POLÊMICA: ‘Sexting’, o sexo digital, atrai casais, possui códigos e requer precaução

— Ainda que casais pratiquem sexting, teremos sempre um nicho. Inclusive fazendo “shows” para esses casais. O futuro do sexo digital, dizem os analistas de tendências, é cercar o smartphone de mais gadgets. Este ano chegou ao mercado o Oculus Rift, um trambolho que você prende na cabeça e promete, entre outras funções mais comportadas, “experiência sexual à distância com realidade virtual”. A ver. Já as bonecas e os bonecos infláveis estão cada vez mais avançados: viraram estátuas hiperrealistas com movimentos de quadril pré-programados. Muito estranho? Talvez você tenha interesse no vibrador remoto.

Relação sexual via aplicativos é praticada por 80% dos adultos americanos

SEXO

RIO – Antes de vir passar um fim de semana no Rio, a executiva paulista A já estava de papo com o designer carioca B. Os dois, que planejavam se conhecer pessoalmente, haviam se encontrado no Tinder, aplicativo que conecta usuários mutuamente interessados (o popular “match”). A ideia, nas palavras de A, era “tirar o atraso e dar um adianto”, mas entre a Praia de Ipanema, a noite na Lapa, a agenda ficou pequena para B. Na hora de ela ir embora, lamentavam o desencontro via WhatsApp quando ele veio com uma proposta inusitada: uma rapidinha virtual. Após mensagens incrédulas dela e incisivas dele, A cedeu. Com um iPhone na mão e mil ideias na cabeça, começaram a trocar frases salientes, desenhos safados, fotos picantes e, no auge do ato, áudios calientes no estilo “foi bom pra você?”. Despediram-se, ela partiu para o aeroporto e pegou seu voo. Nunca mais se falaram.

— Transei com um cara que eu nunca vi — comenta A, dando risada. — E transaria de novo. Não era para ser nada sério. Foi prazeroso, divertido, diferente.

O que a executiva de São Paulo conheceu no Rio foi o sexting, combinação de sex e texting (em inglês, “sexo” e o neologismo para envio de mensagens por celular). O termo surgiu em 2005 como sinônimo para troca de torpedos sacanas. Mas, com o avanço tecnológico, hoje abrange texto, emoticons (desenhos de carinhas), emojis (desenhos de qualquer coisa), recados de áudio, além de vídeos e retratos de corpos com pouca ou nenhuma roupa — geralmente atendendo ao já consagrado pedido “manda nudes”.
Não só o sexo casual substitui o sexting casual: relações entre estáveis também ganham uma faceta digital. Uma pesquisa da Universidade Drexel, da Filadélfia, apresentada em 2015 na convenção anual da Associação Americana de Psicologia, encontrou uma forte relação entre o sexting e a satisfação sexual e afetiva de casais. O estudo também encontrou um dado surpreendente: no último ano, oito de cada dez adultos dos Estados Unidos trocaram mensagens de teor sexual — e 75% destes estavam falando com seus parceiros fixos.

— A ideia era mostrar o lado positivo do sexting, uma coisa que faz parte do cotidiano de muita gente — diz a psicóloga Emily Stasko, responsável pelo estudo. — Ele geralmente é associado a compulsão, assédio sexual e bullying, principalmente entre os jovens.

De fato, os especialistas se preocupam com uma geração que conhece o sexo virtual junto com o real (ou até antes). Uma pesquisa da ONG Safernet mostra que quase 20% dos adolescentes brasileiros receberam nudes — e um terço destes passou as imagens adiante.

— Há um lado perigoso do sexting, mas acho ingênuo e hipócrita condenar um comportamento consolidado. Vamos abastecer os jovens de informação — diz a educadora sexual e palestrante Nathalia Ziemkiewicz, criadora do blog Pimentaria. — É preciso conscientizar principalmente as meninas, que sofrem mais com fotos vazadas, já que ninguém diz que um garoto é “vadio”, “não se dá ao respeito”. Vai mandar nude? Esconde o rosto, não mostra tatuagem, o quarto, nada que vá identificar. Você precisa saber se precaver neste novo tipo de sexo.

Que nem é tão novo. Nos anos 1990, quem entrava nas salas de chat dos portais logo informava gênero, idade e cidade em que estava, torcendo por uma “conversa privada”. Em sites como Almas Gêmeas e Par Perfeito, perfis recebiam recados românticos, mas também explícitos. As redes sociais facilitaram a interação ampla, geral e irrestrita — “fulano cutucou você” podia ser prenúncio de algo interessante. Mas só com a disseminação dos smartphones (e suas câmeras e sua internet rápida) houve a explosão do sexo digital. O psiquiatra Marco Scanavino, do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) da USP, resume:

— Para o bem e para o mal, ficou tudo mais fácil, mais rápido, mais direto.
C, um arquiteto de quase 40 anos, diz que sua adolescência seria outra se ele tivesse acesso a algo parecido com o Grindr, aplicativo de paquera voltado a homens gays e bissexuais. Não era fácil encontrar parceiros na cidade do interior onde ele cresceu, ainda mais não se assumindo. Solteiro no Rio de Janeiro quando o Grindr estourou, C aproveitou para se divertir. Mas sem se expor (muito):

— É normal receber fotos de pau duro, bunda arrebitada, gente de calcinha, de cueca. Dá-lhe Calvin Klein… Os vídeos, na maioria das vezes, são de masturbação. Mas nunca me senti à vontade para mandar foto minha pelado. No máximo, sem camisa.

Para C, no mundo gay o sexting não é exclusividade dos mais jovens (“Os velhos são bem saidinhos”). Além disso, quem entra no app querendo transar geralmente está com pressa (“Com sorte, você encontra a pessoa em uma hora”). As perguntas ou emojis (glossário na página 33) vão direto ao ponto. Idade? Sarado? Ativo e/ou passivo? Tamanho?

— É bem visceral mesmo — diz C. — Na maioria desses encontros, não lembro o nome da pessoa, apenas do sexo.

Mas também existe amor no Grindr. Quando se entra ali querendo conhecer outro alguém, a conversa muda: entre um nude e outro, fala-se de gostos pessoais, música, comida, bebida…

— …E depois você marca no restaurante. Mas só na cama você descobre como é o cara de verdade. Foi assim que conheci meu atual namorado. Tenho visto muitos namoros começarem via aplicativos — diz C.

Uma pesquisa do site OKCupid, muito popular nos EUA, mostra que um terço dos casamentos realizados naquele país no período de 2005 a 2012 foi entre pessoas que se conheceram on-line. Não há dados do Brasil, mas a popularidade de aplicativos exclusivos para encontros, ou que quebram esse galho, sugere que a porcentagem é grande. A novidade é que a paquera virtual permanece ao longo do relacionamento.

Marco Scanavino, do ProSex, diz:

— Pela nossa observação, o sexting está muito presente nos relacionamentos fixos, tanto dos adolescentes quanto dos jovens adultos.

— É uma ferramenta para manter a libido. À medida que as pessoas se conhecem melhor, é natural que o tesão arrefeça, porque isso tem a ver com mistério, com segredo. E o sexting recupera isso. Conheço vários casais que se excitam à distância durante o dia. Ele manda link de videozinho erótico, ela manda um roteirinho de como quer encontrá-lo à noite, os dois falam umas baixarias. Acho muito saudável.

O chat sacana também marca presença na cultura pop: está no best-seller “Modern love” (sem edição brasileira), do comediante americano Aziz Ansari; foi trama paralela do seriado “Pé na cova”, da TV Globo; e é ponto de partida de “Cinco Júlias”, peça em cartaz no Teatro das Artes. No espetáculo do até então cineasta Matheus Souza, de 28 anos, garotas têm suas vidas digitais expostas por hackers.

— A peça não faz juízo de valor sobre as relações virtuais, que estão aí, são parte da vida. Tudo tem um lado bom e um lado ruim, a única regra absoluta é o respeito ao próximo. Basta um clique de compartilhamento para virar o universo de uma pessoa de cabeça para baixo — diz Matheus, que logo começa a filmar “Suicidas”, baseado no livro de Raphael Montes, cuja história também fala em vazamento digital.

Segurança nunca é demais — mesmo no Snapchat, em que as imagens se autodestroem, é possível fotografar a tela (o tal printscreen). Diante disso, especialistas aconselham que os casais criem um hábito: apagar fotos e vídeos juntos sempre que se encontrarem. Nunca se sabe o dia de amanhã e o revenge porn (“pornô de vingança”, jogar na rede arquivos confidenciais do ou da ex) atinge celebridades e anônimos.

Vazamentos de imagens, privacidade, etiqueta, ciúmes (consenso, o sexting fora da relação é traição): há uma modalidade de sexo digital em que estas questões não estão presentes. Trata-se da atividade das camgirls, garotas que se apresentam diante de uma webcam seguindo orientações de um cliente que está do outro lado. A maioria trabalha em parceria com algum site, como a que usa o codinome Aprendiz no portal CameraHot. Assertiva, a moça garante que a relação virtual entre uma camgirl e seu cliente é muito mais intensa do que entre marido e mulher.

— Eles vêm aqui pedir o que não pedem para a parceira — diz Aprendiz.

Os pedidos vão do hardcore, envolvendo dejetos corporais e inserção de objetos, até demandas singelas. Para alguns, a maior tara é ver um grande zoom da… axila. Aprendiz ensina:

— Ainda que casais pratiquem sexting, teremos sempre um nicho. Inclusive fazendo “shows” para esses casais.
O futuro do sexo digital, dizem os analistas de tendências, é cercar o smartphone de mais gadgets. Este ano chegou ao mercado o Oculus Rift, um trambolho que você prende na cabeça e promete, entre outras funções mais comportadas, “experiência sexual à distância com realidade virtual”. A ver. Já as bonecas e os bonecos infláveis estão cada vez mais avançados: viraram estátuas hiperrealistas com movimentos de quadril pré-programados. Muito estranho? Talvez você tenha interesse no vibrador remoto.

Entre vários modelos, o grande fetiche é o Ohmibod Bluemotion, cerca de US$ 99 nos sites gringos. Funciona assim: via celular, de qualquer lugar, um sujeito (ou “sujeita”) pode acionar o vibrador rosa na calcinha da parceira (que é azul e vem incluída). Enquanto o bicho vibra, pode-se trocar instruções e impressões. A escritora Samantha Greene, que testou o aparelho, dá seu veredito:

— Foi menos estranho do que eu imaginava.

 

Fonte: O GLOBO
Créditos: POR EMILIANO URBIM