Futebol e literatura

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Nonato Guedes

Em ensaio publicado na Revista de História da Biblioteca Nacional, o professor André Mendes Capraro, da Universidade Federal do Paraná, sugere que o futebol é um dos maiores fenômenos socioculturais do país e deveria ser matéria de ensino, associada a diferentes momentos históricos. “Se a compreensão da vida social é o objeto por excelência da educação, o futebol não pode ficar fora das salas de aula. Nas escolas, em geral, as rápidas menções à história do futebol ocorrem nas aulas de educação física”, salienta, acrescentando que nas aulas de história o tema pode ser usado como experiência prática no manuseio de fontes. O futebol favorece também trabalhos multidiciplinares, e a literatura futebolística é rica de conteúdo e diversa em espaços, períodos e gêneros.

Ele cita como exemplos de abordagem do futebol pela literatura as crônicas de Nelson Rodrigues ou Luís Fernando Veríssimo, os contos de Lima Barreto, as poesias de Armando Nogueira e as biografias de Ruy Castro ou as memórias de Nelson Motta. “Cabe ao professor despertar em seus alunos o olhar atento e crítico para essa manifestação tão brasileira. A recompensa virá rapidamente – afinal, trata-se do assunto mais debatido no país”, prossegue Capraro, relatando que superadas as desconfianças quanto à introdução do “football” no Brasil, logo ele tornou-se motivo de debate entre expoentes da literatura nacional. Capraro omite, a meu ver involuntariamente, ou talvez mesmo por não achar relevante, a contribuição valiosa de José Lins do Rego e Edilberto Coutinho, este último autor do instigante “Maracanã, adeus”, que me ofereceu numa das passagens por João Pessoa.

Reportando-se à polêmica suscitada na literatura pelo futebol, André Mendes Capraro cita Lima Barreto (1881-1922), que, com sua contumaz ironia, sugeriu em crônica a fundação de uma liga contra o esporte bretão. Seu argumento era de que os jornais não falavam em outra coisa: às segundas-feiras o noticiário policial trazia notícias de conflitos e rolos “nos campos de tão estúpido jogo”, mas nas seções especiais os jornais “procuravam epítetos e entoavam toscas odes aos vencedores dos desafios”. Já Coelho Neto (1864-1934), o escritor mais lido na época, era sócio do Fluminense, clube no qual atuavam os seus filhos. Motivos pessoais não lhe faltavam, então, para se tornar um defensor fervoroso das qualidades físicas e morais do esporte. A querela entre ambos durou anos.

Machado de Assis (1865-1918) olhava o esporte com certo desdém, enquanto João do Rio (1881-1921) e Olavo Bilac (1865-1918) eram simpatizantes e freqüentadores dos estádios. Consagrado como príncipe dos poetas brasileiros, Bilac considerava o futebol uma forma de manutenção higiênica do corpo. Em algumas ocasiões, como em um festival esportivo ocorrido na cidade de Curitiba, em 1916, chegou a proferir discursos enaltecendo os valores do futebol e sua importância para o futuro pátrio. Pesquisas recentes vêm contestando a versão de que era um esporte exclusivamente elitizado em seus primeiros anos. Já nas últimas décadas do século XIX, sabe-se que o futebol era praticado nas praias por marinheiros e estivadores, nas escolas católicas, e por populares nas ruas, praças e outros locais improvisados. Com surpreendente rapidez, diferentes meios sociais se apropriaram da prática.Em diferentes perspectivas, avalia Capraro, o futebol caminha a par com importantes períodos históricos do século XX. As conquistas trabalhistas coincidiram com a popularização do esporte entre os trabalhadores urbanos e com a regulamentação da profissão de atleta de futebol. Durante a ditadura civil-militar, nos anos 1960 e 1970, a seleção brasileira foi utilizada como símbolo de nacionalismo, e o futebol protagonizou conchavos e casos de corrupção, tanto nos clubes quanto nas entidades regulamentadoras. O fenômeno da globalização refletiu-se nas crescentes transferências de atletas, e a crise econômica atual na Europa a explicar o retorno de vários craques aos times nacionais. O futebol, sejamos honestos, não é só o espetáculo, hoje mais raro de se ver. É também a porta de entrada para as maracutaias dos cartolas, e que não se culpe apenas os brasileiros. A Fifa sabe muito bem quanto está investindo nas Copas que aqui se desenrolarão e qual o retorno que ela vai ter.

Quando se envereda por Copas Mundiais, o futebol torna-se paixão nacional. As imagens de grandes craques como Nilton Santos, Pelé, Tostão, Jairzinho, Rivelino, Garrincha, Zico, e os mais recentes como Ronaldo Fenômeno, Romário, Ronaldinho Gaúcho, sem falar nos estreantes que Felipão está trazendo para dois eventos à vista no Brasil só fazem reforçar o significado da paixão brasileira pelo esporte bretão. Abstraindo os defeitos que cercam essa paixão nacional, tem meu aval a proposta de levar o futebol para a sala de aula. Faz parte da História do Brasil, e deve ser analisado à luz das versões, das contradições, e dos males que também possui.