PMDB, a “jabuticaba”

Nonato Guedes

Li, no jornal “O Povo”, em Fortaleza, onde estive em evento de formatura, uma entrevista de André Singer, cientista político, ex-porta-voz do governo Lula no primeiro mandato. Professor da USP e bastante conceituado, além de jornalista, Singer havia lançado sua nova obra “Os sentidos do lulismo”, que interpreta a guinada do Partido dos Trabalhadores desde sua ascensão ao Planalto em 2003. Chamou-me a atenção, em especial, a leitura que ele fez sobre o PMDB, que comparou a uma espécie de fenômeno na conjuntura partidária nacional. “Na ciência política, o PMDB é um caso muito difícil de ser compreendido; uma espécie de jabuticaba da política que existe apenas no Brasil”, frisou Singer.

O diagnóstico está amparado em fatos. Afinal, ressalta ele, o PMDB é um partido que se mantém forte sem concorrer à presidência da República, algo inesperado dentro do nosso sistema político. Depois de mergulhar na trajetória do lulismo, Singer está debruçado, agora, nessa exegese do partido que, quando da ditadura militar, crescia quanto mais batiam nele (referência a cassações de alguns de seus deputados e casuísmos de todo tipo, como o dos biônicos, invenção do regime para tentar contrabalançar a ascensão do que parecia uma agremiação consentida para manter a aura de pluralidade ideológica ou política). O doutor Ulysses Guimarães, por essa época, tratava o PMDB como pão-de-ló: quanto mais batiam, mais ele se agigantava. Em 89, porém, quando tentou tirar a prova dos noves, no papel de candidato na primeira eleição direta pós-ditadura, doutor Ulysses teve menos votos do que o folclórico Enéias, do Prona.

Mas, voltemos a Singer. Ele adverte que uma legenda que não disputa o cargo máximo da República e ainda assim permanece forte, é algo estranho no presidencialismo brasileiro. Uma aproximação que lhe ocorre é entre o PMDB e o antigo PSD, aquele de antes de 64, não o PSD de agora, pilotado por Gilberto Kassab, que foi prefeito de São Paulo. E a semelhança, ou coincidência, se dá do ponto de vista da infiltração do PMDB nos currais ou bolsões políticos do interior. “O PMDB tem uma força residual nas localidades, e esta era uma característica do PSD de antanho”, reflete Singer. Com uma diferença: o PSD que ele menciona teve candidato a presidente competitivo, em 1955, como Juscelino Kubitscheck, que, se não fosse o golpe de 64, seria postulante na corrida dez anos depois. JK, todos se lembram, já estava em mobilização frenética para voltar nos braços do povo, mas foi golpeado impiedosamente pela linha dura militar, e morreu frustrado.

Um outro aspecto que intriga Singer diz respeito ao fato de que o PMDB mantém uma forte base congressual, operando como uma espécie de fiel da balança nas votações, sobretudo naquelas que interessam mais de perto à presidente Dilma Rousseff, hoje a capitã do time remanescente do ajuntamento de forças que o PT agregou para estar há mais de uma década no poder. Dilma está politicamente sangrando, como atestam recorrentes pesquisas de opinião pública. Mas seu vice é o Michel Temer, do PMDB, equivale dizer, do partido que, se quiser, atrapalha os planos e a vida da presidente, tal como tem ocorrido, agora com mais intensidade em virtude da fragilidade ostensiva com que se move a gestão petista.

Em relação ao Partido dos Trabalhadores, André Singer não deixa de apontar a metamorfose porque passou a agremiação desde que, via Lula, chegou ao cargo máximo na hierarquia de poder, a presidência da República. Para o cientista político, a reviravolta é indiscutível. E cita como exemplo que a partir de 2002 o Partido dos Trabalhadores tornou-se amigável ao capital. Fez concessões que, na opinião de alguns mais ortodoxos, desfiguraram a essência das suas raízes. Foi o preço inexorável que pagou para “chegar lá”, depois de sucessivas tentativas protagonizadas por Lula.

Singer é polido o suficiente para fazer uma crítica moderada ao PT-poder. A censura é dirigida à adoção do reformismo fraco de que a legenda está impregnada, no seu modo de ver. Na sua avaliação, o PT terá que tomar opções difíceis, quando for confrontado com decisões políticas importantes, especialmente na área da economia. Daí a sua cautela em arriscar prognósticos sobre o que pode acontecer em relação ao futuro da legenda. Abstraindo essa idiossincrasia, continua válida a exegese que ele traça do PMDB, a nossa jabuticaba. Um fenômeno, sem dúvida!