Rubens Nóbrega

Tenho pavor de falar em público, talvez mais do que um dia já tive de falar namoro às meninas que julgava muita areia pro meu caminhãozinho.
Vem da timidez misturada com insegurança que me bate quando preciso me expressar diretamente, no mesmo ambiente, no mesmo campo visual, para pessoas que não conheço ou com as quais não tenha a menor intimidade.
O medo é tanto que meia dúzia vira multidão na minha contagem. Eis a razão de entrar em pânico quando alguém me convida para fazer alguma palestra ou debater sobre temas que em geral têm a ver com jornalismo, política e poder.
Mesmo assim, talvez por acreditar na condescendência alheia e na esperança de algum dia dizer algo que preste, nesses eventos, acabo aceitando esse tipo de convite e me submetendo ao suplício da ansiedade que antecede o momento de encarar o público.
Mas, pra não fazer feio demais, antes de subir ao palco tento organizar idéias, elaboro mentalmente frases de efeito e escolho histórias curiosas ou hilárias para contar, divertir e ‘ganhar’ quem tiver a generosidade de comparecer.
Na maioria das vezes, contudo, na hora H o aperreio tira a escada do planejado e e me deixa pendurado na brocha da incerteza. Aí, penso uma coisa, digo outra; falo o que não devo e fico devendo o que deveria falar. Decepcionante, brochante mesmo.
Derrapante indecisão

Outra coisa atrapalha um bocado. Durante a falação, não consigo decidir se o que estou falando é compreendido pela maioria daqueles que me ouvem. Assim, se me acho profundo, piso no freio para não parecer metido a besta. Se me vejo raso, acelero para fugir da superficialidade. Acabo ‘aquaplanando’.
Pior é quando fico tentado a dizer aquilo que pretensamente minhas ‘vítimas’ gostariam de ouvir. Já me disseram que esse seria “o segredo do sucesso”, mas não consigo praticar o truque. Sinceramente. Porque nesse caso sobrevém o temor de ser pego em contradição, que na minha escala de valores corresponde a ser desmascarado.
Já me arrependi algumas vezes de tais pruridos. Uma delas aconteceu em agosto de 2006, quando tive a oportunidade de expor sobre mídia e corrupção (ou algo do gênero) em um painel da III Conferência Internacional de Direitos Humanos, promovida pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Teresina (PI).
Fui a convite do admirável advogado Edísio Souto, então presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB e coordenador do evento. Pois é, com tanta gente boa e capaz de dissertar com brilhantismo sobre o tema, ele achou de me chamar. Dessa vez, a vaidade diante de tamanha deferência superou os receios. Topei me aventurar.
Ainda bem, pensei…

Meu painel atraiu mais jornalistas que cobriam a Conferência. Por conta disso, apostei que ficaria mais à vontade para questionar e criticar o comportamento da chamada grande mídia, que por aquele período, de carona na calda de um foguete chamado ‘mensalão’ lançado por Roberto Jefferson, empenhava-se como nunca em deter a reeleição de Lula ou, no mínimo, impichá-lo.
Aquilo me dava mais e certeza que a impiedosa saraivada de denúncias tentando a todo custo envolver o presidente de forma direta nas supostas falcatruas há muito ultrapassara os limites do compreensível ou suportável. Eram ataques coordenados, articulados, planejados e, pelo visto, acolhidos como verdade absoluta por segmentos importantes e parcelas consideráveis da opinião pública.
Por estupidez ou ingenuidade, achei de remar contra a maré! Em vez de tentar convencer os colegas a se engajarem numa militância pró-direitos humanos, como era o meu propósito inicial, inventei de ‘detonar’ o ‘mensalão’. E o fiz esforçando-me em parecer o mais didático e objetivo possível, além de sucinto, para antecipar e facilitar o debate previsto para após a exposição. Pra quê? Quando acabei…
Criativo e vingativo
Ao final da minha fala, percebi que os presentes pareciam atingidos por “um flit paralisante qualquer”, como diria Cazuza. No ato, especulei intimamente que eles deveriam estar querendo “ter uma bomba” naquele instante para jogar sobre o imbecil que ali viera cometer a suprema ousadia de duvidar de ‘verdade’ tão estabelecida, porque repetida ad nauseam por folhões, estadões et caterva.
Superado o impacto, só não me chamaram de mensaleiro. Senti-me tão execrado quanto Zé Dirceu ao ouvir as reações aos meus conceitos sobre o ‘mensalão’, que sempre tive na conta de criativa invenção da verborragia vingativa de Bob Jefferson.
Que se vingou na grande, de fato, do ex-poderoso chefe da Casa Civil, a quem o líder do PTB recorreu em vão para deter as investigações sobre corrupção nos Correios dirigidos por afilhados de Jefferson. Um deles foi filmado enquanto recebia propina em dinheiro vivo e denunciado em rede nacional de tevê.
Voltei à Paraíba profundamente desconfortável com o que fiz. Não pelo que disse, mas porque poderia ter poupado o Doutor Edísio de pagar mico por ter convidado um palestrante que não sabe falar, muito menos jogar pra platéia.