Oposição e governo divergem sobre demandas da sociedade

Geórgia Moraes

Autoridades foram surpreendidas quando um milhão de pessoas foram às ruas do país reivindicar melhores serviços públicos. As mobilizações iniciadas nas redes sociais questionaram gastos com estádios da Copa e pediram saúde, educação e transporte “padrão Fifa”. Para o deputado e também historiador Chico Alencar, do PSOL do Rio de Janeiro, o alerta modificará para sempre a ação do poder público. “Copa das Confederações, Copa do Mundo, que demandaram recursos extraordinários e que chocam a população. O hospital ali precaríssimo e do lado um estádio imponente, padrão Fifa, onde se gastou R$ 1,5 bilhão em um ano ficou pronto, quer dizer: o país tem tecnologia, o tesouro público tem recursos, quando se quer, se faz. Então, acho que isso vai ser mais ponderado, não podem continuar achando que podem enganar o povo inteiro”.
Rapidamente a presidente Dilma Rousseff reuniu governadores e prefeitos para encontrar saídas para as demandas sociais e propor cinco pactos em favor do país: responsabilidade fiscal, reforma política, saúde, transporte e educação. Câmara e Senado também formularam uma agenda positiva de votações e aprovaram votações de medidas como a destinação dos recursos dos royalties para a educação e a saúde. O foco do debate, no entanto, recaiu sobre a reforma política e uma consulta popular sobre os pontos que deveriam ser modificados. Para o cientista político, Carlos Ranulfo, essa foi uma opção equivocada.
– A reforma política não dialoga com as ruas. As ruas querem muito mais políticas públicas melhores. Isso não passa por reforma política. Eu acho, inclusive, que apresentar a ideia de reforma política como resposta às ruas é um erro. É uma precipitação e pode jogar uma discussão que é muito complexa no calor da rua, o que seria um desastre”, pontuou. A oposição reagiu e disse que o governo estava desviando o foco das reais reivindicações. O líder da minoria na Câmara, Nilson Leitão, cobrou do governo a execução orçamentária para a educação e a saúde. Restos a pagar do orçamento do ano passado que não foram executados: R$ 10,2 bilhões para a educação e R$ 9,8 bilhões para a saúde. Nilson Leitão lembrou, ainda, o veto da presidente à regulamentação da emenda constitucional 29, que garante mais recursos à saúde, e a promessa ainda não cumprida de destinar 10% do PIB à educação, meta prevista no Plano Nacional de Educação aprova do pelo Congresso.
“Não tinha o que responder para a sociedade, o que mostrar para a sociedade, e o que tentou fazer é dizer: “olha, nós não temos o que fazer, então, vamos mandar uma lista aqui e mandar para o Congresso para dizer que precisa reformar a política brasileira. Ótimo. Começa reformando o comportamento do gestor. Executando um orçamento que foi aprovado. Se não fizer isso, sem dinheiro não resolve, não compra o remédio, não faz a cirurgia, não banca as universidades, não reforma os hospitais universitários, não melhora a qualidade de vida da sociedade”. O líder do Democratas, Ronaldo Caiado, também critica a orientação do governo. Segundo ele, que já foi relator da reforma política, os cinco pontos sugeridos pela presidente para o plebiscito já estavam na agenda do Congresso.
“Por que ela quer opinar sobre temas que são nossos? E os temas que foram levados a ela pelas ruas são muito mais graves, urgentes e imediatos. É isso que a sociedade tem que entender. Ninguém é contra o plebiscito. Agora, o plebiscito não pode ser usado como ferramenta para esconder alguma coisa. Para desviar a atenção das pessoas para as coisas importantes”. Já o relator da reforma política há mais de dois anos, deputado Henrique Fontana, do PT do Rio Grande do Sul, defende que a sociedade também quer mudanças no sistema político. Para Fontana, o alicerce das decisões e da qualidade da gestão pública nasce no sistema político. “Desde quando para discutir temas de reforma política nós temos que parar de discutir a saúde, a educação, as estradas, o transporte? A natureza da democracia é discutir e votar diversos temas simultaneamente. Então, o que eu sinto é que alguns não querem consultar a opinião pública. Talvez porque tenham vontade, uma parte, de deixar as coisas como estão, que foi o que aconteceu ao longo dos últimos 18 anos”. Para o líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia, as manifestações revelaram uma crise na representatividade política, o que justifica a sugestão da presidente. “O que não podia acontecer era o Executivo e até o Legislativo ficarem completamente insensíveis, sem fazer nenhum sinal para a população brasileira de que entenderam claramente o recado”.
O professor e sociólogo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Paulo Baía, tem dúvidas se a proposta de plebiscito está em consonância com as demandas manifestadas nas ruas. “Esta ideia de tentar capturar o movimento através de iniciativas que não estão em consonância com o que as ruas estão pedindo, não fazem sentido. O plebiscito tem que ser construído socialmente, para ver quais são as perguntas do plebiscito. Então, se isso não tiver prévia participação na elaboração do que vai ser consultado, não terá sentido para as ruas”. O presidente do Instituto Data Popular, Renato Meirelles, avalia que nem governo nem oposição têm encontrado respostas satisfatórias para as demandas da sociedade. Para ele, as manifestações que tomaram o país representam uma revolta contra a classe política, que não tem conseguido dialogar com os participantes do movimento. “Essa discussão só vai fazer sentido se ela for capaz de ser traduzida em algo que, de fato, interfira no cotidiano da vida das pessoas”.
Uma pesquisa feita pelo Instituto Data Popular, especializado em estudos das classes C, D e E, ouviu jovens entre 18 e 34 anos antes do início das manifestações: 75% dos entrevistados disseram não confiar nos parlamentares e 59% revelaram desconfiança com a Justiça. A pesquisa “O novo poder jovem” indicava, também, que os jovens tinham a sensação, antes das manifestações, de não estarem sendo ouvido, 53% afirmaram confiar que suas conquistas serão fruto do seu esforço pessoal e 65% dos jovens disseram que é possível melhorar a política brasileira através do voto. Anseios de assumir para si a insatisfação com o status quo e de ser protagonista da própria história.