
Corrupção desvia até R$ 60 mi na PB
Em entrevista ao JORNAL DA PARAÍBA promotor Marinho Mendes falou sobre corrupção e aplicação da lei.
LENILSON GUEDES

O promotor de Justiça Marinho Mendes disse que a legislação brasileira favorece a ação dos corruptos. Segundo ele, se demora muito para colocar um corrupto atrás das grades por causa da legislação e da própria Justiça. “A legislação é muito benéfica para o corrupto no Brasil”, atesta Marinho, que coordena uma campanha lançada pelo Ministério Público intitulada “O que você tem a ver com a corrupção?”. Para o promotor de Justiça, a população brasileira também tem sua parcela de culpa. “Infelizmente, nós temos uma cultura de corrupção”, afirmou ele em entrevista exclusiva ao JORNAL DA PARAÍBA.
JORNAL DA PARAÍBA – A corrupção no Brasil tem crescido nos últimos tempos?
MARINHO MENDES – Tem crescido. É um fenômeno que mata. No mundo se desvia 1 trilhão e 500 bilhões de dólares. Todo esse dinheiro daria para matar a fome, daria para acabar com toda a pobreza. No Brasil são R$ 130 bilhões por ano. Daria para fazer muita coisa, como construir 9 milhões e 300 mil casas, 142 novos aeroportos, reduzir a pobreza e muito mais. Na Paraíba também temos os números da corrupção. Só este ano o Tribunal de Contas já apurou desvio de verbas públicas de R$ 40 milhões. É muito dinheiro para um Estado como o nosso. A média por ano aqui na Paraíba é de R$ 50 milhões a R$ 60 milhões. É um dinheiro que daria para fazer muita coisa. Daria para abrigar em casas populares seis mil famílias, daria para construir 30 hospitais de ponta, daria para construir 60 escolas superequipadas, daria para matar a fome e fazer a inclusão social da maioria dos paraibanos.
JP – Por que será que o dinheiro desviado não volta para os cofres públicos?
MARINHO MENDES – Esse é o grande problema. Inclusive um problema para nós do Ministério Público. A gente tem ações de ressarcimento, ações de improbidade, mas na hora que você pergunta quanto vocês têm recuperado esse é o grande problema. É muito difícil de você resgatar, o Judiciário é muito lento. Nós temos aí uma série de recursos e quando a gente chega no final o dinheiro não aparece. Por exemplo, o dinheiro que vai lá pra fora. Às vezes se gasta 10 a 15 anos para se recuperar esse dinheiro. Por incrível que pareça quando tem um resgate de uma aplicação numa ilha fiscal, não é pela Justiça brasileira, é pela Justiça daquele país, que é mais rápida, é mais célere. Então, no combate à corrupção nós pedimos também uma reforma judiciária, com segurança jurídica, onde a gente possa prever que nós vamos entrar com uma ação e vamos ter um prazo, vamos ter tempo e aquela ação realmente terá efetividade na prática. Uma das grandes reivindicações nossas é uma grande reforma do Judiciário.
JP – A legislação brasileira é rigorosa no sentido de punir os corruptos?
MARINHO MENDES – Horrível. É outra reforma que a gente precisa. Por exemplo, na lei de improbidade administrativa além de propor a ação, ainda tem que provar que aquele desvio foi doloso. No meu entendimento, todo mundo que embolsa dinheiro público, que leva esse dinheiro pra casa, ele agiu dolosamente, intencionalmente. E a lei ainda coloca esse senão aí, de provar que ele agiu dolosamente. Então, ele vai dizer que foi culpa, que foi isso, que foi aquilo, não sei mais o que. A lei protege, é demorada. Não há uma rigidez na punição. É muito demorada. Por exemplo, eu tenho na minha comarca uma ação de 1990 contra um prefeito. Ano passado saiu a sentença punindo esse prefeito. E várias e várias outras ações, que até é desestimulante, às vezes. A legislação é muito benéfica para o corrupto no Brasil.
JP – E a sociedade, de que maneira ela pode agir para ajudar no combate à corrupção?
MARINHO MENDES – A sociedade tem que tomar consciência que ela tem que interagir e tem que participar. Como? Denunciando, exigindo, fiscalizando, tomando conhecimento das novidades, das reformas. Já temos alguns avanços, como, por exemplo, a lei da ficha suja, que já eliminou muita gente nas últimas eleições. Temos a lei de Acesso à Informação, que exige que hoje um administrador, para determinadas obras, determinadas políticas públicas, tem que ouvir a comunidade. Mas a nossa sociedade, e essa é a nossa grande decepção, às vezes também é corrupta. O Ibope fez uma pesquisa e durante a entrevista colocava 13 itens de corrupção e a maioria dos entrevistados, 79%, disse que se fosse autoridade também praticava aqueles atos de corrupção. Precisamos de muita educação porque numa sociedade que pensa em vencer pela facilidade, os grandes estelionatários vão achar um campo fértil para se promover na política. A gente precisa também criar essa cultura de vencer pelo esforço. Eu agora, por exemplo, na campanha política, lutei muito, principalmente com os eleitores, levando palestras em todos os lugares. Porque, a grande decepção, são os eleitores. Tem eleitor que diz abertamente que só vota se ganhar alguma coisa e isso tudo é corrupção, que só atrasa, que só mata a nossa sociedade.
JP – Quanto aos órgãos de controle externo, o senhor acha que eles estão cumprindo bem o seu papel?
MARINHO MENDES – Os órgãos de controle externo têm feito muito esforço. Mas ainda precisa de muita estrutura, precisa de muito conhecimento. Nós precisamos de conhecimento todos os dias e uma coisa interessante, os órgãos de controle não trabalham em rede, não trabalham integrados. Isso tem beneficiado os corruptos. Por exemplo, às vezes a Polícia Federal tem um dado, o Ministério Público Federal precisa daquele dado, mas é difícil. Às vezes o Tribunal de Contas ou o Fisco têm determinados dados e não se conversam. Tem que abrir os canais, se conversar, se unir e formar uma verdadeira rede unida de combate, de troca de conhecimento, de troca de informações, de socialização do conhecimento, senão a gente vai perder essa parada.
JP – O ex-diretor da Petrobras deu uma declaração de que a propina no Brasil é generalizada. Isso reflete a realidade?
MARINHO MENDES – Reflete. Infelizmente, nós temos uma cultura de corrupção. Vai desde a escola, com a criança que vai no bebedouro seis vezes, ao eleitor que pede o tijolo. Isso envolve também o funcionário público. Nós temos 130 mil funcionários e 25 mil comissionados, só no governo federal. No geral, nós temos mais de 100 mil servidores públicos no Brasil. Esses funcionários públicos, que emitem alvará, autorizações para funcionamento de empresas, licenças ambientais, acabam também sendo campo fértil para a corrupção. É uma cultura terrível. Só vai na base do agrado – ‘olha eu te dou um presente, vou te dar isso’ -, senão a coisa não vai. Somente com a formação ética, moral e educacional muito forte é que a gente vai combater isso. Porque só a punição não adianta. Hoje se prende 20 corruptos, mas já tem outros 20 se corrompendo. O corrupto não tem jeito. Então, a sociedade pode fazer muita coisa. Pode criar sites, grupos na internet, para denunciar os casos de corrupção.
JP – Muitas das irregularidades que são identificadas pelos órgãos de controle externo têm a ver com as licitações. Não está na hora de rever essa legislação?
MARINHO MENDES – A lei da licitação é uma lei que precisa ser reanalisada. Precisa ser reestudada, atualizada. Um dos setores da corrupção é exatamente através da fraude a licitação. Os órgãos de controle precisam ter um filtro maior. Nós tivemos aqui na Paraíba uma operação da Polícia Federal chamada cartas marcadas. Nessa operação foi descoberto que uma pessoa só possuía 20 empresas de fachada funcionando. Só quem ganhava era ele. A lei de licitação tem que fazer uma exigência maior. É tão difícil às vezes abrir uma empresa de um homem correto e essas pessoas têm essa facilidade toda.
JP – Existe no Ministério Público da Paraíba o programa intitulado “O que você tem a ver com a corrupção”. Quais os resultados apresentados até agora?
MARINHO MENDES – Esse programa tem por finalidade manter esse tema em pauta. A gente luta para manter o programa nas escolas com palestras, nas comunidades com audiências públicas, com seminários. Fizemos esse ano um concurso de redação nas escolas do Estado, mas precisamos massificar isso ainda mais, precisamos criar mais eventos, mais ações. A gente tem sentido que as pessoas têm aceitado e tem atingido uma boa parte da população esse projeto nosso de dizer não à corrupção.