Papa admite uso de contraceptivos durante epidemia de zika

Risco de microcefalia reacendeu o debate sobre aborto na América Latina e Caribe

O Papa Francisco flexibilizou o uso de métodos contraceptivos, como preservativos e a pílula anticoncepcional, para mulheres ameaçadas pela epidemia de vírus zika. O pontífice, contudo, pediu para que não realizem abortos. Nesta quinta-feira, quando retornava do México, Francisco disse que o aborto é um “crime”, mas a contracepção pode ser excepcionalmente “menos pior”.

— O aborto não é uma questão qualquer, é um crime. Evitar uma gravidez não é um mal absoluto — disse Francisco à imprensa, em alusão aos métodos contraceptivos.

O vírus zika pode estar relacionado ao aumento de casos de microcefalia em bebês, no Brasil. Francisco afirmou que há uma diferença moral clara entre abortar e prevenir uma gravidez. Ele citou o Papa Paulo VI (1963-1978), que autorizou de forma excepcional o uso da pílula a religiosas do Congo que temiam ser estupradas por grupos armados do país.

— Não se deve confundir o mal que representa evitar uma gravidez com o aborto. O aborto não é um problema teológico. Matar uma pessoa para salvar outra é uma maldade humana, não um mal religioso — declarou.

Franciso também fez uma apelo para que vacinas sejam rapidamente desenvolvidas:

— Peço aos médicos que façam de tudo para descobrir as vacinas contra esses mosquitos. Que se trabalhe para isso — disse.

O risco de microcefalia reacendeu o debate sobre aborto na América Latina e Caribe. No início de fevereiro, a ONU pediu que países afetados pela epidemia garantam o acesso a contraceptivos e ao aborto. “As leis e as políticas que restringem acesso a esses serviços devem ser urgentemente revistas em consonância com os direitos humanos, a fim de garantir na prática o direito à saúde para todos”, declarou a organização.

ONG LANÇA MANIFESTO EM FAVOR DO ABORTO

A organização não governamental Católicas pelo Direito de Decidir, que milita pela descriminalização do aborto no país, lançou um manifesto em defesa do direito da mulher interromper a gestação se for contaminada pelo vírus zika. Como o diagnóstico da microcefalia só ocorre por volta do 7º mês, quando o procedimento se torna inviável, a ONG defende que as grávidas diagnosticadas com zika possam fazer o aborto.

O movimento se uniu ao grupo de especialistas que planeja apresentar uma ação no Supremo Tribunal Federal para que, entre outros serviços, o Estado garanta o acesso ao aborto no caso de zika. O pedido que será levado à Corte, ainda em fase de elaboração, focará também no difícil acesso a políticas de planejamento familiar e na necessidade de melhoria dos serviços voltados para a saúde feminina.

Para Rosângela Talib, uma das coordenadoras do Católicas pelo Direito de Decidir, as mulheres não podem “pagar a conta” do descaso do Estado:

— Elas terão de arcar com o ônus da falta de saneamento, de coleta de lixo, de exames, de remédios? É uma questão de saúde mental, psicológica. Defendemos também a obrigação do Estado de dar toda a assistência às mulheres que quiserem levar a gravidez adiante.

NOTIFICAÇÃO OBRIGATÓRIA

A partir de hoje, o zika entrou na lista de doenças de notificação compulsória no Brasil. Diante do avanço de enfermidades graves relacionadas ao vírus, como microcefalia e Guillain-Barré, profissionais de saúde das esferas públicas e privada são obrigados a informar casos suspeitos e confirmados de infecção por zika. A determinação foi publicada no Diário Oficial da União.

Também nesta quinta-feira, o Banco Mundial divulgou que vai liberar US$ 150 milhões (cerca de R$ 600 milhões) para auxiliar o combate ao vírus na América Latina e no Caribe. Os valores estão disponíveis para todos os países da região que sofrem com a epidemia e podem cobrir, por exemplo, o envio de equipes de especialistas aos países afetados. O banco deixou aberta a possibilidade de aplicar mais recursos para o combate à doença.

O Globo

Fonte: O Globo