, mas necessita de
uma visão mais branda e fluida, qual seja: a) é pertinente desencorajar o uso de contas
inautênticas e interromper a transmissão de conteúdo de desinformação e de ódio, desde que
este último tenha uma prévia determinação judicial; b) o usuário precisa responder pelo uso de
aplicações destinadas à disseminação de informações, mas não tem sentido estabelecer um
marco que adentre ao tema das mensagens privadas; c) existe a necessidade do poder público
instituir algum mecanismo, para que quaisquer usuários reportem sobre desinformação e
mensagens de ódio (de forma análoga ao que já temos no mundo das telecomunicações), mas
estabelecendo a responsabilidade do conteúdo aos reais editores (e não aos veículos de
divulgação).
Uma regulação excessiva e coibitiva, retomando à tese da obra de Daron Acemoglu,
colapsará a inclusão, a inovação e a liberdade de expressão, com o deslocamento irremediável
do pêndulo da teia social brasileira, para instituições extrativas, autoritárias e sem compromisso
com a geração de prosperidade, emprego e renda.
A colaboração entre o setor público (entenda-se aqui a esfera parlamentar, a única dentre
os poderes constituídos que traz em seu bojo e na sua formação a essência da pluralidade), o
setor privado e a sociedade civil gestará um ambiente eficaz para desenvolver e manter uma
abordagem regulatória ampla, que seja não apenas preventiva, mas também adaptativa
(garantindo-se um ambiente digital mais seguro e justo, e que estimule a inovação e a
liberdade de expressão).
O mundo digital torna mais complexo o trabalho de legisladores, juristas e gestores
públicos. No entanto, sufocar e censurar o agente transformador representado pelas
tecnologias disruptivas, a IA e os algoritmos, manterá o Brasil, e a sua economia, à margem do
processo de prosperidade. Não podemos ceder à tentação de matar o hospedeiro, quando a
questão está em encontrar caminhos que permitam a universalização de opiniões. Afinal, ou
defendemos o direito do contraditório, ou transformaremos em mera retórica a luta por uma
sociedade inclusiva, inovadora e próspera.
Em síntese, enquanto o Brasil constrói a sua estrutura regulatória, é imperativo considerar
tanto as lições aprendidas no cenário internacional, quanto a necessidade local de inovação,
requalificação e geração de riquezas. A regulação deve proteger os cidadãos, mas ao mesmo
tempo, ser flexível para acompanhar a dinâmica da economia digital e as necessidades do
país.
Ao final, o sucesso dessa empreitada dependerá não apenas de legislações eficazes, mas
de um comprometimento contínuo de todos os envolvidos (parlamentos, setor privado e
sociedade civil) em promover um ambiente tecnológico mais seguro, inclusivo, inovador e
democrático. Parece impossível, mas no íntimo estamos enfatizando o necessário para
garantirmos a dignidade das gerações futuras. Sempre que me deparo com tarefas complexas,
eu busco inspiração em Galieu Galilei, quando disse que “o Sol, com todos aqueles planetas
girando em torno dele e dependentes dele, ainda pode amadurecer um cacho de uvas como se
ele não tivesse mais nada no universo para fazer.”