Longevidade no poder

Nonato Guedes

A questão da longevidade no poder merece um esboço de interpretação do cientista político Alberto Carlos Almeida em seu livro “Quem disse que não tem discussão?”. Ele parte do princípio de que toda alternância no poder é igual, porém, a permanência por longos períodos é sempre diferente. Cada um permanece por um longo tempo no poder à sua maneira. Ou, acrescento eu, dependendo das conjunturas. Mas a palavra é dele, a partir da conexão que estabelece entre exemplos distintos, no Brasil e em outros países. A lista de alguns casos mencionada por Alberto Carlos Almeida começa com o predomínio do PSDB em São Paulo, com Mário Covas duas vezes no governo, uma vez Geraldo Alckmin, uma vez José Serra, de novo Alckmin. Ou o de César Maia no Rio, por três vezes e Luiz Paulo Conde por duas vezes.

Cita o predomínio da dupla PT-PSB por 16 anos em Belo Horizonte. E deriva para situações externas: o Chile governado durante quatro mandatos por políticos da Concertación, como Patrício Aywin, Eduardo Frei, Ricardo Lagos e Michele Bachelet. Na Argentina recém-democratizada, somente peronistas completaram o mandato. Raul Alfonsin e De La Rua, da União Cívica Radical, deixaram a presidência antes do encerramento do seu período legal de exercício do cargo. “Por alguma razão, somente os peronistas têm condição política de governar a Argentina. Talvez eles estejam para a Argentina assim como a família Sarney está para o Maranhão”, cogita o escritor. Mas, como ele lembra, inúmeros outros casos de longa permanência no poder foram emblemáticos.

A saber: setenta anos de PRI no México, a eleição de Margareth Thatcher como primeira-ministra do Reino Unido por três vezes, seguindo-se John Major, do mesmo Partido Conservador, perfazendo quatro vitórias consecutivas. Os mesmos conservadores, agora nos Estados Unidos, elegeram duas vezes Ronald Reagan e uma vez George Bush pai, somando o predomínio de três mandatos. A Alemanha foi governada por Helmut Kohl por 16 anos. Desde 19932, o Partido Social Democrata Sueco perdeu apenas quatro eleições. No Japão, deu-se o fim de 54 anos de governos do Partido Liberal Democrata. O vizinho Uruguai, desde a nova Constituição de 1967, teve 12 presidentes. Destes, oito foram do Partido Colorado, dois do Partido Nacional, um sob o regime militar, havendo um hiato com a ascensão de um representante da Frente Ampla. Mas, feitos os cálculos, no Uruguai o Partido Colorado dá uma surra em termos de longa permanência no poder.

Aprofundando a conjuntura nos Estados Unidos, Alberto Carlos lembra que passaram-se 64 anos entre 1869 e 1933, último antes da primeira eleição de Franklin Delano Roosevelt. Nesse período, o Partido Republicano ficou no poder 75% do tempo, o que equivale a 48 anos. Coube ao Partido Democrata governar os Estados Unidos por 16 anos: dois presidentes de um só mandato e um presidente de dois mandatos. Essas comparações aleatórias são tomadas para endossar a análise de Alberto Carlos Almeida: o que há de comum em todos os casos é a inadequação do discurso da oposição para certos contextos políticos e sociais (as tais conjunturas a que me referi). Em São Paulo, o discurso malufista esteve muito distante da sobriedade tucana que se adapta a um estado tão pequeno-burguês quanto igualmente sóbrio. “Tanto isso é verdade que o PT ventilou a possibilidade de lançar Antônio Palocci ao governo de São Paulo. Palocci é certamente o mais tucano-petista que existe. César Maia é o Carlos Lacerda do final do século XX. Benedita da Silva não teve condições de derrotá-lo com o voto da classe baixa, mas Eduardo Paes, sim. Estava mais para César Maia, obviamente do que para Benedita. Para vencer, foi preciso se adaptar ao contexto social e econômico daquele período”, registra o cientista.

Ele faz divagações como a de que na Suécia o discurso de direito não cola, da mesma maneira que no Chile pós-Pinochet também não cola, embora, lá, os socialistas da Concertación são mais direitistas do que os nossos socialistas. Eles se adaptaram à sua realidade e venceram, mais do que isso: tornaram-se dominantes, predominantes. O cientista dá essa volta olímpica para chegar ao Brasil, comentando 12 anos de PT no poder, com Lula duas vezes e Dilma na primeira. “A maioria dos brasileiros é pobre e se considera pobre. Lula veio da pobreza, fala para os pobres, defende os pobres. A oposição precisa se adaptar a essa realidade. Ou ela disputa contra o PT no terreno do PT, ou terá que torcer para que a maioria do país deixe de ser pobre e se torne classe média, um processo que sabemos estar ocorrendo mas que é muito demorado e longo para que o discurso de gestão e capacidade administrativa seja aceito pela maioria”, conclui.