Quando a Bola leva à morte !

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Bruno Filho

A primeira lembrança que tenho de um jogo de futebol é do dia 6 de dezembro de 1964, quando fui levado ao Pacaembú para assistir meu time, o Corinthians, ser massacrado pelo Santos de Pelé por 7 x 4. Tenho uma vaga recordação do primeiro jogo que realmente presenciei no Estádio e isso aconteceu também no Pacaembú num amistoso entre Brasil e Portugal em 1962.

De lá a esta parte devo ter assistido pelo menos umas 3000 partidas de futebol, se contarmos ao vivo, trabalhando ou torcendo, e pela televisão, mesmo que seja dentro de um estúdio. Já vi de tudo…dentro e fora do campo. Vi grandes confusões e pancadarias acontecerem, mas uma forma honesta, se é que posso usar este termo para pancadaria.

Brigas sempre aconteceram nas praças esportivas…abriam aquele clarão nas arquibancadas , mas tudo não passava de algumas trocas de tapas, arremessos de bagaços de laranja, pancadas com guarda-chuvas, e até um ou outro rabo-de-arraia. Mas esta maldade que campeia pelo Brasil inteiro não acontecia, de forma nenhuma. Nunca tive notícia de morte durante mais de 30 anos.

O primeiro grande acontecimento nefasto ocorreu numa partida curiosamente disputada entre juniores de Palmeiras e São Paulo, quando um garoto foi morto depois de receber pauladas. Daí em diante desencadeou um verdadeiro suplício. Um calvário que imagino esteja longe de terminar. Começaram a proliferar as torcidas ditas organizadas, chefes sendo mortos lá e cá.

Óbvio que não vou citar aqui caso por caso, mas quero lembrar que nestes anos em que vivemos, a coisa ficou muito mais séria e extrapolou às praças esportivas. As mortes agora são combinadas pelas redes sociais, os locais das mesmas marcados com antecedencia e bem ao estilo do seculo retrasado a coisa é resolvida na bala mesmo. E não há distinção de lugar ou horário.

Pode ser em onibus, trem, automovel, ou a pé mesmo sofrendo emboscada. Não há mais controle. Quando um filho, sobrinho, neto ou seja lá quem for diz que vai a um Estádio de futebol a possibilidade dele não retornar tornou-se preocupante. Nestes ultimos dias aconteceu em Campina Grande, em Curitiba, no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Recife, fora os casos que não temos noticias.

Nossas crianças estão morrendo em nome do amor à bola. Uma coisa simples demais, um objeto de desejo que é o primeiro presente pedido pelos meninos assim que eles aprendem a falar. As vezes antes de falar papai ou mamãe falam bola…quando nascem colocamos nas portas dos quartos das maternidades o uniforme dos times que queremos que eles torçam. Nós damos a eles a sua própria mortalha.

É o final dos tempos. Não se pode mais ter futebol, independentemente de camisa de torcida ou não. O futebol nunca vai morrer, mas também nunca mais será o mesmo. Perdeu a sua identidade. Futebol de sofá será o futuro bem próximo. Chegará o dia em que ninguém mais irá ao campo de futebol, os grandes “elefantes brancos” construidos para a Copa ficarão vazios.

Não estarei aqui para ver este pesadelo, mas que se arquive isso na história. A bola que sempre me sustentou , pode inclusive me tirar algum ente querido. Nunca imaginei que um dia escreveria sobre esse assunto. Sou do tempo em que domingo a tarde era sagrado, e sou obrigado a lembrar das palavras do maior jornalista esportivo de todos os tempos…Mestre Armando Nogueira:

“Se Pelé não tivesse nascido gente, teria nascido bola…”coitado do Pelé, e coitada da bola, nem um nem outro. Nem Pelé gostaria de ser assassino e muito menos a bola mereceria ser uma arma, e das mais calamitosas e perigosas dos ultimos tempos. Ela é responsável por mortes e mortes violentas e o que é pior de nossas crianças, aquelas mesmas que tinham as suas futuras camisas e paixões penduradas na maternidade.

Bruno Filho, jornalista e radialista, com medo daquilo que mais lhe alegrou na vida !